Mais que o Tempo escrita por Le petit prince egoiste


Capítulo 15
Quinze




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Próximo do aniversário de Bel, seu vestido de princesa chegou da capital. A menina fez alguns pedidos para a festa: queria que fosse à fantasia e que as pessoas não fossem aos pares de início, mas que se encontrassem lá. Foi Ricardo quem trouxe a roupa, e ele demonstrava estar bem mais empolgado que a própria aniversariante.

“Venha ver, minha princesa!”

Bel observou o vestido, sem expressão de entusiasmo.

“O que está esperando? Vá vestir!”

A menina foi para o quarto se trocar. Quando retornou à sala, Délia, Ricardo, Júlio e Vitor a aguardavam para ver como a fantasia tinha ficado. Estava bonita, mas a menina não parecia feliz.

“O que achou, meu bem?” Perguntou Délia.

“Você gostou, papai?” Ela se dirigiu a Ricardo.

“Linda, filha!”

Ela deu um meio sorriso. Délia insistiu.

“Mas e você, se sentiu bem com ele?”

“Sim... Sim...”

Bel olhava do vestido para Ricardo, até que baixou os olhos. Neste instante, Pietro entrou na casa de Délia, para a surpresa de Júlio e o desagrado de Ricardo. Assim que o viu, Bel foi para o quarto, amuada.

“Ah, Pietro. Vamos até o quarto.” Délia fez um gesto para que a acompanhasse. Pietro deu um olhar de esguelha para Júlio e se afastou. Os dois chegaram ao quarto e Délia girou a chave na maçaneta.

“Nossa! O que houve?”

“Olha o que encontrei!” Délia mostrou a carta.

“Uma carta... Meu Deus! De Luccino para Mariana! Onde achou?”

“No meio de alguns livros, lá na livraria. Provavelmente, Mariana nem a recebeu. Eu ainda não abri. Estava esperando por você.”

“Bem, Délia. Pois vamos abri-la. Ande, faça as honras. Afinal, a Mariana era você. Eis que a carta chega ao seu destino com séculos de atraso.”

Marina sorriu, embora nervosa. Tirou o papel para ler. Dizia o seguinte:

Querida Mariana,

Te escrevo por que você é a única com quem posso conversar agora. Estou angustiado! Muito angustiado! Caso você não saiba daí onde está na capital, Otávio vai se casar com Lídia no próximo mês. Ela lhe contou que está grávida dele e, para completar, o coronel Flávio o obrigou ao casamento em nome da honra. Meu pai contou para ele sobre nós. Toda a cidade já sabe e você não imagina o inferno que está sendo. Randolfo ficou arrasado quando descobriu que o melhor amigo ia casar com o amor da sua vida. Otávio tentou proteger o meu nome no meio de todos esses boatos, mas parece que já descobriram que eu sou o seu “amante”. Estou triste e com medo, pois parece que acabou para nós. Fico pensando se este é mesmo o fim ou se haverá outro jeito para nós dois. Temos o exército, Lídia e o Vale inteiro contra nós. E, talvez, nosso medo que nos faz monstros. Nos faz inimigos um do outro. Ah, Mariana! Conto com a sua bondade e seus conselhos para me acalmar. Como gostaria que estivessem aqui! Por favor, não demore a responder, pois estou quase enlouquecendo de tristeza.

Luccino.

Assim que Délia terminou de ler, viu que ela se encontrava em lágrimas. Pietro sentou-se na cama, abalado demais para ficar de pé. Ele respirava pesadamente.

“Meu Deus! Você tem que me dizer que a história não terminou assim!”

Pietro enxugou os olhos.

“Na verdade, na última viagem no tempo, eu estive com Mariana, lembra? Ela disse que ia ajudá-los a fugir e que Lídia contou a Otávio que o filho não era dele. Mas Otávio já havia casado com Lídia. A separação seria uma imoralidade. Ainda mais se fosse para ficar com um homem.”

“Caramba, Pietro! Quanto mais descobrimos sobre isso, mais fico surpresa! No que será que isso terminou? Será que conseguiram fugir?”

“Só vou saber continuando a entrar no portal do tempo.”

Bateram à porta. Délia foi abrir.

“Vini! O que foi?”

“Mamãe! Olhe a minha roupa!”

O menino segurava sua roupa de super herói, que, para sua tristeza, havia rasgado na frente. Délia examinou o estrago, tranquilizando o filho de que em um instante costuraria a falha. Ela foi pegar seu material de costura enquanto Vinícius esperava no quarto com Pietro. O menino tampouco fazia questão de disfarçar seu desagrado. Olhando-o com atenção, Pietro percebeu o detalhe do sinal perto da boca. Era parecido com o sinal de Coronel Flávio...

Tomado pela melancolia da carta de Luccino, Pietro pensou sobre o peso de todas aquelas viagens no tempo. Para que servia a reencarnação senão para reparar velhos erros, para perdoar? Ele não compreendia o tamanho da culpa de Coronel Flávio para que houvesse tido a necessidade de voltar como filho de um homem com quem rivalizava neste passado. E também podia não entender seu papel nisso tudo. Talvez o Coronel não se perdoasse por ser influenciador indireto da infelicidade de um dos seus e carregasse a culpa neste tempo presente em forma de rancor.  

No entanto, ao se deparar com a raiva irracional de Vinícius em sua direção, ele decidiu arriscar. Sabia que as crianças possuíam sensibilidade maior sobre vidas passadas. Chegou perto do menino aos poucos, até que estivessem longe por pouco centímetros de distância.

“Vini. Deixa eu te falar uma coisa.”

“Que é?” Retrucou, seco.

Pietro olhou fundo em seus olhos, tentando imaginar Coronel Flávio ali. E com extrema sinceridade, disse:

“Seja qual for a dívida que tenha comigo, eu te perdoo.”

Em seguida, abraçou o menino. Vinícius ficou sério, não pareceu impactado, mas para Pietro ele havia entendido o recado lá no seu íntimo, no fundo da sua alma. Délia chegou em seguida com a fantasia consertada. O menino saltitou de alegria.

“Obrigado, mamãe! Até mais, Pietro!”

“Até mais... Vini!”

x-x-x

Era, enfim, a noite do baile à fantasia de Bel. Em cima da hora, Pietro decidiu aproveitar as roupas originais do Major Otávio, com as quais havia voltado para o presente de suas viagens até a outra dimensão. Júlio, no entanto, sugeriu que fizessem uma brincadeira. Ele mandou uma costureira fazer uma roupa de mecânico italiano do século XIX. Chegado o dia do baile, resolveram trocar as fantasias. Júlio se fantasiou de Otávio e Pietro se fantasiou de Luccino. Era uma festa íntima.

 “Olha só!” Disse Júlio para Pietro “É o meu Luccino perfeito!”

Seu Luccino?”

“É, oras! O Luccino que vou descrever no meu livro!”

“Luccino de bigode? Não concordo. Abala todo o equilíbrio cósmico. Está mais para Otávio...”

Júlio riu.

 “Quer me dar a honra de uma dança?”

Pietro ofereceu sua mão para ele.

“Como? Se a honra é toda minha?”

Assim, iniciaram a dança lenta. Uma valsa que fazia seus corpos ficarem próximos. Júlio olhava a Pietro com uma expressão admirada, enquanto Pietro começava a materializar seus sentimentos. Ah, ele o amava como Júlio, como Luccino, como todas as formas que as várias vidas criassem para que ficassem juntos de novo. Gostava de suas feições doces, do seu cabelo rebelde, da bondade, da capacidade de perdoar e da visão agradável da vida. Júlio admirava em Pietro sua energia, seu humor e é, claro, o quanto era bonito, forte, atraente, os olhos apaixonante-apaixonados, o seu bigode - o único homem no mundo que poderia usá-lo sem parecer um risco de lápis extremamente cafona. Eles ainda não falavam isto um para o outro: do contrário, deixaram as emoções transpassarem aquela dança lenta e íntima. Entrelaçaram as mãos e deixaram a música envolvê-los. Atreveram-se mesmo a encostar os narizes, suas respirações aos poucos sincronizando devagar, ao ritmo das estações concretas. Este amor que nasce da calma e traz a calma.

O ciúme invadiu Ricardo ao observar a cena. Délia, ao vê-lo indo ao encontro dos amigos para atrapalhar a dança, apressou-se em puxá-lo para dançar. Ricardo, contrariado, aceitou para não fazer desfeita.

“Uma dança rápida, Cordélia.”

“Ora, Ricardo, você não tem humor? Vamos se soltar! Alegria!” Délia ironizou, seu rosto ávido por uma pequena vingança “Você me deve uma”.

Eu te devo?” Seu par quis rir.

“Deve. Não se esqueça de que me desautorizou em minha própria casa, expulsando Júlio sem me perguntar nada. E sabe o que é melhor? Por causa dessa sua burrice, eles dormiram juntos e estão dançando agora.”

“Em assunto de maridos ninguém...”

“Meto a colher sim e se ficar se gracinha meto o florete também, e na sua cara! Ora! Não tenho mais idade pra essas coisas. Cresce, Ricardo! Admite que o Júlio é muito mais forte do que você jamais será e caia fora. Eu ainda sou boa de não exercer a função de dona da minha casa e te expulsar de lá agora mesmo, como você fez com Ju.”

“Minha filha me prende nessa sauna infernal que vocês chamam de cidade, não o Ju. Se minha filha não me quiser mais aqui, ou for tão fraca quanto o pai, eu vou embora.”

“No fundo, você não ama nenhum dos dois. Você ama estar no controle. Quando se der conta de que é fraco, vai sair fugido com o rabo entre as pernas. Conheço tipos como você. Um certo passarinho já me fez dessas. E eu sou vacinada contra eles. Agora vamos. Mexa esses seus quadris duros de gay heteronormativa, Ricardinho!”  

Délia conseguiu prendê-lo com ofensas mil até quando percebeu que Pietro e Júlio encerraram sua dança. Quem também dançava era Miguel e Bruna, que escolheram ir juntos ao baile. Anteriormente, Bruna decidiu ficar no Vale para ajudar Miguel com a recuperação. Porém, ela enfatizou que apenas ele poderia se ajudar e, caso sentisse segurança, poderia ir semanalmente a uma assistência especializada. No momento do baile, não tocavam neste assunto. Pelo contrário: o clima leve da festa ajudava a encontrar felicidade nas amenidades.

“Até que você é bom de dança, hein Miguel?”

“Tive uma boa professora”

Ela riu.

“Havia muitas mulheres melhores para convidar e você me chama!”

“Ah! Como se eu pensasse em outra mulher! Para convidar, digo...”

Bruna ficou séria. Miguel não resistiu àqueles olhos tão perto dos seus. Pensou em sua força, em sua companhia, em sua beleza e determinação... Ele beijou-a enquanto dançavam e, por mais surpresa que estivesse, Bruna retribuiu ao beijo, sentindo nascer dentro de si uma emoção nova, uma emoção encavernada no fundo de seus desejos.

E, por falar em desejos ocultos, Bel decidira por mostrar o seu, fazendo uma bela surpresa ao aparecer na festa após a troca de roupas com outra fantasia. A fantasia de motoqueira que tanto queria! Ela entrou no salão, orgulhosa e si e satisfeita com a roupa, recebendo uma piscadela de Júlio. Quem não gostou nada foi Ricardo. Mas Bel não enxergava-o em meio aos convidados. Quando se é uma motoqueira, a paisagem passa rápida diante dos seus olhos, guiada pelo vento que bate no rosto. Tudo que você pode sentir é o que está à frente.


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