Mais que o Tempo escrita por Le petit prince egoiste


Capítulo 13
Treze




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“Você acredita em viagem no tempo?” Desta vez, era Júlio quem perguntava a Pietro na livraria.

“Acredito.”

“E se a pessoa estivesse um pouco bêbada e cansada?”

“O que você quer dizer?”

 Então, Júlio lhe contou da noite anterior, na qual tivera um sonho daqueles. Século XIX. Palavras misturadas. Dois homens se beijando. Luccino. Virgílio. Xavier. A moto destruída. “Uma viagem”, como ele mesmo disse. Onde Ricardo era Xavier e Virgílio era Giovani. Uma ilusão provocada pelo seu cansaço mental e físico. Mas Pietro sabia que não era mera alucinação, ao mesmo tempo em que seria tachado de louco por Júlio. O rapaz corou ao entender que o primeiro beijo entre eles havia sido naquela dimensão, na pele de Luccino e Otávio. Decidiu não contar a verdade, até porque Júlio demonstrava certo ceticismo. Pietro compreendia que era algo pesado demais para alguém lidar com normalidade, raras as vezes onde acontecia o contrário.

“Ricardo, o mesmo grosseirão. Ele até estava beijando Virgílio antes de ir ao galpão.”

“Beijando Virgílio?” Por que significava ter beijado o Giovani do século XIX.

“Sim, e eu tenho certeza. Eu vi que os dois brigavam por algo... E aí, Virgílio beijou Xavier de uma maneira rude. Depois não vi nada. Luccino queria mesmo era destruir a moto e soltar os cavalos.”

“Virgílio e Xavier tinham um caso. Isso explica muita coisa.”

“O que você sabe? Talvez eu use na hora de escrever a história. Esses subconflitos que dão o plano de fundo dos personagens.”

“Só sei que Luccino deve ter tomado essa atitude por que Xavier tinha uma rixa com Ernesto, o seu irmão. Xavier deve ter armado contra ele pra fazer o Luccino ser tão inconsequente.”

“E Virgílio?”

“Virgílio era irmão de Luccino, a ovelha problemática da família. Capacho de Xavier.”

Júlio aquiesceu.

“Nossa. Que história... Todos tão... Guiados por seus impulsos, mas ao mesmo tempo, aprisionados por eles. A opinião geral influenciava nessa época. Ninguém queria saber o que era ser odiado por uma cidade inteira.”

Pietro sentiu o estômago revirar. Precisava mudar de assunto.

“Ah, Júlio. Antes que eu me esqueça: Papai convidou o Ricardo para jantar em casa amanhã.”

“Uau. Ricardo fez um amigo.”

Pietro riu.

“Quero que você vá.”

“Sim, senhor Major Otávio. Aliás, ele era você. E nós nos beijamos.”

Ele corou. Sim, e eu ainda sinto os seus lábios nos meus.

“Não fique sem graça. O beijo foi bom. Quero dizer, o beijo de Otávio. O seu... Bem, ainda não conheço.”

Pietro soltou o ar, rindo e revirando os olhos. Ele não podia responder que também havia gostado do beijo de Luccino, embora fosse a verdade.

x-x-x

Como o combinado, Júlio e Ricardo apareceram para o jantar no dia seguinte às sete da noite. Délia e Vitor não foram convidados, pois Caetano não gostava dos vizinhos o suficiente para tais convites. Além do mais, o casal saíra com Vinícius para uma pequena aventura e passaram o dia fora.

“Ai está!” Falou Pietro ao vê-los entrando.

“Eu não sabia que ia ser uma festa, Pietro” Reclamou Caetano ao ver Júlio. Ele não fora convidado junto ao marido. Giovani, ao lado do pai, tentou amenizar a grosseria:

“Nós também não. Mas acho que assim fica bem melhor, você não acha?”

Júlio e ele deram uma risada nervosa. Passado este primeiro constrangimento, o casal sentou-se à mesa. Ricardo ficou ao lado de Giovani, seguido pelo marido. Pietro e Júlio ficaram frente a frente e Caetano na cabeceira da mesa.

“Está melhor da sua mão, Giovani?” Júlio perguntou.

“Sim, bem melhor. Logo volto a trabalhar.”

“Soube que a Bel se saiu uma excelente médica.”

“É verdade! A pequena leva jeito! Tem mãos de artista!”

Ricardo gargalhou.

“Ah, claro! Nossa menina, uma artista! Ela será uma médica. Sim, e com mãos de médica. Artistas! Não servem pra nada. Vivem de esmola do governo, que tira de cidadãos de bem pra dar pra esse bando de desocupados.”

“Ricardo!” Júlio o repreendeu, envergonhado “Eu sou artista e não tem esmola nenhuma. Não sou desocupado. E nossa filha será o que ela quiser.”

“Eu concordo com o rapaz” Caetano apontou para Ricardo “Quem vai querer saber de uns quadros estranhos quando se tem de colocar comida na mesa? Ninguém come um quadro! Ninguém vai no pintor quando quer curar um resfriado!”

“Pelo visto, concordamos!” O marido de Júlio replicou.

“Deve ser por que o pintor não cura resfriado” Pietro disse entredentes.

“Ah! E o médico cuida dos doentes, o mecânico cuida dos carros! O óbvio é bonito, Pietro. Cada um no seu lugar, não acha?” Ricardo olhou-o pela primeira vez durante todo o jantar.

“Não acho. Por que alguns lugares não são as pessoas que escolhem. Elas estão lá obrigadas. Além do mais, quem escolhe onde fica cada um? Você? Ora, eu teria pena!”

Caetano bateu na mesa.

“Pietro! Vá agora buscar o sorvete. Sobremesa.”

“É claro, papai.”

Júlio ia se levantar para ajudá-lo, mas Ricardo o impediu.

“Rapaz generoso!” Caetano elogiou o amigo quando viu que ele decidira acompanhar Pietro até a cozinha por pura cortesia e educação.

Pietro bufou descadaramente ao ver Ricardo atrás de si. Sequer falou algo. Concentrou-se no seu objetivo de ir até ali e pegar a sobremesa junto às taças. O movimento de suas mãos dava ruídos aos vidros.

“Você vai precisar de quatro mãos.”

“Ora, não me diga. Só tenho duas.”

Ricardo ensaiou um riso.

“Até quando você vai insistir?”

“Não sei do que você está falando.”

“Você está cercando meu marido e minha filha. Pare com isso.”

“Não vejo mal algum” Pietro revidou com toda a calma que possuía, sem olhar para trás.

“Olha pra mim.” Ricardo o puxou pelo braço, apertando-lhe. “Tenho mais de cinco anos de casamento com ele.”

“Ah! Você sabe contar! Impressionante!”

“Você não merece o pai que tem.”

“Poderia dizer o mesmo sobre você com Júlio.”

Pietro retirou os braços do domínio de Ricardo.

“Eu não vou fazer nada com você, por que não sou uma caricatura inventada por estes livrinhos que o Júlio escreve. Mas quero que fique longe da minha família. Conheço o seu tipo.”

“Também conheço o seu. O cara inseguro que não quer perder o seu objeto de obsessão. O que te falta pra ser um vilão, usar roupa preta? Você precisa da força do Júlio para esconder sua própria fraqueza, Ricardo. Você diz que não é uma caricatura, mas olha só pra você, sendo o ridículo ciumento que ninguém gosta na história!”

Ricardo ficou vermelho e bateu numa das taças, que foi ao chão e despertou o jantar para o que acontecia na cozinha. Júlio apareceu, seguido de Giovani e Caetano. Júlio observou a tensão que exalava dos dois rapazes e afastou Ricardo dali.

“Mas que desfeita é essa? Pietro, você não se controla, não? Estamos com visita!”

“Papai...”

“Basta! Você me envergonha! Desculpe, senhor Ricardo...”

“Nada com que se desculpar. Júlio, vamos embora.”

Júlio sussurrou para Pietro:

“Desculpe. Sinto muito” E suas palavras eram carregadas de culpa.

Giovani se abaixou para recolher os cacos da taça. Pietro viu Júlio se afastar ao mesmo tempo em que percebeu que havia se cortado com um pedaço de vidro.

x-x-x

Pietro voltou em silêncio para seu quarto. Passava das dez da noite quando ele finalmente se deu por vencido e tentou dormir. Todo o sono que impregnava seu corpo era inexistente dentro da cabeça. Seus pensamentos martelavam entre os encontros com Júlio e a briga no jantar, junto ao fato de Caetano ter defendido Ricardo sem querer saber do ponto de vista do filho. O que era um corte tão frágil no polegar perto disso? Pietro arrumou pela última vez sua cama antes de se deitar.

Ouviu batidas na janela.

“Pê! Pê! Abre aqui!

Pietro franziu o cenho. Conhecia aquela voz. Abriu a janela.         

  “Júlio, mas que susto! Você de volta aqui?”

“Desculpe se apareci numa hora imprópria.”

Pietro percebeu que se encontrava sem camisa.

“Não, imagine, você nunca está numa hora imprópria. Entra aí. Senta.”

Pietro bateu as mãos no lugar onde queria que Júlio sentasse.

“Eu vim... Perguntar se você ficou aborrecido com as coisas que Ricardo falou no jantar. Eu com certeza não gostei nem um pouco. E a discussão... Eu sinto muito.” Júlio contraiu a expressão, apertando-se no agasalho que o mantinha quente.

“Não, não, claro que não. Como é que posso ficar com raiva de você? Já do seu marido...”

Júlio meneou a cabeça, respirando fundo.

“Marido, a essa altura? Não sei.”

“Júlio...”

“Nós brigamos, Pê. Por isso estou aqui. Saí da casa da Délia, estava... Insuportável ficar lá. Não tenho onde passar a noite.”

Pietro sentiu o rosto queimar de vergonha.

“E... Você vai ficar aqui.”

“Se você quiser, é claro.”

“Eu quero, quero muito!” Apressou-se “Digo! É o certo a se fazer... Você não pode dormir na rua.”

Júlio suspirou, cansado.

“Obrigado, Pê.”

Foi o início da noite mais esquisita na vida de Pietro. Júlio não tirou suas roupas para dormir, afinal, o tecido das que trazia no corpo era leve e a noite, agradável. Pietro se deitou e, em seguida, Júlio. Os dois ficaram frente a frente por algum tempo e Júlio até chegou a sorrir. Pietro escondeu o rosto no travesseiro, tímido. Mas tão logo se encararam de verdade, seus olhos se prenderam um no do outro. Uma força atuava sobre seus corpos, que não era a gravidade. A gravidade tira tudo do lugar, enquanto Pietro e Júlio encontravam um e permaneciam nele. Pietro via a si em Júlio. Júlio se enxergava em Pietro. Com o polegar, Júlio acariciou as bochechas de Pietro, passando até seu bigode macio e claro. A partir do toque, ambos fecharam os olhos. Era bom se encontrar no escuro sabendo que poderiam abrir os olhos. Dormir sabendo que, quando acordassem, a primeira visão que teriam seria do amor de suas vidas.


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