O Voador escrita por Gabriel Gorski


Capítulo 4
A Casa do Voador




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Yearnan acordou num salto, pronto para visitar o outro lado da ilha. Era um desejo que ele tinha desde pequeno, mas nunca tivera um motivo ou uma boa oportunidade. Ao olhar para o lado, viu que seu amigo sumira.

— Ecco? – Chamou. – Ecco, cadê você?

Foi apenas então que reparou que Orann e Avyin haviam desaparecido. Yearnan pôs-se de pé e foi até a trilha. Atravessou-a e seguiu pelo caminho que percorreram na noite anterior, chamando pelo nome de seus amigos esporadicamente. Logo chegou à clareira onde Orann vomitara, mas não os viu embaixo, nem no alto das árvores.

Quando pensou em gritar, viu três pessoas ao longe, caminhando na direção dele. Três adultos, ele percebeu, e tratou de se esconder no alto de uma árvore.

— Foi quando eu vi as duas caídas... – Dizia um deles. Os três riam.

— Vejam, uma bifurcação. – Um deles interrompeu, apontando para o fim da estrada que margeava a floresta pela direita. Tinha a voz esganiçada.

— Ainda está longe.

— Qual vai para a Casa? – Perguntou o terceiro homem.

— A da direita. – Respondeu aquele que falara das mulheres. – A da esquerda leva a uma vila qualquer.

Não são homens daqui, concluiu Yearnan. A da esquerda leva à Casa.

A tal casa sobre a qual os três homens falavam era a Casa do Voador, o local de treinamento dos garotos escolhidos para se tornarem marinheiros dos céus. Entretanto, Yearnan sabia que a Casa ficava no final da estrada à esquerda, e não à direita, como pensavam. Ainda assim, aquilo não era um assunto dele. Olhando mais uma vez ao redor, e sendo incapaz de encontrar seus amigos, decidiu voltar à própria vila.

Caminhou pela estrada por algum tempo, observando as casas-torres de pedra, cercadas por árvores ou muretas de pedra. As que tinham chaminés abrigavam as famílias mais ricas. Yearnan logo alcançou a praça principal na ponta da Rua dos Navantes.

— Venham todos à praça! – Gritava um gorducho de pé sobre um caixote de madeira. – Venham todos à praça!

Uma pequena multidão cercava o gorducho, que estava acompanhado de mais alguns homens. O homem pediu o silêncio de todos e Yearnan se misturou às pessoas para se aproximar. Vendo o pergaminho esticado, pôs-se a ouvir o que ele dizia no dialeto do mundo ínfero, cheio de palavras difíceis.

— Caros habitantes da Vila das Flechas, Ilha do Caçador. – Ele falava em tons impressionados, com o forte sotaque ínfero, ironicamente considerado superior. – Conforme alvará do recém-nomeado Almirante-mor, Veillor Flantjack, uma vintena de garotos entre catorze e dezoito anos de idade será elegida e expedida à Casa do Voador, onde perfarão exames de aprovação. Ser um volátil é grande honra, como todos sabem, e será ensejo de imane glória às famílias daqueles que se apresentarem.

Volátil era o outro nome dado a um voador, a forma mais nobre de se dizer. Yearnan viu alguns dos rostos familiares da vila estampando grandes sorrisos ao acompanhar, pelo olhar, os primogênitos que prontamente se dispuseram a ir até a frente, oferecendo-se como voadores. Duas ou três mães choravam, sem muito alarde. Ao todo, doze rapazes foram até a frente e se despediram de suas famílias ao som de palmas e gritos de alegria, entre eles, Garold Barowells, o filho do taverneiro. Até mesmo alguns músicos apareceram para alegrar o momento.

Yearnan se afastou da multidão. Foi empurrado uma ou duas vezes. Os voadores saíam devagar, cumprimentando a todos que estendiam as mãos. Os garotos seguiram em fila para fora da praça, rumo ao caminho que ladeava a floresta, de onde Yearnan viera. Uma mãe gritava por uma filha perdida. O alvoroço se prolongou até que um jovem levantasse o braço de outra pessoa.

— Aqui está ela! – Dizia, atravessando a multidão aos empurrões.

“Ela” era, na verdade, um dos garotos que foram até a frente. A mãe a abraçou e então começou a xingá-la de todos os nomes possíveis, mas Yearnan não esperou para descobrir o fim da situação. Correu para a estrada, junto com muitos outros observando os rapazes se afastando aos acenos.

A menina perdida tinha se tornado uma boa distração para que ninguém pudesse ver que Yearnan seguia os onze restantes, além de quatro voadores e o gorducho. Ousou olhar para trás na esperança de ver sua irmã, ou Orann, ou Ecco escondidos por ali.

Yearnan fechou os olhos e então viu a Vila do Aerisco. Estava caminhando, sozinho, adentrando uma rua de comércio similar à rua dos Navantes. Vendia-se peixes voadores, cimélias, pêssegos, mangas e muitas frutas naturais ou não da ilha. Parecia estar procurando algo ou alguém quando viu três voadores se aproximando, guiando uns quinze garotos ou mais, que acenavam às pessoas. Impossibilitado de reagir, Yearnan se limitou a observar a situação. Sentiu que se afastava, observando de perto algumas frutas, para se esconder dos homens. Ao olhar de relance, viu o rosto de Ecco.

Abriu os olhos, e estava de volta. Avyin acabara de chegar à Vila do Aerisco, mas estava sozinha. E os homens estavam com Ecco.

Yearnan cambaleou ao dar alguns passos. Não era moleza ver através dos olhos de Avyin e retornar sem algum tipo de tonteira, mas, mesmo assim, se esforçou para correr. Viu que o amigo estava em apuros. Atravessou a floresta, sentindo o vento no rosto e ouvindo os pássaros da manhã, sem dar-lhes atenção. Escolheu o caminho da esquerda, e resolveu que não pararia de correr até chegar à Casa do Voador.

A estrada se estreitava e alargava em diferentes trechos. Yearnan já ofegava quando decidiu parar para respirar, próximo a uma árvore caída. Julgou-se incompetente por não cumprir a própria decisão. Ao observar que a estrada se curvava, lembrou-se que poderia cortar caminho pela floresta. Não hesitou em sair do caminho e, em pouco tempo, já via o seu destino entre troncos e folhas.

A Casa parecia um gigantesco aglomerado de casas-torres, com um largo pátio interno ao redor das construções, cercado por uma alta muralha de pedra escura, com quatro torres redondas nas extremidades. Em suas ameias, sentinelas vigiavam em seus postos e bandeiras flamulavam ao vento.

Os onze garotos já se alinhavam em frente ao portão levadiço, ouvindo um homem barbudo falar enquanto caminhava entre eles. Yearnan se agachou atrás de uma árvore bem posicionada no topo de um declive, de modo que pudesse observar os dois lados da estrada, sem ser pego de surpresa.

Não demorou para que os rapazes da vila do Aerisco chegassem. Yearnan viu Ecco entre eles, de cabeça baixa, visivelmente irritado. À frente deles, os três rapazes que Yearnan acidentalmente bisbilhotou indicavam o caminho aos futuros érujos. Pensando consigo mesmo, concluiu que jogar uma pedra no amigo seria a forma mais discreta de chamar a atenção. Yearnan nem considerou errar o alvo.

Yearnan errou feio. A pedra acertou um garoto qualquer, que encontrou Yearnan com um olhar de soslaio e o denunciou na mesma hora.

— Senhor, estão atirando pedras em nós. – Disse, apontando para a árvore.

Seu burro, pensou. Por que eu não pensei nas possibilidades?

Um dos voadores, o mais alto dos três, se aproximou de Yearnan, que se levantou, encabulado. Pelo menos, assim, Ecco o veria. O amigo, porém, desviou o olhar ao reconhecê-lo.

— Então temos um garoto que gosta de atirar pedras em aprendizes. – Disse o voador.

— Na verdade, eu estava procurando o meu cachorro, Digor. Não o viu? – Disfarçou. Chegou até mesmo a assobiar pelo tal cachorro.

O homem sorriu, desafiante. Puxou Yearnan pela roupa e o ergueu no ar.

— Você se acha muito esperto, não é, imprestável?

Yearnan estava coberto com o medo. Completamente apavorado, para ser mais específico. Tentou se soltar, mas aquele brutamontes tinha as mãos firmes como um rochedo.

— Ei, Alfendor, vamos transformá-lo num pássaro. – O homem parecia se divertir com a ideia.

— Não! – Gritou Yearnan, num súbito acesso de pânico. Aquilo significava ser jogado para fora da ilha, rumo à morte certa. – Por favor, não faça isso. Por favor, me perdoe, eu imploro!

Alfendor era jovem e bonito, mas seus olhos carregavam a sabedoria. Solenemente disse.

— Faremos dele um voador.

Droga, pensou Yearnan. Me transforme num pássaro, eu imploro!

O homem brincalhão não pareceu feliz com a ideia, mas soltou Yearnan e o empurrou para o meio dos aprendizes.

— Para aprender a não ser tão inconsequente. – Disse, antes de voltar à frente.

Todos se puseram a caminhar. O garoto que Yearnan apedrejou estralou as mãos em sinal de vingança. Ecco não olhou para Yearnan em nenhum instante, nem mesmo se aproximou quando começaram a andar. Ignorado pelo amigo e ameaçado de surra.

— Vejam, aí estão alguns de seus companheiros. – Disse o homem gorducho, ao ver o grupo se aproximando. – Sejam bem-vindos à Casa do Voador.


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