Mais que o Tempo escrita por Le petit prince egoiste


Capítulo 20
Vinte




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Bel bateu à porta do quarto de Júlio. A menina trazia consigo um papel nas mãos. Quando a viu, Júlio enxugou os olhos. Estes, no entanto, continuavam vermelhos.

“Ah, oi filha.”

“Pai, preciso falar com você.”

“É? Senta aí.”

A menina se sentou na beirada da cama, de frente para o pai.

“Papai. Eu fui uma menina má e queria pedir desculpas.”

“Desculpas? Por? Desculpe, filha, estou aéreo hoje.”

“Eu não odeio o Pietro, pai. Na verdade, o papai Ricardo é que disse pra mim que... Ele tava acabando com a nossa família e eu não queria ficar sem família, então estraguei tudo e fiquei com raiva do Pê. Mas eu não queria ver você triste. Se você quiser, pode namorar com ele! Não fico com raiva...”

“O quê? Você...” Júlio disse, aparvalhado “Você tem certeza?”

“Sim, sim, papai. Tudo que eu quero é te ver rindo de novo.”

“Ah, filha!” Júlio deu-lhe um abraço “Com você do meu lado eu enfrento qualquer coisa!”

“Você vai falar com o Pê?”

“Agora!” O escritor saltou da cama.

“Espera. Achei isso na porta.”

Júlio pegou o papel. Era uma carta:

Querida Bel,

Desculpe por ter feito você chorar. Não era de minha intenção. Espero que um dia você possa me perdoar. Fiz tudo o que fiz porque queria manter esta família. Mas, se você vai ficar do lado errado, eu não me importo. Vejo que não tenho mais o que fazer aqui. Provavelmente, Júlio irá correr atrás daquele sujeito estúpido e será o senhor estúpido. Os dois serão a Família Estúpida do Vale, e você vai embarcar nessa com eles e será a mini estúpida. Se ainda tiver bom senso, me procure, filha. Você vai ser minha filha sempre. Quero dizer, não de sangue, por que, se você tivesse o meu sangue, seria mais esperta. Amo você. Do seu, Ricardo.

Júlio leu a carta como sua libertação. Entregou o papel para a filha e correu para a casa de Pietro.

x-x-x

“Ah, que bom, Miguel!”

Miguel estava contando para Délia que, no dia seguinte, iria para a reunião na assistência para dependentes de álcool. Miguel, no entanto, encontrava-se tão empolgado que não sabia o que acabara de acontecer. Sentindo-se sem saída e triste, Pietro tomou a decisão de sair do Vale do Café. Às pressas, arrumou tudo o que cabia dentro de uma mochila, agradeceu à amiga e emprestou sua moto para ir embora daquele lugar infernal.

Assim, quando Júlio chegou à casa de Pietro, onde Délia dava a notícia para Miguel, Júlio procurou por ele.

“Júlio, Pietro acabou de ir.”

 “De ir? Mas como assim? Ir pra onde?” Ele desesperou-se.

“Ir embora do Vale, Júlio”

“Não! Não, ele não pode ir, não pode. Me ajuda, Délia! Você tem outra moto, não tem? Pelo amor de Deus, me ajuda a pilotar aquele negócio, eu preciso encontrar o Pietro!”

Délia correu para a garagem, apressada.

“Vamos! Se nos apressarmos, ainda o alcançamos!”

x-x-x

Pietro pisava fundo. A mesma paz que havia conseguido no dia do passeio de moto na estrada velha... Não retornou. Pelo contrário, a paisagem se deslocando apressada só o deixava tonto. Por que o vento em seu rosto, seu corpo numa moto, fazia-o lembrar de que, da última vez, conhecera aquele que era o amor de sua vida por várias vidas. Sua alma gêmea. E agora, não conseguia desfrutar de nenhuma espécie de liberdade, pois estava indo embora da Vale do Café. Acabou. Para Otávio, para ele. Por todas as vidas, foi roubado de seu amor por preconceitos, por medos, por antigos rancores. Quantas vidas mais teria de viver para ter paz? Quanto ainda precisava pagar?

Mariana vinha em seu encalço, o máximo de velocidade que conseguia.

“Pietro! Pê! Pare! Pare!”

Pietro era apenas um ponto preto distante. Júlio, atrás de Délia, se recusava a perder suas esperanças. Por favor, vida. Não me afasta dele. O Universo foi providencial: A moto de Pietro falhou no meio do caminho. Estava com o combustível no nível reserva. Ele teve de diminuir a velocidade, praguejando por ter saído com tanta pressa que nem verificou se o combustível era suficiente para a viagem longa. Ele parou, decidido a retornar a pé. Não estava tão longe do Vale. Podia pedir ajuda.

Ele enxergou outra moto vinda ao longe. Se tivesse sorte, poderia pedir carona. O pequeno imprevisto foi tempo suficiente para Délia acelerar a sua moto e alcançar o amigo. Eles pararam, enfim.

“Pare essa moto agora, Pietro!” Eis a sua surpresa quando Júlio tirou o capacete.

E Délia em seguida.

“O que vocês estão fazendo aqui?”

“O Júlio vai explicar” Délia respondeu.

Júlio respirava rápido.

“Aonde você pensa que vai?”

“Júlio... Por que é que você veio aqui atrás de mim? Eu não posso mais viver aqui, no Vale. Eu não posso mais viver perto de você” Ele afirmou, sentindo que uma emoção se prendia à garganta.

Júlio chegou mais perto.

“E eu não posso mais viver longe de você. E agora?”

Pietro gostou de ter ouvido aquilo.

“Você está querendo dizer que...”

“Que se você quiser. Se você puder me perdoar... Volta pra casa. E eu vivo tudo com você. Tudo do seu lado, Pê. Por que eu te amo! Diz que sim? Diga que fica? Por favor... Eu preciso de você. Nesta vida. E em todas as outras.”

“Mas e tudo que você me disse?”

“Acabou, Pietro. Eu estou livre. Eu não sei como será, se será igual ou não. Mas meu amor por você é tão grande, tão forte. Eu quero tentar. Eu quero muito tentar.”

“E a sua família? Você disse que...”

“Esquece tudo que eu te falei, meu amor. Eu escolho a minha família. E minha família é você, Pietro! É você... Eu escolho você. Se você quiser, é claro.”

“É claro que eu quero, Júlio. É claro que eu quero!”

Então, Júlio o beijou. Délia sorriu. Os dois beijaram-se como um tesouro que se encontra. Mas, no caso deles, era um presente, uma dádiva que havia se encontrado. Uma benção dessas que escorre através do tempo, que pode se partir tanto quanto quiser, mas que seus pedaços, suas partes, sempre se encontram no infinito do universo, leve o tempo que for necessário. Eles se encontram, se acham. Viver é um rasgar-se e remendar-se, já falava o poeta. Assim é a vida e seu ciclo: Um eterno reencontro. Um eterno recomeço.


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