Os Lordes de Ferro escrita por valberto


Capítulo 12
Capítulo 12 – Emboscada




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Já fazia três dias que o barco navegava margeando a costa, cabotando, evitando o mar aberto. A justificativa era que o escaler era confortável e seguro para duas pessoas em tempos firmes de navegação, mas com três pessoas à bordo e tempo tempestuoso que se avizinhava era melhor ficar perto da costa. Isso fazia a velocidade cair drasticamente.

Ao final de mais uma manhã tediosa, Caska berrou de frustração. O Rei que estava no leme e coordenava a posição das velas em busca de um vento melhor abriu um sorriso, entendendo o que se passava.

— Ei Bekka, o que me diz de esticarmos as pernas um pouco? Está quase na hora do almoço e conheço uma boa hospedaria que não é muito longe daquela árvore...

— Sabe que não seria nada mal – disse ela se esticando numa longa espreguiçada, enquanto tentava manter o equilíbrio no meio do barco. – O que me diz Caska?

— Cara isso seria demais. Não sei como vocês aguentam passar o dia nessa canoa! Uffs!

Pouco tempo depois o escaler estava ancorado e os três estavam seguindo pela estrada em direção a tal hospedaria. Caska ia na frente, esbanjando uma energia juvenil, correndo até a ponta da estrada e voltando. Era compreensível. Ela estava experimentando um tipo de liberdade selvagem, muito comum em pessoas que descobrem que as amarras que as impediam de conhecer o mundo na verdade não existiam.

— Como você conhece essa hospedaria? – perguntou Bekka que acompanhava o Rei.

— Eu já passei por esta estrada antes, muitas vezes... – respondeu o Rei como se a fala o transportasse para outros tempos – Você sabe que eu estou a mais tempo neste “mundo”. Mais de quinze anos. Eu tive uma boa cota de vida e aventuras antes de encontrar você. Vi coisas e conheci pessoas. Esse tipo de coisa.

— Um dos piratas me perguntou se era verdade que você tinha lutado pela libertação de Ponte Alta... e que tinha sido consorte da rainha. – perguntou a menina, arrancando um pedaço de cana selvagem que crescia à beira da estrada e pondo-se a mastigar, sorvendo o doce do caldo que vertia a cada mordida.

— E o que você respondeu? – perguntou o Rei, apressando um pouco o passo para não perder de vista a pequena guerreira que serpenteava lançando lá na frente pela estrada.

— Eu disse que não sabia e que se ele quisesse viesse lhe perguntar. – disse a menina, subitamente entrando em defensiva.

— Fez certo. – disse o Rei, pousando a mão sobre a sua espada média enquanto caminhava – Você gostaria de saber a resposta?

Bekka parou e ponderou um segundo. Já viajava com o Rei a pouco mais de um ano e sabia que apesar de ser muito sábio, o homem escondia segredos dentro de segredos, como se fosse várias camadas da mesma cebola, sem nunca chegar ao centro. Várias vezes ela mesma se questionava das verdadeiras intenções do gigante que caminhava a seu lado. Era como se ele soubesse mais do que contava.

— Conte. –respondeu ela finalmente – Se não for estragar nenhuma surpresa.

 - Não existe nada a estragar. Conheci Anna, ou melhor, a rainha, quando ela ainda era apenas uma duquesa a serviço de Amag. Ela estava voltando de uma viagem à Amag quando o seu séquito foi atacado. Apenas ela e um guarda-costas sobreviveram. Eu os encontrei na estrada que margeia os campos norte e me ofereci para escolta-los de volta. Por fim descobrimos que o ardil para matá-la tinha vindo das terras de Amag e furiosa ela decidiu libertar a província. Foram muitos anos de guerras. Muitas mortes. Muito sangue... – o Rei parou um segundo, suas feições se convertendo numa máscara de pesar e ressentimento – Mas no fim, vencemos. Ela e chamou para ser seu consorte. Um amante especial, se preferir assim. E vivi com ela como amente e conselheiro até pouco mais de dois anos atrás, quando fiquei sabendo de pessoas estranhas aparecendo nestas terras. Pessoas como você. Montei o meu navio de piratas para ter meios de procurar e investigar cada rumor. O resto é história velha.  

— Entendo... – disse a menina ressabiada, como se sentisse que o Rei lhe escondia detalhes que iam além de um espadachim habilidoso ajudando uma nação a se tornar independente e depois se tornar amante da rainha. Era muito “contos de fada”. Bekka sabia que naquele mundo as coisas apenas pareciam contos de fada. Mas um golpe de espada era tão mortal como sempre foi. Mas não era apenas isso. Alguma coisa não estava certa naquela estrada. Pelo menos era o que dizia seus instintos. Ela parou e pôs a mão sobre o cabo da espada, apertando-o firmemente. – Acho que não estamos sozinhos...

— Puxa, mas vocês mais velhos são mesmo devagar! Vamos gente! – berrou Caska, uma centena de metros à frente. Mal ela fechou os lábios, a vegetação atrás dela tremeu e emergiram três enormes mastins de aparência infernal.

— Cães tíndalos – berrou o Rei, sacando sua besta de mão e disparando contra a besta que estava mais perto de Caska. A seta voou mortal, atingindo o cão no meio da testa alongada, fazendo com que a fera caísse por terra, embolando-se na poeira.

Caska virou por instinto, mesmo sem saber o que seria um cão tíndalo. Ela posicionou o escudo em guarda alta e sentiu o baque do segundo cão jogando-se contra a parede de metal e madeira, desequilibrando-a momentaneamente. Mas foi esse desequilíbrio que a salvou, fazendo com que o terceiro cão errasse o bote que estava mirado em seu pescoço. Antes que ela pudesse sacar a espada Bekka já estava a caminho, correndo desenfreadamente e gritando, tentando chamar atenção dos animais. O que tinha dado o bote aceitou o seu convite e passou a investir contra ela.

Recuperada do susto Caska se viu acossada pelo segundo cão, que a rodeava rosnando ameaçadoramente. Ela nunca tinha enfrentado animais antes, mas tinha visto episódios o bastante de o “Encantador de cães”, do animal planet, para saber que uma mordida daqueles bichos poderia ser bem pior que um golpe de espada. Aqueles cães, em especial, pareciam bem piores do que qualquer coisa que ela já tinha visto. Parecia uma mistura de buldogue e dobermann, com um toque de personalidade infernal, e com o corpo tão grande que parecia rivalizar com um javali. Presas brancas surgiam como almas atormentadas do abismo em suas bocarras que salivavam a cada respirada. Garras roçavam o chão, ainda mais ameaçadores. Bekka esperou a investida do cão e o bloqueou com firmeza, golpeando com o seu escudo. A fera foi jogada ao solo e o golpe da espada veio em seguida, atingindo o pescoço da criatura.  O sangue jorrou negro e espesso, enchendo o ar com um hálito pútrido. Foi quando ela viu a mata mexer-se novamente e dela surgir meia dúzia de homens, portanto todo tipo de armas. Todos com os rostos cobertos por lenços de algodão vermelho bem grosso.

—Reagrupar, reagrupar! – berrou ela pondo o escudo em guarda e recuando a passos lentos, aguardando que Caska pudesse se unir a ela. Caska deu dois golpes contra o mastim e começou a recuar, mas era fato que logo seria tolhida pelos bandoleiros que se aproximavam a passos largos. Ela não queria dar as costas aos bandidos, mas teve de fazer isso. Ela jogou o escudo para trás, tentando proteger sua retaguarda enquanto corria em direção ao ponto de encontro eleito por Bekka. Ela sentiu o cão correr atrás dela cada vez mais rápido, mas não tinha coragem de olhar. Então, sem aviso, ouviu um ganido do animal e o som de alguma coisa caindo ao chão. Então ela viu o Rei andar cautelosamente em direção ao ponto de defesa, guardando a besta no coldre do cinto, oculto por sua pesada capa.

— Meus cães estão mortos, Niel! Meus bebês foram assassinados! Eu quero o couro desses três...

— Calma, Wegli... – respondeu outro que estava mais à frente. – são apenas três caras. Vamos cercar esses caras e depois decidimos o que faremos com eles.

Caska e Bekka já tinham formado uma linha de defesa com seus escudos e esperavam que o Rei se juntasse a elas. Mas o homenzarrão ignorou completamente a formação e passou pelas duas caminhando cautelosamente em direção aos sete inimigos.

— Então... São ladrões de estrada... – disse o Rei, punho cerrado em cima do cabo de sua espada longa.

— Somos o bando vermelho, seu velho! – disse um dos atacantes, em escárnio. – Você teve sorte com essa besta, mas somos sete e você é um só. Vamos estripar você antes que dispare mais uma vez.

— Você disse tudo meu caro – disse o Rei enquanto deixava cercar-se pelos oponentes. – Eu sou velho. Sou um guerreiro velho – disse o Rei sacando sua espada longa e riscando um circulo no chão, onde ele era o centro. – Mas existe um motivo para eu ser velho, você não acha? Lute comigo se quiser, mas hpa um motivo para eu ser um guerreiro idoso.

Os bandidos se entreolharam, confusos. Bekka por sua vez saiu da posição de guarda e encostou-se numa árvore. Caska não entendeu nada e pôs-se em marcha. Foi repreendida por Bekka, com um puxão pela gola da sua camisa.

— Pare menina e sente aqui. Olhe com atenção e pode ser que aprenda alguma coisa.

 O Rei esperou até que o primeiro dos homens fosse tolo o bastante para entrar dentro do circulo que ele desenhou. Ele agarrou a espada com as duas mãos e desferiu um golpe de baixo para cima, desenhando um corte que quase partiu o bandoleiro ao meio. Aproveitando-se da confusão que o golpe causou, ele avançou cortando o segundo na altura do peito e esquivando-se de um terceiro atacante. Um quarto homem atacou com sua espada curta e foi prontamente bloqueado. Um contragolpe do Rei estocou o peito do homem, que foi ao chão.  O quarto homem voltou a atacar, mas dessa vez não foi preciso esquiva: o guerreiro mais alto apenas girou a espada, derrubando o oponente. Em menos de seis segundos, quatro homens jaziam mortos no cão, seu sangue adubando o já fértil solo da floresta. O Rei limpou a sua espada com um golpe dado ao vento e voltou a sua posição de guarda neutra no meio do circulo riscado no chão.

Os três homens que sobraram foram mais cautelosos. Eles começaram a rodear o Rei, mantendo uma distância segura. Esperavam achar uma brecha na defesa. Depois de alguns instantes o Rei bocejou de forma exagerada.

— Olha, se vocês pretendem esperar até que eu fique velho o bastante para poder erguer a espada, me avisem... porque dessa forma eu posso me sentar.

Um dos homens não gostou do insulto e foi para cima do Rei. Golpe alto, dado em corrida e sem equilíbrio. O Rei aproveitou para desferir dois golpes no homem e depois passou a perseguir os outros dois. Em poucos segundos estavam todos caídos no chão.

— Bravo! Bravíssimo! – gritou Bekka ante ao espetáculo que acabara de ver. Ao lado dela Caska se contorcia, segurando o vômito e o enjôo. Nunca tinha visto tanto sangue ao vivo. Nunca. A visão dos homens mortos era uma coisa que ela nunca tinha presenciado.

O rei limpou sua espada e passou a investigar os mortos. Eles lutavam bem demais para serem apenas ladrões de estrada. Ele vasculhou um pouco e de um dos cadáveres puxou um pendant. Ele olhou a semi-joia  contra a luz e a guardou no bolso.

— Problemas? – perguntou Bekka, vendo o olhar preocupado do amigo.

— Pode ser... – respondeu o outro de forma evasiva. – vamos nos apressar para esconder esses corpos para fora da estrada e seguir para a estalagem que eu falei. Se for o que estou pensando podemos estar em grande perigo.


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