Mais que o Tempo escrita por Le petit prince egoiste


Capítulo 6
Seis


Notas iniciais do capítulo

Que a vida é mesmo
Coisa muito frágil
Uma bobagem
Uma irrelevância
Diante da eternidade
Do amor de quem se ama



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/772425/chapter/6

A oficina se encontrava na penumbra. Luccino e Otávio estavam abraçados no carro, cansados da noite anterior. Haviam passado a noite juntos, num êxtase de felicidade e desejo. Luccino adorava o silêncio daquele lugar, pois, junto a Otávio, podia escutar sua respiração, a princípio cansada, tornar-se lentamente normal pelo conforto da sua presença.

“Luccino?”

“Hum?”

“Não me leve a mal. Mas eu tenho um carinho muito grande por essa oficina. Aqui aconteceram os melhores momentos das nossas vidas. Eu sinto que esse lugar é quase vivo. Que ele tem uma história, sabe?”

 “A nossa história?” Luccino completou-o docemente, beijando suas bochechas.

“A nossa história. A noite de ontem foi...”

“Apaixonante?”

“É. Você é a minha casa, Luccino. A minha família.” Otávio começou a chorar. Pietro conseguia entender a sua dor.

“Ei, ei, ei. O que foi?”

“É que... Eu tenho tanto medo, Luccino...”

“Medo?”

“É... Eu não tenho ninguém. Eu não posso te perder.”

“Ei, você não vai me perder. Nunca. Ninguém solta a mão de ninguém, lembra?”

“Mas e se... E se eles... E se o mundo não gostar da gente? Se eles nos odiarem?”

“Eles já nos odeiam, Otávio. Não importa o que a gente faça. Então, você acha que temos de nos importar com isso?”

“Se isso envolve perder você, sim.”

“Meu amor” Luccino segurou suas mãos. “Nós não vamos nos perder, tá? Eu sempre vou encontrar você.”

Otávio sorriu e beijou-o. Preferia perder o fôlego com um beijo do amado do que com uma preocupação tola. Isso pensava o major. Mas Pietro ainda não tinha certeza do futuro dos dois. Não sabia o restante da história.

    “Não mereço você. Eu menti pra você e você me devolve com amor. Às vezes só queria que você me devolvesse com um golpe de florete.”

Luccino riu, cínico.

“Podemos fazer isso, amor.”

“Bobo!”

Ele riu.

“Olha, Otávio. Eu só não quero que você pense que não posso lidar com as coisas. Eu sou forte. Você não precisa enfrentar tudo sozinho. Devia ter me contado que meu pai foi ameaçá-lo antes do tiro. Ele não voltou a procurá-lo, voltou?”

Pietro resolveu intervir no pensamento de Otávio.

“Não. Não voltou.” Mentiu ele.

Luccino chegou perto de seu rosto e encostou seu nariz no de Otávio.

“Virgílio não aparece em casa desde o tiro. Queria entender por que ele prefere obedecer ao Xavier do que fazer as pazes com a família. Tudo bem, o Ernesto não é o irmão mais sensato do mundo. Mas ele não deixava de ter razão quando enfrentou o Xavier pra defender o pai e a mãe desse tirano.”

“Xavier é horrendo, não é?”

“Se é! Tenho medo dele não deixar barato com Ernesto.”

“Não se preocupe. Ele já fez o bastante com seu pai.”

Luccino concordou.

“Obrigado por me acalmar.”

x-x-x

Enquanto Pietro dormia em sua cama, Bruna e Miguel velavam seu sono. Os dois o encontraram desacordado na sala logo cedo e, preocupados, o trouxeram para o quarto. Verificaram seu pulso e resolveram aguardar. Parecia apenas um desmaio. Mas eles decidiram ficar ali esperando que acordasse.

“Aqui estamos nós de novo” Bruna comentou.

“É. Eu, você, ele...”

Bruna se sentou na beirada da cama.

“Mas agora é diferente. Você sabe que eu e ele nos separamos?”

Miguel ficou contrariado.

“Oh, não, não sabia. Está tudo bem?”

“Sim.” Bruna afirmou com leveza.

Miguel ficou em silêncio.

“É... Esquisito ele ter desmaiado, né?”

“Acho que foi uma queda de pressão.”

“Vocês brigaram?”

“Não, foi tranquilo. A gente já esperava, eu acho.”

“Você não ficou nem um pouco triste? Afinal, acho que você gostava dele.”

“É...” Bruna demonstrou reflexão “Sim. Com o tempo. Mas eu amava mais o meu bebê e fiz esse sacrifício por ele. Não queria perdê-lo. Só que eu perdi. É tanta pressão na cabeça de uma mulher, não é? Se tenho o bebê, sou rejeitada por todos. Se o perco, sou uma garota irresponsável. Uma monstra em todos os sentidos.”

“Tenho que lhe contar uma coisa.”

Ela esperou. Miguel respirou fundo antes de prosseguir.

“O Pietro esteve certo esse tempo todo.”

“Certo de quê?”

“Fui eu que denunciei sua gravidez ao seu pai.”

Bruna levantou em choque.

“Você? Por quê?”

“Você não imagina? Nem por um instante?”

“Não faço ideia do por que você faria uma coisa dessas. Miguel, eu casei por causa dessa gravidez.”

“Está com raiva de mim?”

Ela pensou por um tempo.

“Raiva não. Não, não, já faz tanto tempo, né? Mas é impossível não pensar que tudo teria sido diferente.”

 “Sinto muito. Não sei o que me deu.”

Na verdade, ele sabia.

Pietro, que escutara a tudo, achou que aquele era um bom momento de abrir os olhos. Fez barulho na cama e seus amigos perceberam que havia despertado. Bruna correu em sua direção.

“Enfim! O que aconteceu? Encontramos você desmaiado na sala... Fiquei preocupada!”

 “Ah... Acho que foi uma queda de pressão” Comentou, sonolento.

“Quer que eu faça um chá?”

“Quero sim, obrigado.”

Bruna foi para a cozinha. Era apenas uma desculpa para que ficasse a sós com Miguel. A mudança em sua vida também envolvia ser sincero com o amigo. Guiado pela sinceridade de Luccino, ele tomou fôlego para começar a conversa.

“Eu ouvi vocês.”

Miguel se virou, espantado.

“Você estava acordado?”

“Sim. A conversa de vocês...”

Miguel começou a gaguejar. Pietro lembrou-se de Randolfo.

“Mi-Mil perdo-dões, Pê. Eu não fiz por mal, eu...”

“Não se preocupe” Ele interrompeu “Eu sei que tudo o que aconteceu, aconteceu porque éramos jovens tolos e imaturos. Agora me diga... Miguel, você lembra do que me disse quando teve a recaída?”

Infelizmente, ele lembrava.

“N-Não...”

“Você lembra, sim. Foi por essa mesma razão que você contou sobre a gravidez, não foi? Por que não queria que ela se casasse comigo...”

O amigo engoliu em seco. Não tinha palavras.

Pietro suspirou.

“Olha, Miguel, preciso ser sincero com você. Você é meu amigo. Eu não amo a Bruna. Quero dizer, só como amiga. Sabe por quê? Porque eu sou gay, Miguel. Eu sou gay.”

Pietro sentiu a força de tais palavras saindo de sua boca em alto e bom som. Pensou em Otávio, que não teve, provavelmente, a mesma chance. Sequer sabia nomear o que era. A expressão de Miguel não se alterou.

“Eu entendo, Pê. E isso não muda nada entre nós. Obrigado por me perdoar. Sei que por muito tempo você me culpou por toda essa desgraça. Mas não mais do que eu. Agora entendo tudo.”

“Já chega de passado, meu amigo. Estou tirando tantos pesos das costas... Daqui pra frente teremos uma vida nova. Agora é a sua vez de ser sincero com você mesmo, não acha?”

“Como assim? O que quer dizer?”

Nesta hora, Bruna entrou com o chá. Alguém vinha logo atrás.

“Olha quem eu encontrei!”

“Soube que alguém desmaiou à noite!” Era Délia. “Você está bem?”

“Sim, estou melhor agora.”

“Acho bom! Quero meu assistente de volta... O pessoal da livraria não quer nem saber das minhas dicas mais! Olha o que eu trouxe pra você. Vai ter que ficar o dia todo de repouso, então pra não ficar muito chato trouxe duas surpresinhas.”

“Oba! O que é?”

“Esse livro.” Ela mostrou um exemplar do livro O Pacifista. “Vai ler num pulo só. E duas coisas que descobri. Acredita que eu estava faxinando em casa e encontrei dois floretes velhos?”    

“Floretes! De Otávio?”

“Quem é Otávio?” Perguntou Bruna.

“Um conhecido nosso.” Délia piscou para Pietro, rindo. “Sim, acho que são dele.”

“Vou querer ver. E a outra coisa?”

“Ah, a outra é ainda melhor. Olha o que encontrei nas doações da livraria...”

Délia mostrou um exemplar velho de um livro grosso, cujo nome quase se apagara. Mas, pelo que conseguiu ler, ele se chamava... Orgulho e Paixão, cuja autora se chamava... Ele apertou os olhos para ver melhor... Elisabeta Benedito. Abriu-o e folheou as primeiras páginas.

“Pelo que entendi, é um romance ambientado aqui no Vale do Café. Século XIX, do ponto de vista das mulheres. Não é genial?”

“Mas é ficção... Ou aconteceu?” Perguntou ele, mais para si mesmo que pra qualquer outro no quarto.

“Não sei. Pode ajudar, não acha? Talvez ache algo importante aí.”

Pietro guardou aquilo consigo, se lembrando das palavras de Luccino. Eu sempre vou achar você. Pensou no sonho, fazendo a mesma pergunta de minutos atrás: Foi fruto de sua cabeça... Ou aconteceu?


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Comentem o que estão achando :) e até o próximo.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Mais que o Tempo" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.