Os Lordes de Ferro escrita por valberto


Capítulo 19
Capítulo 19 - Revelações musicais




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Sara atravessou a entrada que dava acesso às coxias do pequeno palco, bem no fundo da taverna, fechando a porta de madeira atrás dela. Ao sou lado, como uma sombra silenciosa e assustada estava Keddy que não entendia muito bem o que estava acontecendo, mas que tinha noção que seu universo tinha se tornado muito maior do que ela jamais sonharia ser possível.

Atravessaram rapidamente um corredor aperto, lotado de tralhas e quinquilharias que poderiam ser usados em apresentações teatrais ou musicais, mas que por algum motivo estavam apenas ali, jogadas. Por fim as duas encontraram uma escada pequena, na parede dos fundos, que dava acesso à área acima do palco. Com certeza a área dos camarins, e onde a barda tinha se refugiado para se recompor depois de uma apresentação tão intensa. De fato havia ali uma porta de madeira entreaberta, de onde podiam ouvir a barda cantarolando, como se estivesse preparando a garganta para uma nova apresentação.

Sara tratou de se recompor também. Sua adrenalina ainda estava alta e ela estava agitada. E tudo o que ela não precisava agora era entrar naquele camarim como se estivesse havendo uma luta de vida ou morte no andar de baixo (sendo que na verdade estava acontecendo isso mesmo). A menina respirou fundo e pediu que Keddy vigiasse a escada e avisasse caso alguém, que não fosse o Yhago, subisse por elas.

— Olá, bom dia e com licença! – disse a menina colocando a cabeça para dentro da porta entreaberta, mostrando o seu melhor sorriso amigável.  Lá dentro, sentada numa penteadeira e afinando um alaúde a barda virou-se e sorriu. Em cima da penteadeira e menina viu também uma garrafa de vinha pela metade e um cálice de vidro machado de tinto.

— Bom dia... – respondeu a moça. – Puxa, você deve ter gostado mesmo da minha apresentação. Poucas pessoas se aventuram nas coxias! Tem alguma coisa que eu posso fazer por você? Um autógrafo, uma lembrancinha, talvez?

Sara sentiu-se um pouco envergonhada porque de todos os interessados em encontrar a cantora, ela era a que menos tinha prestado atenção na música. Obrigou-se a focar no objetivo: descobrir de onde a barda tinha conseguido aquela composição, que só poderia ter vindo da sua terra. Era a melhor pista que tinha até agora de encontrar outra pessoa que não tinha nascido nesse arremedo de mundo de fantasia.

— A música que você executou lá em baixo... – começou Sara com certa timidez na voz.

— É maravilhosa, não é mesmo? Eu também acho. Uma das minhas músicas de maior sucesso. Sempre que vou ao reino das Águas Claras tento fazer o bis com ela, mas dessa vez me deu de veneta toca-la no começo do espetáculo. Que loucura. Não achei que fosse ficar emocionada aponto de ter que me retocar... – disse a barda enfiando um pompom de algodão num frasco cheio de talco e depois passando um pouco daquele pó em suas bochechas. – Mas é a vida. Tenho outros números musicas, mas nada tão bom. Se bem que “evidências” costuma fazer muito sucesso em Brackens.

— É sobre essa música mesmo. – começou Sara novamente – a que você disse que fa mais sucesso. Eu não sei como dizer isso, mas... – A menina fez uma pausa. Não conseguia encontrar as palavras certas para falar. Sempre que tentava articular algo, soava como se ela tivesse acabado de sair de um hospício. Por fim deu de ombros e pensou na abordagem mais direta que poderia fazer.  – A sua música... eu já ouvi antes, na minha terra. É de um cantor romântico chamado Wando. Ela não é deste mundo. E quando eu digo isso não falo como um elogio.  

— Ah, é isso... – disse a barda desfazendo o rosto amigável e colocando a maquiagem de volta na penteadeira. Ela se levantou solenemente e foi até a sua mochila, pousada ao lado de uma cama pequena. De lá sacou uma pequena caixa de joias. – Eu fui informada que um dia uma pessoa reconheceria essa música de uma terra distante. Como uma composição que “não era deste mundo”, ou “da minha distante terra natal”. Não sabia quem seria a pessoa e nem quando ela me localizaria. Nos primeiros anos, eu cantava essa peça esperando ansiosamente que alguém me procurasse, exatamente como você esta fazendo agora. Um dos grandes mistérios da minha vida se desmancha agora e tenho que dizer que não é como eu esperava.

A porta da sala abriu intempestivamente. Kaddy entrou por ela, tensa como se tivesse acabado de sair de uma discussão estressante. Ela parou na frente da porta, encarando as duas mulheres e sentiu-se de certa forma uma intrusa. Como a menina não falou nada de alguém estar subindo as escadas, Sara fez sinal de que se acalmasse e voltou suas atenções para a cantora novamente.  

— Imagino que esta donzela seja sua empregada. – disse a barda posicionando-se a ficar entre as duas – Mas me deixe continuar a minha história e saborear esse momento.  Eu era uma barda desconhecida, em começo de carreira. Estava numa taverna nas terras de santa Ajora, procurando algum emprego que não exigisse que eu lavasse os pratos e nem que eu me deitasse com camponeses fedendo a esterco. Nesta taverna eu tive a oportunidade de cantar e encantei um guerreiro em particular. Enorme, usando um manto negro que parecia ser feito de chumbo. Ao final do espetáculo ele me procurou. Ele disse que tinha uma proposta a me fazer. Ele me daria dez músicas que seriam, sem dúvidas, sucessos incríveis. Ninguém nesta terra as conheceria. São os meus maiores sucessos. Nada se compara. “Dona”, “Chora coração”, “Evidências”... E tantas outras que fizeram o meu nome e o meu sucesso, como eu jamais imaginei que fosse possível. Em troca eu imaginei que ele fosse pedir a minha alma, mas nada tão trágico assim. Ele pediu que eu me apresentasse em todos os lugares, para o maior numero de pessoas e que guardasse isso – disse ela mostrando a caixinha de joias – Um dia, ele me disse, após o meu show uma pessoa me procuraria dizendo que conhece estas músicas de uma terra distante. E que eu deveria fazer uma pergunta a essa pessoa antes de entregar a ela esta caixa e mostrar seus segredos.

— E que pergunta seria essa? – perguntou Kaddy, aflita com o desenrolar da história da cantora.

— Mesmo que estejamos separados... – respondeu a barda, com os olhos marejados, olhando para caixa.

— Nossos corações serão um só. – respondeu Sara, com o tom ainda mais inflexível e solene. O mote dos lordes de ferro.

— O enigma se completa finalmente. – disse a barda limpando as lágrimas dos olhos e estragando sua recém-preparada maquiagem.  – O homem que me contatou, aquele guerreiro, me deu esta joia. – Ela abriu a caixinha dourada de madeira e lá dentro repousava um pequeno cristal vermelho, no formato de uma seta estilizada. Um segundo depois a seta de cristal começou a flutuar dentro da caixa e girar como a agulha de uma bussola nos filmes da televisão. – Ele me disse que ela sempre aponta na direção de onde ele vai estar.

— Cara, que loucura! – disse Sara, espantada. – temos o nosso próprio “radar das esferas do dragão” para achar esse guerreiro, que só pode ser lá de nossa terra. Um GPS particular.

— Este homem disse seu nome, cantora? – perguntou Kaddy incisivamente, subitamente tomada de uma impertinência e curiosidade ímpares.

— Sim – respondeu ela. – Mas não ouso pronunciar seu nome neste lugar. Muitos inimigos, de todos nós. – Ela entregou a caixa para Sara e nas mãos de Keddy depositou uma pequena peça de marfim – Só abra quando estiverem longe daqui. Keddy assentiu, colocando a peça de marfim no bolso do colete que vestia. Sara por sua vez guardou a caixinha com cuidado numa de suas bolsas no cinto.

— Nos despedimos por hora... – comentou Sara dando um abraço fraterno na cantora – E, se posso pedir mais um favor, cuidado quando descer as escadas. Temo que tenha havido uma confusão das boas lá embaixo.

— Não se preocupe donzela guerreira. Essa não é a primeira vez que me apresento em meio a confusões e brigas. – com um gesto rápido a barda fez surgir em suas mãos uma adaga fina e pontuda. – Mas vou retocar a maquiagem antes de descer. Até lá espero que a senhora e sua empregada estejam longe.

Sara desceu as escadas com Kaddy à sua cola. Parou junto a porta que dava acesso às coxias, que permanecia tão trancada quanto quando ela deixou. Ela tentou ouvir alguma coisa do outro lado, mas não conseguiu. Tomou coragem e abriu a porta, encontrado duas dúzias de homens da guarda da cidade jogados para todos os lados, desacordados. A taverna parecia uma versão menos sangrenta da cena da igreja no filme Kingsman I: sem pessoas inocentes, mas com muitas mesas reviradas. Ela passou os olhos pelo salão e viu Yhago conversando com o dono da taverna. Sara se aproximou a tempo de ver o guerreiro entregar para o homem um saco com quase todos os seus paus.

— Isso é pelas despesas, meu bom Galter. Tem um extra aí para pagar pelo tempo dos guardas ou qualquer multa que venham a nos implicar.  

— Sempre soube que você era um guerreiro honrado Yhago, mas nunca pensei que essa honradez fosse acompanhada de tanta generosidade. Por mim você não deve nada e como representante do conselho comercial da cidade eu vou garantir que nenhuma acusação ou vingança paire sobre você e suas amigas.

— Companheiras – enfatizou o guerreiro.

— Claro... Como o milorde desejar. E o que devo fazer com Zacarias? – disse Galter apontando para o homem que estava com o rosto inchado e roxo, como se tivessem usado a sua cara como tambor de uma escola de samba em plena Sapucaí.

— Ela não vai morrer, mas vai ficar com esses “óculos Rayban” na cara por um bom tempo. É toda a punição que ele precisa. Mas enfatize que se ele vier atrás de mim, de minhas companheiras, ele não terá tanta sorte.

— “Óculos Rayban”? – perguntou Sara, se aproximando.   

— É uma gíria de programas policias. Significa que o cara vai ficar com os olhos roxos um bom tempo. – Respondeu o rapaz com um tom jovial. – Conseguiu a informação?

— Melhor do que isso. Tem agora um waze mágico que vai nos levar diretamente ao cara. Ele deixou a cantora como uma pista que apenas nós, dos Lordes de ferro, poderíamos seguir. – disse Sara, ignorando os olhares curiosos de Galter. – Lá fora eu te mostro.

— Vamos embora. Os homens da guarda foram muito “gentis” em nos “ceder” três cavalos para que possamos nos mover mais rápido.  

Os três companheiros deixaram a taverna. Lá fora uma pequena multidão os aguardava para saber o desfecho do acontecido. Quando foram solenemente ignorados, correram para dentro da taverna para buscarem mais informações.

Montados a cavalo, o pequeno grupo saiu da cidade e quando chegou aos limites da mesma, Sara apresentou a Yhago a sua caixa de joias. Explicou o seu funcionamento. Yhago olhou para a direção indicada e comentou:

— Seja lá quem for essa pessoa está indo para Brackens. Conheço uma estrada que nos levará rapidamente, mas ela não é tão segura quanto eu gostaria. – ele despejou um olhar demorado para Kaddy e Sara – mas com uma guerreira como você ao meu lado não teremos problemas. Hoje à noite, depois do jantar vamos começar a ensinar espadas para a Kaddy. Se ela vai andar conosco ela precisará aprender a se defender.

Sara não entendeu nada. Onde estava o quizilento que até meia hora atrás estava dando patadas e respostas “canto de muro” para ela e sua companheira?

— Eu não fui justo com vocês mais cedo... – Começou o guerreiro guardando a joia no bolso do casaco e seguindo em direção ao leste. – Eu não sou homofóbico. Desculpe se a ofendi ou se a fiz pensar assim.  Eu estava frustrado e com um pouco de ciúmes... mas não exatamente ciúmes. Não como um homem sente por uma mulher. Eu sentia ciúmes como um amigo, que não soube lidar com isso. Você é a minha primeira amiga desde que cheguei aqui. Amiga de verdade, com que eu posso conversar abertamente. E também estava com inveja. Não peguei ninguém desde que cheguei aqui.

— Ninguém? – perguntou Sara espantada. – Nenhuma novinha? Qual é cara... Eu vi como as mulheres olham para você quando a gente passa na rua.

— Tenho que concordar que o milorde é muito garboso. – comentou Kaddy.

— Eu sou tímido. – respondeu o homenzarrão sem jeito como se confessasse um grande pecado mantido escondido por muitos anos. – Não sei chegar numa menina e não acho justa a ideia de pagar por sexo.

— Não seja por isso Milorde. Se me permitir eu sei muito sobre como agradar os ouvidos de uma mulher. Já que o nobre guerreiro vai me ensinar a manejar uma espada, nada mais justo que eu lhe ensine a derrubar as paredes do coração de uma mulher e quais portões ele deve forçar para entrar em seu castelo.

— Fica acertado assim. – respondeu Yhago. – Mas fico curioso com mais uma coisa. A cantora não disse o nome do guerreiro? Quem sabe eu o conheça, lá da nossa terra.

Keddy pegou a peça de marfim do bolso e mostrou aos dois amigos.

— Uma peça de xadrez. – comentou Yhago, olhando a peça com calma.

— Eles jogam xadrez aqui? – perguntou incrédula Sara.

— Se jogam? Eles têm campeonato disso.

— E que peça é essa? Tem algum nome escrito. Talvez nos dê uma pista de quem estamos procurando.

— Esta peça é um rei. Então só pode significar que estamos procurando pelo nosso “Rei”. – disse Yhago, tomado subitamente de uma pressa.


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