O Voador escrita por Gabriel Gorski


Capítulo 2
O Céu e Suas Muitas Cores




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— Tudo bem, vamos para a floresta. – Disse Ecco.

 A Ilha do Caçador era a terceira maior ilha deum conjunto de vinte e seis ilhas – As Ilhas de Eheus –, mas apenas seis eramhabitadas. As outras foram abandonadas anos antes ou eram muito pequenas paraabrigar uma vila de tamanho mediano. Ao redor das vinte e seis ilhas, dozerochas flutuavam. Em cada uma delas foi erguida uma coluna de gabro, uma rochaescura. No seu interior, bem no topo, um pequeno nicho que se abria para ohorizonte abrigava uma pedra tolfa. Desse modo, as ilhas continuam flutuandopela eternidade. É impossível remover uma pedra tolfa de seu lugar depois queela se enraíza ali, pois suas entranhas são mais firmes que uma árvore.

As outras ilhas, Tormadelli e Forgspeek, eram muito maiores que a Ilha do Caçador. Alguns dos exorys diziam que se todas as vinte e três menores ilhas  se juntassem, não seriam maiores que Tormadelli ou Forgspeek.

Avyin e Yearnan murmuraram uma pequena despedida antes que ele os deixasse para visitar Helenne. Ecco parou por um instante e o acompanhou com o olhar. Em seu queixo, pequenos fios começavam a crescer. Coçou-os e logo voltaram a caminhar sem o amigo.

— Vamos para o alto? – Perguntou Avyin. Ecco já esperava que ela perguntasse. Sabia que gostava de escalar as árvores.

— Vamos. Mas com cuidado, por favor.

Avyin sorriu, feliz. Gostava muito de Ecco porque ele sempre a agradava, mesmo quando não merecia. Ecco gostava de Avyin. Sentia como se ela fosse sua irmã mais nova e, por isso, tinha a obrigação de cuidar dela, tanto que não deixou que bebesse.

Orann cambaleava levemente. Quando chegarama uma clareira após certo tempo caminhando e rindo sobre besteiras, ele se sentou debaixo da maior árvore que havia e respirou, como fazia todas as vezes em que bebia. Gostava. Seus cabelos eram loiros e grandes, um emaranhando sujo desde a semana anterior, quando outros garotos jogaram terra nele por simples prazer. Tinha um queixo duplo em formação e olhos pequenos, verdes. Se tornaria um homem muito bonito quando envelhecesse. Um homem bonito e bêbado.

— Minha cabeça vai explodir. – Ele disse.

— Logo você apaga, como sempre. – vyin comentou.

— Vai se ferrar. – Orann respondeu. – Eu vou subir com vocês.

— Duvido que você fique de pé. – Desafiou Ecco.

Orann lutou bravamente para se reerguer, mas todo o seu esforço foi em vão. Não conseguiu nem mesmo dobrar as duas pernas antes que caísse para o lado. Vomitou.

— Ugh, que nojo. – Avyin se contorceu.

Ecco logo o ajudou a sentar novamente, mas Orann não havia terminado a sujeira que havia começado. Depois de expelir tudo que bebera, fechou os olhos.

Ecco limpou as mãos numas folhas no chão e então as estendeu para que Avyin subisse. Os dois escalavam árvores há anos, já não tinham dificuldades. A visão que testemunhavam na copa das árvores era espetacular.

Os dois encaravam o céu estrelado. Mais do que cinco mil estrelas, Ecco tinha certeza. Muito, muito mais. Certa vez, quando mais novo, tentou contar todas as estrelas do céu. Ao amanhecer ele não conseguira chegar à metade do que tinha visto, enquanto o céu se movia.

— Qual será a cor de hoje? – Perguntou Avyin.

— Verde. – Respondeu Ecco.

— Tem certeza?

Ecco não respondeu. Ao invés disso, sorriu. Ele nunca errava. Seu pai o ensinara tudo o que sabia sobre o céu. O pai de Ecco, Qlarem Adahryn, conhecia o céu com maestria. Sentiu falta dele por um instante.

Viu então o céu se manchar de um verde muito escuro, como se uma cortina transparente fosse esticada entre o céu e a terra, sua cor se misturando à densa névoa de cada noite. Ou ainda como se poeira celeste espalhada entre as nuvens e estrelas dessem o tom de tinta sobre o papel. No cerne desta pintura, o olho os observava.

— Como você consegue?! – Avyin frustrava-se cada vez que Ecco acertava a cor do céu; todas as vezes, para ser mais exato.

— Sabe por que Erall muda de cor em algumas noites?

— Não. Por quê?

— São os pesagedos. – Respondeu.

— O que é um pesagedo?

— É como um fantasma, com a cabeça de um leão e o corpo coberto de pelos longos. Eles flutuam pelos céus e se alimentam de... bem, eu não sei o que é, nunca vi. Mas eles pegam no ar e engolem. Então somem, como se evaporassem.

— Isso é história de voador. – Disse Avyin. – Além do mais, como eles mudariam a cor de um planeta inteiro?

— Se você reparar, ainda vai conseguir ver as cores normais. Eles são transparentes, na maioria. Quando estão nervosos, atacam qualquer coisa viva. – Ecco falava observando o grande planeta, brilhante e gigantesco no céu, como se estivesse pintado numa parede. Esticou sua mão para o tampar em sua visão, fechando um dos olhos. Mesmo a aproximando de seu rosto, não conseguiu até que cobrisse o próprio olho por completo.

— E o que isso tem a ver? – Avyin se irritava fácil.

Ecco se deitou com cautela no tronco que estava sentado e respirou fundo pra sentir o vento. Sorriu e respondeu.

— Os pesagedos são guardiões de Erall. Eles escolhem a ordem das cores.

— E você é um pesagedo também, tenho certeza. –Ironizou. – Só assim pra saber as cores.   

— Existe um padrão. – Explicou Ecco. – A ordem é sempre a mesma, repetindo-se quando se acaba.

— E qual é a ordem? – O lado curioso de Avyin exibia-se, desavergonhado.

— É muito difícil para você entender. – Debochou.

— Mas eu quero entender. – Avyin retrucou.

— A primeira cor é o anil escuro, profundo como dizem que é o mar. – E se calou.

— Sim. E a próxima? Cor de sangue? – Arriscou.

— Exato, o céu do amor ou do ódio. Depois vem o anil outra vez.

— Por quê?

— Nunca me disseram.

— Continua.

— O verde manchado, o sangue, o lilás das flores e o dourado dos olhos dos Chevirgnas.

— Espera. – Interrompeu para tentar memorizar. – Anil, sangue, anil, verde, sangue, anil...

— Não. Lilás. – Corrigiu.

— Isso. Lilás, dourado e....

— Branco. Só.

— Branco. Isso é fácil. Você disse que eu não entenderia. – Zombou Avyin.

Ecco se divertia com ela.

— Então qual a cor da próxima noite?

Avyin pensou um instante ou dois antes de responder.

— Sangue.

— Errado. – O sorriso de Ecco se esticou. Ele sabia que ela diria sangue. – Será dourado.

— Mas foi o que você me disse! – Avyin gritou. – Vai se ferrar.

Ecco desatou o riso.

— Há quatro ordens em pares e similares. A primeira ordem, é como eu lhe contei. A segunda  vem de trás para frente, ignorando a primeira cor, que seria o branco. Ele vai permanecer no final. A terceira começa com o último par da segunda ordem indo para frente, e então o penúltimo par indo para frente, antes da quarta cor, que se torna a quinta. Então as três primeiras continuam normais, finalizando a terceira ordem. – À medida que Ecco falava, Avyin contorcia suas feições em mistos de surpresa e completa confusão. – A quarta é como a segunda, só que em relação à terceira: de trás para frente, ignorando a última, que continuará sendo última, ao invés de primeira.

— Que?

— Eu falei que você não ia entender.

Avyin sentiu um pouco de vergonha e raiva e xingou-se mentalmente por ser tão teimosa. Ele realmente tinha dito que ela não entenderia.

— Não tem problema. – Continuou Ecco. – Eu não entendi na primeira vez que ouvi. É difícil de aprender, porém mais difícil ainda é esquecer.

— Eu quero aprender.

Galhos se quebraram,interrompendo-os.


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