Os Lordes de Ferro escrita por valberto


Capítulo 17
Capítulo 17 – As cores dos perfumes.




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Volney sentou-se na frente da sua roda de amolar e começou a pressionar o pedal da peça. A roda girou chiando, enquanto ele despejava uma mistura de água e óleo sobre ela. Quando toda ela ficou de cor escura uniforme ele soube que estava na hora de afiar seus machados.

“Cada hora que você gasta afiando seu machado são duas horas a menos de trabalho nos campos”, lhe ensinara seu pai, que assim como ele era um lenhador. Seis gerações da família “Machado Afiado” que viviam de ir ao meio do mato para deitar pau. Ele não pode deixar de rir do “mote” de sua família, como se ela fosse uma casa nobre. A vida tinha sorrido para Volney nos últimos anos. A madeireira que ficava ás margens da floresta dos afogados parecia um péssimo negócio, mas a lenha da floresta queimava bem. E como ninguém se atrevia a entrar naquele lugar amaldiçoado, ele tinha meio que uma exclusividade. No final do dia, as vezes até antes no meio do dia, os carroceiros de Amag vinham em busca de lenha para vender na cidade. Porque você pode até achar que a floresta é amaldiçoada – de fato ela é – mas ninguém cozinha sem lenha nos fogões de lenha.

O machado estava quase afiado quando ele ouviu um farfalhar vindo de trás dele. A sua nuca se arrepiou porque atrás dele tinha apenas a floresta e nada nunca saía de lá: animais evitavam entrar na floresta e ela não tinha pássaros de nenhum tipo. Viajantes a evitavam como um homem casado foge de sua amante grávida. Volney segurou o machado em posição de guarda esperando que sua habilidade de cortar troncos de madeira com golpes certeiros pudesse lhe defender do que quer que estivesse saindo daquelas matas.

— Porra, meus consagrados! – berrou Espartacus como se comemorasse um gol – finalmente saímos dessa floresta dos diabos.

— Uau cara... Que coisa. Não acho que eu tenha ficado tão feliz assim de sair de uma trilha antes. Ufa! – o Elfo vinha logo atrás e assim como o amigo comemorava a saída da floresta. – Wel, você nos guiou certinho para fora desse lugar. Parabéns.

— Cara, vou dizer, não tô a fim de acampar por um bom tempo. Tô precisando sério de um bom banho e uma cama de verdade! – a reclamação de Artêmis veio como uma prece muito mais do que uma necessidade.

— Ah, não foi nada – respondeu a sacerdotisa, claramente envergonhada. Então ela percebeu o lenhador em posição de guarda e comentou com toda a jovialidade que podia – Bom dia senhor. Pode nos dizer para que lado fica a cidade de Amag? Precisamos reabastecer nossos suprimentos antes de seguir viagem.

— Ah... Claro... Naquela direção ali... Podem seguir pela estrada de terra até chegarem numa pista pavimentada. Depois é só seguir pela estrada no sentido leste. Não tem como errar... E se vocês se perderem, basta perguntar a qualquer um dos carroceiros da estrada.    

Os meninos agradeceram e seguiram viagem pelo caminho indicado. Longe da influência da floresta as forças deles iam voltando aos poucos. Logo que chegaram à cidade pelo caminho indicado pelo lenhador se espantaram. Imaginavam a cidade como Ponte Alta, mas não era nada assim: a cidade era imensa. Olhando do alto de uma colinha dava para ver a estrada descendo, fazendo uma suave curva em direção dos portões da cidade. A cidade tinha o formato de um hexágono perfeito. Cada lado com quilômetros de extensão. Muralhas altas e grossas, feitas para resistir a cercos. Ainda de cima dava para ver que a cidade era muito organizada, dividida em hexágonos menores, provavelmente bairros ou distritos, com telhados de cores uniformes concentrados na mesa área.

Não demorou até que o grupo de jovens descesse pela estrada indicada, cruzando, como disse o lenhador, com muitas carroças em seu caminho. Carroças carregadas de mercadorias seguiam pela estrada, indo e voltando num movimento ao mesmo tempo moroso e frenético. Muitos carros de boi dividiam espaço com charretes mais velozes, enquanto que algumas pessoas puxavam suas próprias carrocinhas como bestas humanas e carroções de oito eixos puxados por parelhas de dez ou doze cavalos seguiam ruidosamente. Um grupo de homens envoltos em rotos mantos vermelhos e ligados entre si por correntes presas a seus pés tratavam de limpar qualquer sujeira que as carroças ou seus cavalos pudessem provocar, sempre sob o atento olhar de capazes armados com espadas e bestas engatilhadas. Naquela estrada os meninos, pedestres como estavam, eram minoria.

Mais ou menos em dois terços da viagem Artêmis começou a sentir os cheiros que vinham das especiarias das carroças com muita força. Era como se todas fossem banhadas em essências fortes e perfumes franceses. Ela coçou o nariz, reclamando consigo mesma quando um viu uma mancha de vapores vermelhos passando por ela. Ela acompanhou a mancha com os olhos até a sua origem, uma carroça carregada de morangos silvestres alguns metros a frente. Depois sua atenção foi tomada por uma mancha fumeante de cor amarelo acre que lembrava o açafrão que sua mãe colocava no arroz, mas com um gosto muito mais forte. Por fim ela se viu cercada dos cheiros das coisas á sua volta. Deslumbrada, acabou perdendo o equilíbrio e caindo pesadamente ao lado da estrada. Ela então se viu cercada por um roçar de coisas e olhou em volta, assustada, ainda tentando entender o que se passava quando a visão focou numa formiga que limpava suas antenas. A menina entrou em pânico quando percebeu que ali estava a fonte do roçar. Então ela sentiu um puxão,  e ela foi posta em pé. Em volta delas os amigos falavam e a sacudiam, mas ela não conseguia ouvir o que diziam, seus sentidos absorvidos pelo roçar das patas da formiga em suas antenas. Então ela focou no rosto do seu namorado e se concentrou... aos poucos o som da formiga foi ficando para trás e o volume da voz do namorado ganhou corpo.

— Artêmis, Artêmis, fala comigo... Thay... – Espartacus repetia desesperado, segurando a menina pelas axilas, garantindo sustentação extra, caso ela perdesse a força nas pernas novamente.

— Calma, meu bem, calma – respondeu ela finalmente, colocando a mão sobre a testa e verificando que não tinha nenhuma ferida lá – eu só perdi o equilíbrio e caí. Mais nada. Deve ser fome. Ou cansaço. Ou os dois. Acho que aquela floresta mexeu comigo mais do que devia.

— Também acho – respondeu o Elfo, oferecendo-lhe um cantil com água fresca. – Será que devemos parar um pouco?

— Não... – respondeu a menina. – Estamos tão perto de uma cama quentinha e de comida boa... Vamos seguir.

— Calma... – respondeu a sacerdotisa que tinha acabado de conversar rapidamente com o cocheiro de uma carroça carregada de lingotes de ferro – Este bom senhor se ofereceu para nos dar uma carona até os portões da cidade. Acho que todos nós podemos nos beneficiar em esticar as pernas um pouco.

— Vai ser um prazer levar vocês. Podem subir todos. Senhores, isso vai ser incrível. Já vai ser difícil acreditarem que eu ajudei uma sacerdotisa em sua peregrinação, louvados os doze divinos, mas dizer que a minha carroça levou um cavaleiro elfo? Ah, com certeza ganharei a pecha de mentiroso e contador de histórias! – comentou animado o carroceiro parado ali ao lado.

Todos a bordo, a sacerdotisa foi na frente, junto com o Elfo. Quanto mais gente visse, menos o carroceiro seria taxado de mentiroso. Atrás, sentados em cima dos lingotes amarrados em caixas de madeira estavam Artêmis e Espartacus. Ela deitada sobre o colo dele tentava entender o que tinha acontecido com ela. Quem sabe aquele mundo estivesse mexendo com eles? Quem sabe tinha desenvolvidos poderes especiais por conta da estadia na floresta? Ou que sabe ainda pudesse estar apenas ficando louca porque já fazia quase duas semanas que não sabia o que era ir a um banheiro ou se limpar com papel higiênico.

Ela viu uma carroça cruzar no sentido oposto e na sua traseira duas meninas conversavam animadamente. Poderia ser a chance que ela esperava para focar e tentar entender o que se passava. Ela focou a visão nas duas e o som de suas vozes surgiu cristalina em seus ouvidos como se ela estivesse no meio das duas.

— Estou dizendo Dionísia... Ele tem um porte maior do que eu imaginava. – comentou a primeira, sorrindo ao se recordar. – Pedi que ele tirasse o braço do caminho para que eu pudesse pegar em sua lança e ele me respondeu sorrindo: esse aí não é meu braço, milady.

— Lucíola... que sorte você tem! Lembra o capitão da guarda que encontrei ontem? O que parecia um cavaleiro tão promissor? Pois foi um fiasco! – disse fazendo um sinal de pequenez com os dedos e cara de desapontamento – a sua lança, além de ter o porte de uma adaga, era mole como se fosse feito de linho! Ah que decepção. E para piorar, depois de ter feito seu “ataque” virou para o lado e dormiu. Pesado como um urso hibernando no inverno.

— Pelos divinos! Que nunca cruze minhas fronteiras! – disse a outra, fazendo um símbolo de proteção sobre o peito – O meu invadiu meu castelo por todas as entradas! Quase não posso sentar para o desjejum hoje de manhã! Papai quase me descobriu. Meu portão de ferro ainda está entreaberto e um tanto forçado...

— Quem sabe a noite eu não possa lubrificar vosso portão e em troca não ajudaria a por fim no fogo que consome minhas entranhas? – propôs a outra com um sorriso delicioso nos lábios.

Artêmis foi acordada de seu transe com o solavanco da carroça parando logo depois dos portões da muralha. Se de longe as muralhas eram impressionantes, de perto eram ainda mais espetaculares. Ela chutou que eram altas como postes de iluminação pública e grossos como um carro popular. Eram feitas de um mosaico de pedras retangulares de tamanhos diferentes, unidas entre si por uma argamassa grossa e rugosa ao toque. O portão principal parecia ser alguns metros mais altos e tinha uma largura tal que dois ônibus de passeio poderiam entrar e sair da cidade um ao lado do outro e com folga. Os portões eram de madeira grossa e bem envernizada, com barras de aço e dobradiças de ferro escuro.

— Chegamos pessoal! – disse o cocheiro ajudando a sacerdotisa a descer. – Bem vindos á Amag. A rua do templo fica para aquele lado, irmã, logo depois do distrito menor dos templos. Não tem como errar.

A sacerdotisa agradeceu e todos foram na direção indicada. A cidade era mesmo linda, mas uma visão mais de perto mostrava que ela precisava de cuidados. Era mais bonita e imponente por fora do que por dentro. A medida que se afastavam duas ruas principais o calçamento ia ficando mais mal cuidado, com buracos e até mesmo trechos inteiros que já estavam em estradas de terra ao invés das pedras de calçamento.

Mas nada disso importava. Artêmis sabia que o temor do seu amado estava se concretizando. Aquele mundo estava mudando a todos eles... De um jeito ou de outro. Ela não sabia como, mas suspeitava que seus novos poderes recém-descobertos podiam salvar a sua vida.

Do alto da muralha da cidade um anão entregou uma mensagem a um rapazote. O rapazote apressou-se em colocar a mensagem na pata de um pombo correio e logo soltou o bicho que voou em disparada em direção ao leste. Antes que ele se virasse de volta o anão colocou o anel no dedo e desvaneceu no ar.

— Está tudo correndo como planejado – comentou ele antes de desaparecer completamente.     


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