Os Lordes de Ferro escrita por valberto


Capítulo 3
Capítulo 3 – O retorno do rainha




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A semana passou tão rápido como poderia passar. A escola havia deixado de ser o pior lugar do mundo. Agora Sara tina companhia para lanchar e até mesmo uma eventual carona para casa. Bastava o castigo ser encerrado que a sua vida estaria cem por cento melhor do que jamais estivera. Era engraçado pensar que poderia se satisfazer com tão pouco: amigos, duelos eventuais de espada, e alguém que parecia legitimamente preocupado com ela, sem críticas ácidas, autoridade descabida ou castigos malucos. Era quase – Sara temia admitir em voz alta – uma família.

— Acertou o meu peito! Parabéns! – brincou Zoltan, largando o machado de suas cabeças que estava carregando e puxando duas espadas tão curvas que parecia estar segurando serpentes contorcionistas congeladas. Ninguém lutava com aquelas espadas curvas como Zoltan.

— Os guerreiros de Hammerfell usam espadas curvadas. Espadas curvadas! – exclamou Banjamin (Bakka), o irmão de Rivca, rendendo-se, mas numa clara provocação. – Pega leve comigo cara, que tem treino domingo. Não quero chegar lá todo quebrado.

— Se você treinasse mais e parasse de ficar fissurado nessas coisas de LOL você poderia luatr com mais afinco. E não seria o Zoltan a te quebrar. – comentou Loki, caderno de matemática aberto.

— Olha que fala... o cara que já assistiu o último filme do Dragon Ball em japonês e sem legendas. Logo você me dar sermão de fissura? Mano, tu não deve nem saber cantar o hino nacional todo me deve saber de cór todas as aberturas de Naruto.

— Lolzeiro bronzeiro miserável!

— Otaku  traseiro de babidi!

— Calma meu povo – reagiu Amanda, entrando no meio dos dois, braços bem estendidos  – Estou com as mãos cheias de esmalte. Não fosse por isso eu acabaria com essa discussão. Daria um pau em vocês dois...

Risadaria geral. Era fácil rir naquele grupo. Tudo tendia para uma zoeira.

— Não entendo como vocês conseguem carregar esse arsenal todo, todos os dias para casa... – comentou Sara enquanto tratava de tirar o esmalte do dedo médio direito. Borrões de esmalte eram inadmissíveis para Vanny. Só não pintava a unha dos meninos porque era contra as regras. E isso a deixava meio cabreira. Se haviam regras assim no manual de regras é porque alguém já tentou fazer isso.

— A gente não leva para casa. Deixamos tudo na mecanografia. Sabe o Henriques? Ele treinou com os lordes de ferro. Por isso ele deixa a gente guardar material lá. – comentou Caska, secando um resto de copo de coca-cola, com mais gelo do que refrigerante.

— Não consigo imaginar o Henriques com aquele barrigão de chope correndo com uma espada de um lado para o outro. – comentou Sara em voz alta.

— Pois saiba, minha filha, que o Henriques fez parte do primeiro grupo de jogo. Isso mais de quinze anos atrás. – respondeu Zoltan puxando um celular do bolso e abrindo numa galeria desfocada e preto e branco de imagens criadas antes da internet 3G. – Contemple os membros fundadores dos Lordes de Ferro!

As fotos eram desfocadas mesmo. Devem ter sido tiradas com uma resolução baixíssima. No começo não eram nem seis pessoas direito. Tinha um cara grandão de barba, outro de escudo e lança, duas meninas de lança, o Henriques (segurando um arco e flecha) e uma mocinha de cabelos encaracolados. Era estranho ver o Henriques daquele jeito: jovem, com cabelos, tabardo e menos pança.

— Olha os deuses mano! – brincou Caska enquanto ajudava Loki a guardar o material.

— Gente, vocês se importam de eu levar uma espada para treinar em casa? – perguntou Sara, crente de que a resposta seria um sonoro não.

— Pode levar. Tem um monte delas aqui. Só toma cuidado para não sumir com ela. O Luan ia ficar uma fera se a gente sumisse com alguma coisa do arsenal. – comentou Zoltan. – ele é muito cioso com isso. Fala sério. Uma vez quase surtou quando a gente deixou uma cabeça de lança quebrada no campo de batalha.

— Quem é Luan? – perguntou quase que imediatamente Sara.

— Luan, ou Paladino, é o nosso ferreiro. Ele aprendeu o ofício diretamente com o Rei. Ele cuida das armas do nosso chapter. Verifica, dá manutenção... esse tipo de coisa.

— Chapter?

— É. Os lordes de ferro tem chapters (ou unidades) espalhadas por todo o DF. Temos uma no Plano Piloto, outra no Guará II, outra no Ceará e mais uma na cidade de Limeira, em São Paulo. – completou o Lobo, trazendo a sua namorada embaixo de seu ombro. – cada Chapter é gerida por um Duque-guerreiro e um conselheiro. No nosso caso o Duque guerreiro é o Elfo. – Sara instintivamente recordou-se do lindo rapaz loiro, de cabelos presos num coque samurai frouxo. – e a conselheira dele é a Graziela. Ela quem traz o grosso do equipamento. Ela é a melhor lanceira de todo o reino. Ganhou a Amazona de Ouro três anos seguidos.

— No último senso chegamos a ter quase duzentos membros ativos em todo Brasil. – completou Vanny.  

No final da aula Sara levou para casa uma arming sword de 90cm. Acabamento eslavo, de uma mão só, bem curvada. Parecia mais um sabre de cavalaria – se fosse tão grande quanto um sabre de cavalaria.

 O caminho da escola para casa era sempre monótono, mas neste dia Sara estava entusiasmada para chegar em casa. Já até tinha imaginado o que ia fazer para treinar. Alguns almofadões da sala de TV, amarrados nas colunas da garagem, dariam ótimos sacos de pancada.  Quando entrou em casa notou um silêncio estranho. O irmão não estava na sala, como fazia sempre, assistindo o jornal do meio-dia e comentando ruidosamente as notícias com humor ácido. A mãe também não estava, embora a maquina de lavar continuasse a bater a roupa num ritmo monótono.

— Tem alguém em casa? Mãe?

Ela passou pela sala, alcançando a cozinha. Deserta, exceto pelo bilhete pregado na porta da geladeira: “meninos, tive de ir ao centro e só volto à noitinha. Nada de bagunçar a casa e dever de casa feito. Beijos, mamãe”.

“Perfeito”, pensou Sara. “Agora eu posso relaxar sem ninguém enchendo o saco. Quem sabe eu consigo por alguns episódios das séries atrasadas do netflix...”A menina subiu para o primeiro andar da casa, onde ficavam os quartos e uma ampla sala com computador. Mal pôs os pés para fora da escada quando ouviu o grito:

— Defenda-se vilã!

A menina mal teve tempo de colocar a mochila da escola na frente do golpe, que caso contrário, atravessaria seu dorso frontal de fora a fora. A bolsa não foi tão rápida para deter um segundo ataque na sua perna esquerda.  O choque do impacto a fez instintivamente dobrar o joelho, bem a tempo de receber várias estocadas que se desviavam da mochila.

— Tome isso, mais isso e isso aqui também! – berrava o dono das espadas que depois de se dar satisfeito, recuou três passos.

— Ronaldo! – Esbravejou Sara. – Ah, eu vou contar para a mamãe que você esta me batendo e... hei, de onde você conseguiu essas roupas e essas espadas?   

Ronaldo estava vestido como um cavaleiro medieval – ou mais ou menos isso. Coturnos pretos, calça camuflada cinza, uma camisa preta e por cima de tudo um tabardo verde com capuz. Um cinto largo, de lona, mantinha tudo no lugar e no ombro esquerdo o símbolo dos Lordes de Ferro estava costurado. Ele tinha duas espadas nas mãos. Uma arming sword reta e sem guarda e uma espada curta de mesmo modelo.  O menino segurava as duas de forma ameaçadora.

— Gostou? – respondeu Ronaldo com um sorriso de satisfação na cara, enquanto girava uma das espadas na mão. – Fiz tudo sozinho... Quer dizer, quase tudo. A mamãe costurou o tabardo para mim. As botas eu comprei de segunda mão na feira. Baratinhas. Naquele quiosque de sapateiros. A calça eu peguei emprestado com o tio Cássio. Mas as espadas fui eu quem fiz.

— Ah é? O boneco fez essas espadas? E como é que o boneco fez essas coisas aí, posso saber? – perguntou a menina desdenhando do irmão, mas subitamente curiosa em saber como é que o irmão dela, que mal era capaz de dar um prego numa barra de sabão, virava um ferreiro amador em questão de dias.

— Tem vídeos na internet, sabia? Tem uns vídeos antigos de um careca chamado Glauco que ensina a fazer espadas muito legais. Magnus Legio! Você sabia que os lordes de ferro tem página? Canal no youtube? Aliás, tem tudo na internet. Tem ate uma cena do último treino que você aparece.

— E mesmo? – perguntou a menina, receosa de como tinha sido retratada em vídeo.

— É... você aparece sendo atropelada por um rolo compressor! Hahahahha... Mais uma coisa: a mamãe fez um tabardo para você. Mas só digo onde está se você lutar comigo. Que espada você quer? Longsilver ou a shortsilver?

Sara sorriu e desembainhou a espada que trouxera da escola. Ronaldo ficou espantado ao ver a espada da fibra na mão da irmã.  Menina jogou a bolsa para dentro do quarto e chutou os tênis para longe, ficando apenas de meias no piso encerrado do primeiro andar. Assumiu uma postura de guarda média, a posta breve de la serpentina, que era muito usada pelo Lobo.  

— Não acredito que você já deu nome a essas suas espadas, mês enfim. Vamos fazer uma aposta. Se você ganhar pode fazer o que quiser com o meu tabardo. Pode customizar à vontade. Pode fazer seu próprio design. Mas se eu ganhar, você vai me chamar de “mestra” no próximo treino. Fechado? – disse ela estendendo a mão.

— Claro – respondeu o irmão que antes de apertar as mãos, selando o desafio, já atacava com a arming sword. Sara mal teve tempo de defletir o ataque.

— Ah, quer dizer que o boneco ataca na traição, hein? Que belo cavaleiro... – o ataque veio antes do fim da frase: uma estocada certeira na altura do peito, saída diretamente d’a posta breve de la serpentina, habilmente bloqueada pela espada curta do rapaz.

— Não me chama de boneco... – havia ressentimento na voz de Ronaldo. A deixa perfeita para uma irmã irritada.

— Ah, quer dizer que o boneco não gosta de ser chamado de boneco? Ok boneco, eu juro que não chamo mais vossa bonecoscência de boneco. – Sara fazia uma voz infantil, troçando mesmo do irmão. A cara de Ronaldo se contorceu numa careta de choro e depois passou rapidamente para raiva pura. O menino gritou e partiu para cima com tudo.

“Exatamente o que eu queria”, pensou Sara posicionando-se na curva do corredor que dava acesso aos quartos. A semana inteira de lutas e bate-papos com os novos amigos também havia lhe rendido uma meia dúzia de bons aprendizados e ensinamentos. E um deles rescendia firme em sua mente.

“Um bom guerreiro deve ser o mestre de suas emoções. Não deve se curvar a elas. Ele deve aprender a controla-las. Aprender a tirar proveito da sua fúria, sem se deixar levar por ela. Se o seu inimigo se deixar enfurecer, ele atacará as cegas. Ele cometerá erros. E nessa hora, um guerreiro com autocontrole, mesmo menos habilidoso, poderá vencer.” Ou seja, pessoas irritadas cometem erros e lutam com menos habilidade. Esperava que a provocação tivesse tirado Ronaldo do sério o bastante para que ela pudesse vencer.

O primeiro ataque de Ronaldo com a espada maior atingiu em cheio o canto da parede que Sara estava até um instante antes. A menina atacou de novo, com a estocada, a fim de manter o irmão numa distância segura. Com dificuldade ele bloqueou o ataque com a espada curta.

— Mas menino! Eu tô impressiona com a Vossa bonequescência... Tá lutando muito bem... E olha que não fez nenhum jutsu da vila da folha e nem correu com as mãos para trás nenhuma vez...

Ronaldo atacou de novo ainda mais irritado. Ele fez um ataque longo, descrevendo um arco de baixo para cima e quando a espada média errou de propósito o ataque, ele atacou com uma espada curta. Era uma manobra bem avançada para ele. Foi um golpe longo, ensaiado, plástico. Mas Sara jogou o corpo instintivamente para trás, golpeando a espada lateralmente no corredor apertado. O golpe acertou o cotovelo de Ronaldo, que deixou cair a espada curta com o choque.

— 1 a zero, boneco. Acho que você vai ter de se acostumar de me chamar de mestra nos treinos. – enquanto espezinhava do irmão sara deixou a guarda aberta. Aberta o bastante para que Ronaldo girasse sobre seu próprio eixo e, abaixado, desse um golpe certeiro na perna esquerda da irmã. – Ai...

—  Estamos quites. Tô pensando em escrever “eu faço tudo no primeiro encontro” na frente do seu tabardo e “depósitos 24 horas” com uma seta apontando para baixo nas costas dele. – disse o menino replicando os xingamentos da irmã.

Sara sentiu o sangue subir. Fazer os outros perderem a paciência parecia ser fácil, mas manter a sua própria não era assim tão simples.  Ela respirou fundo. Outra distração dessas e ela ficaria com o pior tabardo de todos os tempos.

Lá estava os dois: no entroncamento do corredor que dava acesso aos quartos, olhando fixamente um para o outro estavam bufando de raiva um do outro, rivalidade fraterna bombeando pelos poros da pele e enchendo a atmosfera de tensão.

Os dois se preparavam para o ataque final. Tudo resumido num único ataque conjunto. Quem pagasse, ganhava. Ronaldo ergueu a espada acima da cabeça, segurando-a com ambas as mãos. “La posta del falconi”, pensou ele enquanto se lembrava das lições que tinha aprendido com Lian Nisson no filme “A cruzada”. Sara voltou a adotar “a posta breve de la serpentina”. Esperava com isso ser mais rápido do que o irmão.

— Mas que porra é essa aqui na minha casa?  - o grito da mãe dos meninos extinguiu o combate imediatamente. O que antes parecia um filme de ação, agora descambava para um thriller de terror.


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