Mais que o Tempo escrita por Le petit prince egoiste


Capítulo 19
Dezenove




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Triste, Bel foi para a oficina tentar conversar com seu único amigo naquela cidade, Giovani. Ele lavava um carro, mas parou tudo para prestar atenção na garotinha cabisbaixa que contava com sua ajuda e seu apoio.

“Bel, o que aconteceu?”

“Acho que fui uma menina má, Gi...”

“Espera um pouco, vamos sentar aqui. Vai, me fala.”

Eles sentaram-se nos bancos de madeira.

“Bom, o pai Ricardo me disse uma vez que o Pê era quem tava fazendo a minha família acabar, sabe? Daí fiquei triste e descontei tudo no Pê. Fiquei com raiva dele. Mas eu pensava que meu pai Ju ficava triste com o Pê. Era o que o pai Ricardo me dizia. Só que... Meu pai Ju tá lá em casa bem, bem triste, e diz que não quis ficar com o Pê por minha causa, porque não queria me perder. Mas... Ele não vai me perder! Só queria ver ele feliz, sabe? Acho que confundi tudo! Não queria que ele ficasse triste. Eu só não queria perder uma família... De novo. E ele tá lá. Chorando. Sei que não devia escutar atrás da porta, mas escutei.”

Giovani guardou aquelas informações, pensando no que dizer.

“Você disse que foi o Ricardo que falou que o Pietro...”

“Que o Pietro tava separando nossa família. Eu já quase não tive uma, sabe? Minha mãe e meu pai morreram cedo. Mas o tio Ju, que hoje é meu pai, me adotou, e depois veio o pai Ricardo. Eu não queria perder uma família de novo.”

“Bel, olha só...” Giovani parou, refletindo “Você não vai perder a sua família. E sim ganhar um pai feliz. É melhor ter uma família alegre do que uma família triste. Quanto ao seu pai Ricardo... Às vezes... As pessoas não dão mais certo, entende? Mas não significa que elas não se gostam. Só não querem mais ficar juntas.”

“Bom, tudo bem, mas... Como eu posso desfazer isso que eu fiz? Eu sou tão burra! Minhas primas de treze anos são mais inteligentes do que eu! Por que o papai mentiu pra mim?”

“Meu amor, você só... Errou, só isso. Mas você pode voltar lá com seu pai Ju e dizer que tudo bem ele namorar o Pê, que você não se importa. Os erros a gente conserta, tudo bom? Como os carros.”

Bel começou a sorrir, satisfeita, mas outra pessoa entrara na oficina, desabando com sua animação.

“Filha. Me falaram que você estava aqui. Vamos embora.”

Bel fechou a expressão.

“Não, não vou!”

“Ah, você vai!” Ricardo puxou-a pelo braço, mas Giovani o empurrou.

“Vai embora, Ricardo. Você fez a proeza de magoar a sua filha. Você não precisa mais estar aqui. Não acha que já fez o suficiente?”

Ricardo olhou para a filha, preocupado.

“Filha, desculpa, eu...”

“Vai embora!” A garota começou a chorar e abraçou Giovani. “Não quero você aqui, não quero! Sai de perto de mim! Você não é meu pai!”

“Bel... Filha...”

“Você me machucou!”

Ele recuou, atravessado por aquelas palavras duras.

O mecânico olhou fundo nos olhos de Ricardo. Ricardo, por sua vez, tentou pela última vez se aproximar de Bel, mas ela o rejeitou, enfiando o rosto nas roupas de Giovani. O pai da menina foi afastando-se, um tanto envergonhado, com poucas lágrimas no rosto, o orgulho ferido. Quase na saída, deparou-se com Bruna e por pouco não a derrubou. Ele pediu desculpas inaudíveis e saiu.

“Credo! O que esse homem fazia aqui?”

Miguel veio logo em seguida e segurou nas mãos de Bruna.

“Encher o saco. Só o que ele sabe fazer. Mas e vocês?”

“Viemos avisar você. Délia encontrou Pietro na cama e ele está imóvel. Não sabemos que aconteceu! Ele não acorda por nada!”

x-x-x

Ricardo não esperava aquela reação da menina. O corpo tremia entre frustração, raiva e mágoa. A começar por Pietro, um idiota da maior espécie. Deixou-se levar por uma paixonite qualquer enquanto jogava no lixo anos de convívio num casamento. Ricardo, que sempre procurava clarear sua visão para que subisse na vida, procurando retirar-lhe daquelas ilusões de escrita. Enquanto um se matava de trabalhar no escritório, o outro passava o dia todo em casa sentado num computador, escrevendo, parecendo bem mais feliz. Ricardo observava-o no escritório, quando se conheceram... Pietro era bom naquilo e poderia crescer. Assim, o atual marido logo achou uma maneira de chegar até ele: conquistando o carinho da garota. E Pietro, frágil pela perda, necessitando de alguém... Era unir o útil ao agradável. Perto dele, Ricardo cresceria. No entanto, ao casar-se, acabou decepcionado... Pietro abandonou tudo para seguir uma carreira imprestável. O outro não podia deixar que se expandisse tanto assim, não, não... Alguma dependência teria de ser criada.    

E Bel acabara de decepcioná-lo. Pensava ser a garota mais sensata, porém o pai começou a infectá-la com seus devaneios também: a história da fantasia de motoqueira era uma das suas.

Ele gostava da garota, mas não a ponto de se responsabilizar por ela. Não, mesmo na criação da criança, ele estava lá e não estava - o trabalho pesado de educação ficava com Pietro. Este rapaz frágil, tolo, irresponsável e sentimental que um dia cruzou seu caminho. Ricardo às vezes conseguia ver a mediocridade que o marido não conseguia, e se sentia poderoso e forte ao apontar em riste toda a pobreza de caráter de Pietro. Um homem que nunca subiria na vida com idéias sonhadoras demais, flutuantes demais.

A menina, ao que parece, sentia o chamado do sangue. Um sangue ruim, se quer saber. Ricardo estava farto de ser o papai de família. Giovani era outro que lhe tirava os nervos, sempre em tom acusativo, mostrando-lhe o que tinha de pior em si mesmo. Uma família de pessoas pobres de ambição. Não, Ricardo sobressaía a todos eles. Pietro que se explodisse com a menina. O táxi lhe esperava lá fora, com suas malas. O celular recebia uma nova mensagem. Se for Pietro, ele pensou, só fico se implorar.

Mas era outra pessoa. Baby, eu vou te esperar, dizia a mensagem de um homem. Tô com saudades. Ricardo deu um riso sem dentes. Ótimo. Há meses ficava com aquele rapaz em segredo para, enfim, dar o nó final. Alguém precisava dele. Alguém dependia dele. E, em troca, dormindo com o filho da dona de uma das maiores empresas de café da capital, poderia subir de cargo. Um ótimo negócio. Outro almofadinhas mimado, supunha, mas este ao que parece não dava um passo sem alguém para lhe dizer o que fazer. Ótimo. Acomodando-se no carro, Ricardo olhou uma última vez para a rua e para a casa onde havia se hospedado. Com os braços, mostrou uma “banana” para aquele passado doméstico. Fim de sua brincadeira de casinha. Agora, seguiria outros interesses.  

x-x-x

“Era Mariana, Otávio!”

Luccino voltou da ligação de rosto pálido como cera.

“Luccino, meu amor, o que houve?”

“Mariana estava com Virgílio ao telefone. Ela disse que Virgílio colocou uma bomba neste trem. A qualquer hora, vamos todos pelos ares. A ligação caiu e... Ah, Otávio, Otávio!” Luccino abraçou o major, desesperado. Otávio estava exasperado.

“Luccino, eu posso desarmar a bomba, a minha formação no exército, mas... Onde será que ela está? Ah, meu Deus!”

“Ah, não, não, major...” Xavier interceptou os dois no caminho. O trem em movimento. “Você não vai estragar os meus planos”

“Que diabos você está tentando fazer, Xavier? Chega dessas suas vingancinhas! Meu Deus, são vidas que estão em jogo!”

 “Seu irmãozinho também está aqui. Vão todos para o inferno!”

“Não!” Luccino ameaçou chegar perto.

Xavier apontou uma arma para os dois. Otávio, após instantes de cálculo, avançou nas mãos do algoz, decidido a desarmá-lo. Uma luta perigosa entre os dois começou, a arma apontada para baixo sendo disputada pelos homens. Pietro, no corpo de Otávio, escutava vozes ao longe chamando seu nome. Pietro... Pietro... Estas vozes o desconcentraram de tal forma que ele perdeu o controle das mãos e Xavier conseguiu empurrá-lo. Agora, ele dava o arremate. O revólver apontava para Otávio. Xavier puxou o gatilho.

“Um a mais, um a menos...”

“Não!” Luccino gritou. Meteu-se à frente.  

Xavier disparou o tiro, que acertou no coração de Luccino. O italiano caiu no chão, um baque cujo barulho fora sufocado pelo andar do trem. O chão logo encharcou de sangue.

“Luccino! Não! Seu MONSTRO!” Otávio gritou. Pietro compartilhava de sua dor.

Luccino trazia as mãos ao peito, incrédulo e tremendo.

“Otávio... Meu amor...”

“Aguenta firme, Luccino!”

“Não vai precisar, major.” Disse Xavier, cujo dedo se preparava para o segundo gatilho. Ia atirar assim, covardemente, com Otávio estirado sobre o corpo moribundo de Luccino. Otávio abraçou o corpo, pronto a morrer

Mas, para sua surpresa, Virgílio entrou pela janela do vagão, vindo de fora. Mariana vinha logo atrás.

“Conseguimos desativar a bomba! Otávio! Otávio? Meu Deus! LUCCINO!”

Mariana não conseguia crer na cena de terror que estava presenciando. Os olhos de Virgílio foram do corpo morto do irmão para Xavier. Seus olhos oscilavam entre ódio e remorso. Aquele maldito homem! Queria tanto poder ficar longe de sua influência! Longe de toda aquela podridão!

“Meu irmão! Você matou MEU IRMÃO!”

“Ora, tolo. Você ia acabar fazendo isso com a bomba, de um jeito ou de outro.”

“MEU IRMÃO!” Virgílio exclamou, o corpo todo a tremer. Ele avançou na direção do patrão e o desarmou.

O irmão de Luccino sacou sua arma. Xavier viu-a apontada para si e ergueu as mãos. Virgílio disparou o gatilho e acertou Xavier no peito. Uma morte instantânea. Virgílio sentiu as mãos tremerem, a arma caiu junto ao corpo. Ele se ajoelhou num choro terrível. O trem parou. A polícia havia de chegar. Otávio, Pietro, quem quer que fosse. Abraçava seu Luccino sem vida, enquanto sentia que parte de seu coração... Não, todo ele. Todo seu coração fora embora junto à vida de seu amado Luccino.

x-x-x

“PIETRO!” Délia gritou.

Nisto, ele enfim despertou do sono, como se alguém houvesse tirado as mãos do seu pescoço. Desorientado, ele observou estranhamente os vultos dos seus amigos, do seu irmão, mas quando notou que Júlio não estava ali, percebeu que também havia acabado para ele.

Ele abraçou Délia como abraçaria Mariana no passado. Começou a chorar descontroladamente. Délia, nervosa a acudi-lo.

“Pê! O que aconteceu, Pê!”

“Acabou, Délia! Para mim e para ele! Acabou!”


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