Os Lordes de Ferro escrita por valberto


Capítulo 4
Capítulo 4 – Memórias




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“Gama: a Capital do Entorno”. O outdoor com letreiro brilhante, de mal gosto e absolutamente cafona dominava toda a visão da janela do escritório 615, do sexto andar do edifício Atenas, no Setor Central. E desde que fora instalado ali pela administração regional, cerca de dois meses atrás, o Dr. Eduardo Almeida não tinha motivos para olhar pela janela.

“O Gama não pode ser capital de nada, se não da latinha... lá tinha shopping, lá tinha cinema, lá tinha...” Eduardo permitiu-se rir baixinho com a piada. Apesar de ser localizada no entroncamento das cidades do Entorno Sul e de ser mais velha que Brasília, o Gama era praticamente uma cidade do interior a 30 km da capital federal.

Como professor de matemática e funcionário comissionado do GDF tinha um escritório fora da administração regional. Um escritório bastante badalado, diga-se de passagem. Era um mágico com os números, diziam os outros Se alguém sabia de onde se podia tirar dinheiro do orçamento para fazer qualquer coisa, essa pessoa era o Dr. Eduardo Almeida.

Jovem, bonito e bem sucedido era disputado pelas moças solteiras da alta sociedade do Gama. Justamente isso o deixava sem paciência. Não, o termo não era isso. Ele estava entediado. Eram todas meninas lindas sem dúvida, mas fúteis. Faltava-lhes vida.  Sentado a frente de seu computador ele olhava os vídeos do último treino com os Lordes de Ferro.  Tinha sido um treino muito bom. Dos dez novatos que apareceram no treino da semana passada, quatro já se mostravam promissores. Quem sabe precisasse revisar o pedido de placas de PI 30 para cima. “Não seria ruim fazer isso” pensava ele enquanto ria de uma cena editada por um novato em que a irmã dele era  atropelada por outro jogador. Por fim sua paz de espírito foi encerrada.  

— Dr. Almeida? Tem um casal que quer lhe falar... – a secretária carregava certo temor na voz.

— Dona Judite, eu pensei que tinha sido claro que eu não estava para ninguém antes das três da tarde... – disse o rapaz franzindo o cenho e fazendo uma voz aborrecida.

— Ora deixe dessas frescuras, homem! – disse a voz intempestiva abrindo a porta de supetão e deixando a pobre Dina Judite ainda mais desnorteada. A figura de calças compridas brancas e camiseta marrom com motivos havaianos, aberta até metade do peito entrou sem dar mais satisfações. Cabelo penteado com tanto gel que poderia facilmente servir-lhe de capacete. Por cima de tudo um ray-ban verde de aros dourados e uma corrente de ouro grossa no pescoço.  – Que é? Não vai dar um abraço no amigo aqui não?

— Eliabe! Que surpresa em ver você, cara! – disse Eduardo jogando-se num fraterno abraço com o velho amigo. – Mas você está ótimo! Vamos entre de uma vez! Por que não ligou? Teria ido encontrar você em qualquer lugar! Dona Judite, pode nos deixar a sós e... Oh meu deus! Essa é a Taynara?

A moça que estava sentada na antessala levantou-se com graça e suavidade. O conjunto de calça jeans, botas de couro e jaqueta vermelha por cima de tudo lhe conferia um ar de rebeldia. Mas estava ainda muito mais linda do que a última vez que a vira: olhos claros  e pele perfumada, com cabelos encaracolados caindo como cascatas em espiral pelo seu rosto. Os dois se encontraram num abraço igualmente fraterno.

— Êpa, pode ir guardando esse olho comprido, meu consagrado! A madame está comigo.

— Eliabe! – ralhou Taynara, jogando para o homem um olhar capaz de colocar um leão da selva em seu devido lugar. – Desculpa Elfo. Você sabe como ele é.

— Sei sim, relaxa. É assim desde que eu conheci vocês. Nem me importo mais. – disse o jovem. – Mas pelo jeito de vocês não é uma visita social.

 - É mais ou menos – disse Eliabe, sentando-se perto da janela e pegando uma goma de mascar do bolso da camisa havaiana. – O rei está voltando.

— É sério isso? – O elfo engoliu o ar e tossiu um pouco nervoso. – Mas quando, como, onde...?

— No festival medieval. Ele mandou avisar pessoalmente. Quer o maior numero possível de pessoas lá. Full force, tá em entendendo? Hoplitas, guarda de honra, aquela porra toda, tá ligado?

— Ele vai reunir o conselho – resumiu Thaynara, servindo-se de uma goma de mascar no bolso da camisa de Eliabe. – Não sei do que trata, mas sei que é sério. Muito sério. Ele não nos reuniria a todos por nada.

— Vocês já avisaram a Grazi? – perguntou o Elfo, sentando-se pesadamente na sua cadeira e abrindo a última gaveta da sua mesa, de onde sacou um vinho do porto, lá pelos três quartos da garrafa. – Foi presente dele, sabe? Quando ele esteve aqui da última vez.

— Vocês sabiam que eu ainda tenho a primeira espada que ele forjou para mim? – perguntou Thaynara, tomando o copo das mãos do Elfo e tomando de uma golada só a dose de vinho que o rapaz tinha servido.  

— Mas é sério isso? – Caska começou a saltitar de mãos entrelaçadas, feito uma colegial de desenhos japoneses.

— Seríssimo mesmo... – comentou Lobo com ar de convencido. – Acabei de receber via zap. O aniversário de fundação do grupo vai ser no festival medieval de Brasília. Todo mundo convidado. E tem mais uma coisa... Eu ouvi dizer que o rei em pessoa vai estar lá.

— Quem é esse rei? – perguntou Sara, chegando junto com Marlon e Loki, cada um trazendo uma bandeja com batatas fritas, bacon bits e cheddar por cima de tudo.

— Uai, minha filha e você não sabe? O rei. O cara que fundou os Lordes de Ferro, pra mais de 15 anos atrás. Ele mora na Europa e vem muito pouco ao Brasil. E quando vem é sempre sinônimo de festa. Da última vez que ele veio reuniu mais de 100 pessoas no festival medieval. Entre membros ativos e ex-membros dos Lordes de Ferro. Foi uma festividade tão certeira que varou dois dias do evento. – respondeu Zoltan, se metendo na conversa.

— Do jeito que você fala, você participou dessa festa... – disse Sara enchendo a boca de fritas.

— Que nada. Rolou mais ou menos dois anos antes de eu entrar – disse Zoltan, sentindo saudades daquilo que nunca viveu. – E você Lobo? Foi nessa festa?

— Qual o quê! Minha mãe não deixou! – disse o menino chutando uma bola invisível para longe. – Aliás, do nosso chapter acho que apenas o Elfo, a Grazi e mais uns três ou quatro foram.

— Lendário! – conformou o Bakka que estava vendo uma partida de LoL pelo celular... – vocês não vão acreditar em quem vai vir para o festival medieval deste ano...

— Não me diga... – disse Zoltan fechando os olhos e fazendo sons como se fosse um médium – eu pressinto que é uma pessoa importante... o rei!

— Como é que você sabe? – perguntou Bakka, um pouco desolado e ao mesmo tempo um impressionado pelo certeiro palpite do seu amigo.

— Porque já tem uns cinco minutos que estamos falando disso, meu camaradinha. Se você sair da bot lane e pousar na terra dos vivos vai saber do que se trata.

— Ei meninos, a Artêmis confirmou que vai conseguir uma folga e vai para o treino de domingo. – disse Caska, ainda mais alegre. – Aí meu santo Behelit, quanta mais felicidade o meu coraçãozinho pode aguentar?

— Quem? – perguntou Sara, sentindo uma estranha no ninho pela primeira vez.  

— Artêmis foi a mentora da Caska. Ela lutava muito bem com o escudo. Ela e aquela irmã piriguete dela, a Jamilly. Mas depois que terminou o colégio emendou num monte de trabalho, um atrás do outro. Quase não tem tempo de aparecer. Ela e Caska faziam uma dupla infernal no campo de batalha. Se ela vem treinar esse domingo é sinal de que vai ser um treino puxado.

— É... as duas trabalhavam feito uma só. Até completavam as frases umas da outra.  – comentou Kurama.

O caminho para casa foi silencioso e pensativo para Sara. Pela primeira vez ela se sentiu só no meio do seu grupo de amigos. Todo mundo com lembranças passadas, menos ela. Ao passar pela sala viu que o irmão estava assistindo TV, mas não era o costumeiro jornal do meio dia.

— O que é que esta assistindo Ronaldo?

— Um professor meu treinava com os Lordes de Ferro e me passou esse canal, dos tempos que ele treinava.

— Meus deus Ronaldo... olha a data desse vídeo. Tem uns sete anos ou mais.

— Senta aí. Tem coisa mais antiga ainda.  – disse o menino mudando o link. – Encontro Paulista de Swordplay. O maior da América latina. Esse foi de dez anos atrás.

Os meninos começaram a ver as filmagens. Era uma das últimas massivas do dia. Uma linha composta por vários clãs e grupos avançava por todo lado direito da tela, forçando o reduzido exército inimigo, também formado por inúmeros clãs e grupos a se refugiar numa linha defensiva circular. Era uma questão de tempo para serem derrotados. Um grupo de quatro sobreviventes do exercito inimigo deu um jeito de dar a volta e estava tentando fazer um ataque pelas costas. Mas quando fizeram a curva deram de cara com um sujeito enorme, usando uma espada e um escudo circular. A câmera filmou por trás, deixando a balbúrdia da massiva de lado.

Os quatro cercaram o guerreiro de escudo redondo. Estavam dispostos a passar por ele para fazerem os ataques pelas costas. Mas havia alguma coisa errada. O guerreiro que os impedia não tinha dado o alarme. Ele estava imóvel, mesmo quando foi cercado. A lâmina do primeiro atacante ergue-se sobre o guerreiro com um golpe largo pela direita.

Foi um conta-golpe rápido, dado com a espada média, aproveitando a brecha óbvia na defesa do inimigo. O corte foi profundo, indo do lado esquerdo do peito, passando por baixo da axila até terminar o contorno do coto do braço. O homem caiu no chão, já sem vida. Sara achava as regras teatrais do EPS muito escandalosas, mas não teve como negar que foi bonito ver o soldado morrer daquele jeito. Parecia mesmo um filme. Um estava morto. Três à volta do guerreiro.

Eles o rodeavam. Um dele atacou, mas o guerreiro bloqueou o ataque com dificuldade. O segundo atacou aproveitando que estava flanqueando. A defesa veio por pouco, o golpe resvalando no alto do escudo coberto de corino marrom. O terceiro hesitou. O guerreiro não. O golpe jogou fora sua espada e enquanto ele ainda olhava para a arma perdida, foi atacado novamente. A espada acertou em cheio seu peito, perfurando o coração. Os dois se abraçaram, o guerreiro de escudo redondo usando o corpo do inimigo recém-abatido como proteção. Sara sentiu uma pontada de tristeza no jeito como rapaz encenava a própria morte. Era sem os exageros teatrais, tão costumeiros nesse tipo de coisa. Quando o rapaz finalmente caiu mole no chão, um dos atacantes restantes aproveitou a brecha e acertou o braço do escudo do guerreiro. Estava agora semi-desarmado, com mais dois oponentes com sede de sangue.

Ronaldo vibrou ao ver a espada ser dolorosamente arrancada da mão do guerreiro. O cano da maça acertou na mão do guerreiro sem lhe causar dano no jogo, mas causando dano real em sua mão.  

“Afinal de que lado você está?”, pensou Sara. O segundo ataque do soldado com a maça foi esquivado com dificuldade, deixando a brecha certa para o outro acertar o ombro do guerreiro com a espada que portava. Uma adaga surgiu nas mãos do guerreiro desarmado, bloqueando o ataque do soldado com a espada, mas o seu tempo estava se esgotando rapidamente.

O guerreiro então firmou os pés no chão e esperou o ataque do homem com a maça. Como um relógio ele atacou. O guerreiro avançou, agarrando o seu punho e golpeando o seu peito com uma estocada de adaga forte. A maça foi tomada de suas mãos, enquanto a adaga era largada ao solo.  Dois golpes em sequencia, ambos no peito fizeram o soldado inimigo tombar. Ele jogou a espada no chão e passou a correr para os limites do campo. “Nada muito esportivo”, pensou Sara.

— Tá foi uma luta legal, mas o que tem isso? – perguntou a menina, um pouco impaciente.

— Você não sabe mesmo, né? Não sabe quem é esse cara?

— Não sei Ronaldo – a todo custo sara evitava chamar o menino pelo apelido para evitar que a fúria de dona Mamãe caísse sobre os dois – quem é esse cara?

— Olha o título do vídeo – disse Ronaldo levantando para atender o celular.

Sara olhou. E sua boca ficou seca num instante. “4 contra 1 o rei dos lordes de ferro vence a parada”. Era desse rei que estavam falando...


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