Apocalipse escrita por Natália Alonso, WSU


Capítulo 1
Prólogo


Notas iniciais do capítulo

*Livro finalizado e já em revisão, irei postar cada capítulo todos os sábados de manhã, no WSU nenhuma história é abandonada.*



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Para você que esteja lendo todos esses registros, quero que saiba com tudo começou, como aconteceu. Imagino que muito tenha se perdido, ainda mais com o dia do apocalipse, mas pensando bem, talvez tenha sido melhor assim. Afinal não haviam coisas boas para sobrar daqueles tempos. Sinceramente acho estranho dizer aqueles tempos, foi tudo o que conheci, eu mesma só soube de tudo por meus amigos, e também, pelo que pude ver.

Preciso contar. Preciso deixar algum resquício do que aconteceu, até para que você que estiver lendo, não permita que aconteça isso novamente. Mas antes da guerra começar, precisamos falar dos tiranos, como eles subiram ao poder. Cada um à sua maneira, queria eu poder dizer que eles não nasceram monstros. Infelizmente, alguns já nascem monstros.

Então, peço paciência para minha oscilação de memórias, ás vezes eu lembro de tudo tão bem e nitidamente. Algumas coisas por ter estado lá, por ter vivido, outras por terem me contado tantas vezes que é como se eu tivesse sido testemunha. Enfim.

Agradeço por me ler.

 

 

700 a.C. – Círculos dos Infernos

 

A Cimitarra de luz atravessa o largo dorso de Belzebu, a lâmina curvada brilha por entre as manchas vermelhas nas costas do demônio. Quando arrancada, muito sangue escorre em suas pernas antes de atingir o chão. Ele olha para a poça se formar e sente o líquido morno e férreo na boca antes de tossir. Levanta os olhos para seu algoz, Mefistófeles o observa com desdém.

— Até que você durou bastante, Bel. — declara Mefisto, erguendo o rosto do oponente pela ponta da lâmina no queixo. — Confesso que esperava menos de você, irmão.

O derrotado solta a mão do ventre perfurado e deixa que o sangue se dissipe mais rapidamente.

— Estranho, eu confesso que esperava mais.

Ele sorri com os dentes tingidos em vermelhos, seu rosto parcialmente queimado e cabelos arrancados expõe a longa luta. Mefisto torce os lábios, irritado com a fala dele, ergue a espada no alto e lhe crava na cabeça do irmão. O crânio faz um incômodo som como de um coco quebrado e Belzebu finalmente fica com os olhos paralisados para cima.

Mefisto apoia um de seus pés imundos no rosto do irmão para puxar a espada com violência, pedaços esbranquiçados caem ao lado do corpo que pende lateralmente. O demônio traidor, limpa a espada no corpo do irmão caído antes de olhar ao longe, o cenário de seu festim. Centenas de cadáveres estão espalhados, seus queridos e fiéis demônios que o ajudaram nesse massacre se deleitam com a fartura de alimento.

Os infernos são feitos de muitos anéis, ele teve de passar por cada um. O limbo não tinha nada que lhe agradasse, então foi radicalmente extirpado. Afinal, lá ficam pecadores menores e mais fracos, se não são talentosos no pecado, não serão bons como demônios aliados. Adão, o governante do limbo, fora devidamente empalado na entrada, de forma a servir de aviso do que aconteceria a aqueles que não se entregassem. E depois que se entregaram, ele ordenou a destruição de todos. Pecadores e demônios que se entregam são fracos, não tem força de vontade o suficiente para lhe seguir.

Assim fora em cada anel, luxúria, ganância, heresia, violência, fraude e traição. É claro que na violência não houveram tantos problemas, pois seu comandante, Baal, é seu fiel aliado nesse golpe. Mefisto admira os orobas, demônios com cabeça e pernas de cavalos, torso de humanos se divertirem com o final de tudo. Um relinchado familiar interrompe seus pensamentos saudosistas e ele se vira para trás.

— Lorde, Mefistófeles. — clama Baal, com sua cabeça de touro negro em corpo humano, ele é o comandante dos orobas, governante do círculo da violência. — Trago o filhote do rei.

Ele arrasta Lúcifer, o príncipe teve seu quase todo o seu lado esquerdo cortado em batalha. Agora de lábio cortado, perna torcida e muito fraco é jogado ao chão. Mefisto caminha em torno, admirando a túnica negra e finamente bordada em ouro do legítimo herdeiro do trono. Ele nota que o prisioneiro murmura fracamente alguma coisa, então ele se abaixa para ouvi-lo.

— O que disse? — Ele o fita com seus olhos negros e cabelos castanhos ondulados. Os pequenos cornos escapam do emaranhado da cabeleira, que quando ele passa a mão jogando-a para trás, revela seu rosto tingido em sangue de seus inimigos.

— Faç-faça... sua vingança comigo, por favor. Poupe meu pai... ele não... — tosse muito sangue o príncipe que apoia as costas na perna de Baal.

Mefisto levanta o dedo na frente dos lábios e emite um suave som de pedido de silêncio. Ele sorri e passa as mãos na cabeça queimada e cortada do prisioneiro.

— Não se preocupe. Eu vou compensar em você, querido irmão. Por milênios. Eu garanto que você não morrerá, mesmo que você me peça. Mesmo que me implore.

O rosto de Lúcifer olha em pavor, ele agarra o traje verde escuro e entreaberto de Mefisto pedindo clemência.

— Eu lhe peço, ele é noss...

A fala dele é interrompida por um golpe vigoroso de Baal. O soco faz dois sons ocos, o de atingir o punho na cabeça, e o dela no chão de terra vermelha batida.

— Não tenho tempo para pidões. — vocifera Baal, com seus grandes cornos laterais.

— Paciência, amigo. Recomendo que se acostume com isso, temos muitos prisioneiros pelas próximas centenas de anos.

— Chega disso, estou com fome e cansado. — reclama Baal, ajeitando seus inúmeros colares de contas no peito robusto.

— Sei que estás. Mas precisávamos fazer isso tudo agora, os anjos estão preocupados demais devastando Sodoma e Gomorra neste momento.

— Eles não sabem que com isso, só nos trazem mais demônios e alimento para nós. — fala Baal em seu medonho sorriso de touro.

Mefisto se levanta e mira o palácio central, uma das paredes laterais vai ao chão, ao fundo, a fumaça negra indica o incêndio.

— Vai ficar aí olhando, esperando meus orobas matá-lo por você?

Mefisto ri por um instante.

— Não... não se preocupe. Vou ter com o velho. — Mefisto fala olhando para trás e segura firme na cimitarra de luz. — Guarde o filhote e ordene a limpeza.

Baal puxa pelas vestes Lúcifer desacordado nos ombros, o carrega e vai em direção aos calabouços. Mefisto, sobe as escadarias devagar para o encontro com o pai. Ele não está tenso, mas aliviado. Tanto tempo planejando valera a pena. Ele adentra no amplo salão com os vitrais destruídos pelas bombas e muitos demônios e guerreiros mortos em todos os lados. Ele pisa nos estilhaços coloridos no chão provocando pequenos estalos com seu peso. Vai até o salão principal, a visão do trono negro é grandiosa.

O som de uma explosão ao longe ainda faz tremer o chão e uma luz pelo fogo ilumina rapidamente o local. O som de espadas batendo o atrai até o canto do salão, onde dois orobas cercam o velho demônio negro. Os dois de cascos de cavalo notam a entrada de Mefisto que faz um gesto para que saiam.

— Deixem ele comigo.

Os orobas se entreolham e saem, deixam o velho cambaleante e ferido para o golpista. Moloch cai nos degraus. O cansado demônio lutara durante todo o dia, suas costas carrega as marcas de suas asas arrancada por Deus, quando fora caído e condenado a governar os infernos. Asas essas, que pendem na parede do grande salão, imponentemente cobertas por penas negras. Exceto as que foram arrancadas para gerar a vida de novos demônios.

Todos os demônios foram gerados assim, de uma pena, do sangue e carne de Moloch. Seu grande erro foi não fazer distinção de seus filhos, acabara dando a vida a sua própria ruína que agora ordenava que se levantasse.

— Agora, velho maldito!

Moloch apoia suas negras mãos nas escadarias para se levantar, suspira cansado antes de se virar e caminhar com os pés de casco fendado com dificuldade. Ele arrasta a perna direita, que escorre um filete de sangue até o chão. O corpo tem diversas flechas cravadas e quebradas em seu ombro, costas, peito e coxa. Ele é de grande porte e era deveras impressionante quando jovem, era um belo anjo, fiel a deus. Mas o seu pecado o transformara nesta fera de olhos vermelhos que, por conta da velhice, não cintilam mais.

Moloch caminha devagar para sua morte certa, pelas mãos de seu filho. Sua espada curva arrasta a ponta no chão e ele fita a cimitarra de luz nas mãos de Mefisto.

— Vai me matar com minha própria espada? Não tem nenhuma decência?

— Indecente é ser fraco e patético, pai.

Moloch ergue sua espada tentando atingir Mefisto, que se vira lateralmente e atinge com a lateral da lâmina as costas do pai. Desdenha seu fraco oponente, o velho rosna e ataca em um frontal, Mefisto bloqueia com a poderosa lâmina brilhante duas vezes. No terceiro golpe que se aproxima Mefisto deixa o pé fazendo o cansado demônio cair ao chão. A espada curta vai ao longe e o rei está humilhado, fisicamente exausto e moralmente ferido. Ele se apoia com as duas mãos no chão para falar.

— O que fizeste a Lúcifer? — questiona com sua voz cavernosa e falha.

— Ele será meu prisioneiro.

Moloch fecha os olhos e pesar.

— Eu o subestimei, Mefisto. Eu devia ter visto antes o quão poderoso você se tornara, o quanto queria o reino par...

— Cala-te, pai. Sou eu quem proponho os contratos, não tu.

Mefisto o rodeia, cutucando com a ponta da espada a coxa ferida do pai, batendo contra os cornos grandes e curvados. Moloch levanta o dorso e senta apoiado nas pernas, alonga o pescoço aceitando sua condenação e ainda tentando extrair um último resquício de empatia do filho.

— Eu sempre lhe tratei como filho, nunca o diferenciei.

Mefisto levanta devagar a cimitarra.

— É verdade. — fala enquanto se posiciona ao lado do pai. — Esse foi o seu erro. Nunca me diferenciou, não deveria ter me tratado como filho, mas como rei.

Mefisto levanta a espada de Moloch, em um único e limpo corte, a usa para decapitar seu próprio dono. A cabeça do rei rola na escadaria até a base do salão, respinga enquanto dá giros no ar, manchando a escadaria de rubro. O som seco de cada batida nos degraus só para muito próximo dos cascos de Baal que assiste a cena do regicida.

O torso do demônio negro permanece inerte e paralisada de joelhos no alto. Mefisto sorri aliviado, crava a espada no próprio degrau e depois chuta o corpo do pai pela escadaria. Ele rola de maneira disforme e para exatamente quando um urro bestial corta o reino, ao longe, pode-se ver a silhueta do grandioso Leviatã. O gigantesco dragão que trouxera vitória para Mefisto é filho dele. Feito com uma pena negra roubada da asa de Moloch e o sangue de Mefistófeles.

O regicida agora vai até o trono negro, cheio de detalhes barrocos entalhados na madeira feita da árvore da vida. Ele se vira e senta-se com imponência, rosna com prazer e leve dor que sente quando o poder do reinado toma o seu corpo. Seus cornos crescem tornando-se curvados e grossos, os olhos brilham em um tom claro esverdeado antes de retornar ao normal. Baal se ajoelha.

— Vida longa ao rei.

Mefisto sorri em gratificação.

— Qual o próximo passo?

Mefisto fecha os olhos devagar e respira profundamente antes de falar.

— Agora, tenho que planejar nossa invasão a terra e encontrar uma rainha digna de meu reino.

 

 

Valahia, 1456

 

No quarto amplo com cama de dossel, o casal briga ao acordar de sua noite de núpcias. O chão de pedra cinza torna o lugar mais frio do que deveria, não que isso incomode o Conde Vlad Teppes II, o primeiro vampiro da humanidade. Drácula que transformara Lucy Iordache em uma vampira, sem o seu consentimento. Ela, que antes era uma camponesa caçadora, com uma horrenda cicatriz no rosto, agora tornara-se uma belíssima mulher de cabelos negros, pele sedosa cálida e olhos verdes.

Não que ela tivesse amado o conde, só estava neste casamento por ele estranhamente se interessar na caçadora. Antes cega pelo corte, agora cega pelo interesse. Porém, não esperava ser transformada e agora luta com as mãos fortes do conde que a domina na cama.

— Queria que eu tivesse feito enquanto estava dormindo?! — grita Vlad com brutalidade, levando um pulso dela para trás do corpo, imobilizando-a.

— Me solte, maldito! Não era assim que... — Sua fala é calada com um soco violento do esposo na boca.

Ela cai deitada, ele sobe em seu corpo rasgando o que ainda havia de sua camisola ensanguentada. Quando ele a transformou, na noite anterior, o sangue a cobrira e ele não teve a decência de limpá-la. Quando ele segura seu corpo arranhando sua pele, uma neblina esverdeada entra no quarto pela sacada, como que se aguardasse o momento certo de agir. O conde morde o colo da mulher parcialmente desacordada e usa os joelhos para separar suas pernas.

É nesse momento que a neblina toma forma, atrás de Vlad, Mefisto surge lhe cravando uma longa adaga em suas costas, o vampiro ruge de dor. A ponta da Sedenta coroa na frente do peito, então o demônio tira e segura a adaga amaldiçoada no pescoço de Vlad, com a outra mão em seus cabelos. Imóvel, Vlad só tem tempo de espiar lateralmente o demônio que rosna entre os dentes em fúria.

— Ela quer anulação! — fala logo antes de cortar a garganta e jorrar o sangue diretamente para o rosto de Lucy.

Ela sente o sangue, recém transformada ela tem muita sede, fica em êxtase quando captura o cheiro férreo do líquido quente e denso de Vlad.

— Se alimente! — ordena o demônio com olhos flamejantes em verde. — Beba.

Ele puxa a cabeça do vampiro para trás, derramando uma corredeira rubra no colo da mulher, ela rapidamente obedece ao demônio e a seus novos extintos. Em ódio ao que Vlad lhe faria, em vingança e fome. Ela o agarra sugando vorazmente o precioso líquido, seus olhos instantaneamente ficam negros completamente. Vlad geme e tenta mover seus braços, mas mal consegue tomar nenhuma atitude, o demônio e a vampira o imobilizam. Ela suga, ruidosamente e ainda morde mais a jugular daquele que jurara amar e servir. Ela mentiu mesmo.

Quando fica satisfeita, o solta e arqueia o corpo sentindo o efeito da alimentação de sangue vivo, ainda mais um sangue do mais poderoso vampiro. Mefisto agarra então o conde que agoniza nos lençóis e o joga para fora da cama, o demônio se levanta e caminha com seus pés descalços, sujando-os de sangue.

— Mefisto, maldito... me tr-traíste. — fala o conde segurando o pescoço com a mão e se arrastando no chão. Sua fala é falha, provavelmente suas cordas vocais foram mastigadas.

— Meu caro, Vlad, eu só poderia trair-te se em algum momento eu tivesse sido fiel a ti.

Mefisto se aproxima e rapidamente ergue a cabeça do vampiro ainda de joelho e, em um forte golpe no pescoço, a separa do resto do corpo. O dorso cai e esvai no chão o restante do sangue. Mefisto observa o cadáver, feliz por sua ação. Abruptamente sente algo roubar a Sedenta de sua mão, quando se vira, Lucy está de pé com a adaga no pescoço do demônio.

Ele para. Sorri para ela e começa a levantar as mãos afastadas. Uma livre, a outra exibindo a cabeça do vampiro morto. Ela tem os seus olhos voltando ao normal, em um tom de verde escuro, mas um pouco confusa. Mira o cadáver e volta para o demônio novamente.

— O seu nome, Mefistófeles... foi você quem ele chamou quando me transformou.

— Sim.

Ela sente um arrepio subir ao corpo, um resíduo da forte sensação que tivera a pouco.

— Isso que está sentido, é o poder de Drácula em suas veias. Você foi a primeira que ele transformou, és agora a única vampira dessa terra e, quando criar outros como você, será a mais poderosa.

— Por que está me ajudando? Por que agora? — Ela fala enquanto pressiona a adaga na pele do pescoço dele.

— Não foi a primeira vez. — Ele solta a cabeça no chão. — Acha que ele te escolheu?

— Eu não...

— Eu sei que não o amava, que só queria o dinheiro. Estranhou ele te escolher mesmo com a cicatriz que seu pai lhe fizera. Eu estava lá.

Ela franze as sobrancelhas em dúvida.

— Eu estava lá quando o amado pai matou sua mãe, quando ele te atacou, quando ele se satisfez em seu corpo fedendo a vinho e gin. E então, quando eu pensei em interferir, era tarde demais, você mesma tinha dado o seu jeito.

Ele exibe um sorriso cruel nos lábios, ela parece reconhecer a sua voz.

— O interessante em ver isso, Lucy, foi finalmente notar que você não havia chorado. Nenhuma das vezes. Então percebi que era especial, que seu potencial nunca seria devidamente usado aqui, nesse antro de primatas. Então manipulei Vlad para te transformar e, agora, tu és o Drácula dessa terra.

— E você, o que procura comigo? Pretende me usar como meu pai? Como Vlad?

Ela pressiona a lâmina na pele do pescoço esguio do demônio. Os longos cabelos negros da vampira caem no que restara de sua camisola rasgada e tingida de escarlate.

— Não. Eu quero que me acompanhe, que seja a Drácula que esses animais merecem. Reino que irei formar aqui, assim como no inferno.

Ela fecha os olhos emocionada, Mefisto afasta a lâmina com a ponta dos dedos um pouco e ela nota, volta com o braço firme, ele observa a firmeza em sua atitude, desliza sua mão pela pele do braço dela.

— Você não treme. Seu braço está firme e pode realmente me ferir. Não hesitaria em me esfaquear muitas vezes, mas por algum motivo, você não quer isso.

— Eu conheço sua voz, eu... eu lhe conheço. — Ela olha confusa.

— Sim, era eu quem invadia o seu quarto à noite na forma do Vlad.

Ela para pensando, sente o cheiro dele lhe tomar as narinas.

— Eu achei que eram sonhos.

Ele balança a cabeça, negando.

— Tu conheces a minha voz, corpo, as mãos que te tocaram, a minha língua que te satisfez...

Antes que ele termine, ela joga a adaga no chão e o agarra em um beijo sedento de luxúria. O demônio responde segurando seu corpo, a empurrando para a cama, mas ambos caem no piso frio, mãos e pernas tateiam se reconhecendo. Os beijos oscilam, entre respiradas ofegantes, uma mordida desmedida e arranhões provocantes em que a pele se regenera instantaneamente.

Enquanto a pele dele vai se tornando um azul profundo, suas grandes asas de morcego surgem nas costas abrindo e se apoiando também nas pedras. Sua pele como camurça é macia e os monstros se amam naquela manhã fria da Romênia, ficam sujos pelo sangue de Vlad que jazia ao lado. Os gritos do povo romeno invadem o quarto, serve de cântico macabro. Eles são atacados pelos demônios de Mefisto que começa sua invasão em terra.

 

 

Salvador, Bahia

— 05/07/2001 –

 

Era noite quando um risco brilhante cortara os céus. A densa luz prateada deixara um rastro por onde passou e um pouco de poeira brilhante e incandescente caía no trajeto. O disco alongado e gigantesco estava avariado e o excesso de partículas das explosões da guerra abaixo atingiam cruelmente a lataria brilhante. Os monstros que lutam abaixo fitam o céu, o som acompanha logo depois, o OVNI (Objeto Voador Não Identificado) atravessa um prédio, perde velocidade antes de atravessar o segundo e atingir o solo.

Os prédios já estavam destruídos, ninguém mais morava neles, pois a cidade havia sido invadida pelos orobas comandados por Mefisto. Eram os mesmos que lutavam com pessoas encapuzadas quando a nave surgira no céu. Uma figura esguia e de pele pálida segura uma esfera mecânica. Ela aperta o botão do pequeno artefato e joga entre os demônios. Ele pisca pausadamente a luz e acelerando o pulsar luminoso logo em seguida. A mulher de vários tecidos enrolados no rosto e pescoço corre com as mãos no ouvido.

A bomba sonora começa a emitir um sinal muito alto, os orobas ficam em agonia com o alarme, desorientados. A mulher de roupas maltrapilhas faz um gesto e os outros rebeldes correm de seus esconderijos. Impossível de ouvir, ela faz gestos para os lutadores com as mãos para saírem de lá e irem para a Cidade Luz. É quando um vulto azul passa entre eles, ela limpa os óculos de proteção para enxergar melhor.

Arthur, o velocista vai de demônio em demônio quebrando seus pescoços. Ele pega uma viga de sustentação de um prédio e atinge os demônios na cabeça e dorso. O jovem de calças jeans e camiseta branca corre rapidamente e sente seus velhos tênis ficarem desgastados e quentes. Quando matara os monstros, ele põe finalmente as mãos nos ouvidos antes de se aproximar e pisar na bomba sonora, destruindo-a.

— Minha nossa! Esse treco é horrível mesmo. — fala ele se virando para a mulher de cabeça enfaixada.

Ela ainda empurra o último rebelde para sair de lá e irem para o esconderijo, em seguida, saca sua pistola apontando para o velocista. Ele arregala os olhos quando ela atira nele, mas então, com a bala se aproximando percebe que ela errara o tiro, está um pouco mais para a direita do que sua cabeça. Ele estranha, não só porque ele jamais morreria com uma bala que ele soubesse que foi atirada, mas também por ela errar.

O tiro atinge a cabeça de um oroba atrás de Arthur que explode com a bala calibre 40. Ele se vira para trás e vê o monstro caído no chão, ele estava prestes a atingir o velocista com uma faca.

— Merda. Eu não o ouvi chegando. Malditas bombas sonoras.

A mulher dá um grunhido estranho antes de baixar a arma e colocá-la na cintura.

— Você demorou. Era a nossa única bomba sonora. — fala com a voz abafada pelos tecidos.

— Eu encontrei mais, peguei o que pude na base militar de Pernambuco. Já deixei na Cidade luz.

Ela balança a cabeça tirando a poeira dos curtos cabelos castanhos, Arthur se aproxima.

— Você grunhiu agora pouco.

— Estou bem, só oscilei um pouco. Vou tomar um pouco do tônico hoje e estará resolvido.

Eles escutam um marchar, provavelmente são os orobas, pelo peso dos passos.

— Eles devem estar indo ver o que foi que caiu lá.

— É uma nave. — responde rapidamente o garoto depois de beber metade do cantil de água dela.

— Então a gente devi...

Antes que ela terminasse a frase, ele a segura no colo e a carrega para a nave que caíra no meio dos destroços dos prédios. Ele coloca a líder dos Saqueadores no chão e começa rapidamente a terminar de tirar os escombros da construção. Ela olha ele terminar e pegar uma viga para abrir a nave.

— Cuidado, pode estar machucada!

— Pode o quê?! — Ele fica confuso com a viga em mãos, no alto.

— Apenas faça!

Eles ouvem o som de cascos se aproximando. O velocista solta a viga e coloca as mãos na superfície prateada da nave e treme freneticamente as palmas das mãos naquela que antes era lisa e perfeita. Os olhos de Arthur brilham por um instante azulado e ele cerra os dentes para não gritar com o cansaço muscular. As vibrações fazem com que a porta se abra permitindo que deslize lateralmente. Arthur arregala os olhos.

— Caramba, eu consegui!

— Vai logo! — fala a mulher atrás dele, já empunhando duas Magnum e se virando para o corredor formado pelos prédios e casas destruídos ao redor.

O velocista entra na nave, ele não tem tempo para nada, como sempre. Ele corre e vê o que poderia ser útil e encontra uma cápsula de viajem. Se aproxima, olha rapidamente a criança que está no objeto oval.

— Nem preciso conferir, já sei que é menina.

Então ele olha para uma grande arma que encontra presa no alto da nave. Diversos cilindros brilhantes laranjas estão próximo e ele já imagina que sejam sua munição. Ele rapidamente tira a camiseta, dá nós nas mangas e pescoço, pega os cartuchos e coloca quantos consegue dentro de sua trouxa improvisada. Amarra a sacola no braço, enfia a arma na calça e segura a criança antes de sair escorregando com o tênis liso pelos corredores brancos da nave.

A mulher já mira nas sombras dos orobas que aparecem entre os destroços, mas é agarrada por Arthur que carrega tudo o que pode para longe de lá. Ele corre e sente as últimas camadas do tênis sendo desgastadas, seus pés doem. Ele corre intensamente atravessando campos de cadáveres, construções destruídas e abandonadas até a entrada dos grandes portões de ferro da Cidade luz.

Apesar do nome, o local é escuro, os imensos muros são vigiados por sobreviventes, muitos feridos, outros com poderes estranhos. Arthur coloca a mulher sentada no chão com a criança no colo e a arma e saco de cartuchos ao lado. Ele desaba no chão, exausto e ofegante, seus pés sangram com a falta de qualquer proteção, um filete de fumaça sobe do restante de borracha queimada.

Os seguranças olham e rapidamente descem levando água para ele. A mulher segura a criança e observa que a bebê parece muito uma humana, sua pequena mão tenta alcançar os óculos de proteção da mulher. Ela tira e o posiciona no alto da cabeça, abaixa o pano do rosto e sorri com sua pele muito clara. Pode-se ver finas veias no rosto que já está morto, mas de alguma forma ela está viva na forma de zumbi. Os olhos opacos da morta-viva encontram os azuis da bebê de cabelos castanhos.

— Olá, Karen. Meu nome é Sara. — fala a zumbi gentilmente.


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