Mais que o Tempo escrita por Le petit prince egoiste


Capítulo 12
Doze


Notas iniciais do capítulo

Tenta o seu olhar em frente ao meu
Duvidar que o amor é como um Deus
Um pecador, um sonhador
Que finge que esqueceu...
Se os romances duram mais que o tempo
Nada poderia separar seu coração do meu



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“Você acredita em viagens no tempo?”

Júlio foi pego de surpresa com a pergunta e precisou refletir um pouco. Os dois nem procuravam disfarçar: das vezes que brigava com Ricardo, Júlio fazia questão de ir para a livraria estar no meio dos livros. E a presença de Pietro também lhe acalmava. Eles podiam conversar sobre tudo sem cansar. Agora, nenhum deles fazia questão de oferecer uma justificativa à visita. Apenas gostavam da companhia um do outro e queriam desfrutá-la.

“Hum... Julio Verne fez a sua carreira com livros desse tipo. E ele é genial.”

“Ok, já sei que você tem boas referências... Sua resposta é... ?”

Júlio riu, dando um soco amistoso nos ombros de Pietro.

“Você anda muito saidinho esses tempos.”

“Faz parte. Intimidade é uma merda, não acha?”    

O escritor concordou. Melancolia passava por seu rosto.

“Isso inclui a intimidade dos casamentos?”

“Oh, sim. Já assistiu aquela trilogia Before? Eu sou toda a Celine. Lembra quando ela diz que podemos conhecer ou desconhecer muito alguém, com o tempo? Ela... Vê a intimidade como uma possibilidade empolgante.”

“Agora você é quem está ostentando referências. Bom, mas existe o outro lado, não?”

“Qual outro lado?”

“Quanto mais você conhece alguém, mais tem munição contra ela. A resposta está no último filme da sua trilogia cult. Celine fala sobre a intimidade no primeiro filme. Mas no último, acontece a DR mais longa e genial do cinema. Aquela sequência dos dois brigando no hotel é linda e perigosa. Porque eles já têm anos de casamento. Sabem exatamente como machucar um ao outro. É um terreno minado.”

“Bom, eu ainda sou a Celine do primeiro filme. Romântica, sonhadora. E olha que fiquei com a Bruna por anos. Mas ainda espero conhecer o amor da minha vida num trem em Viena.”

“No meu caso, ainda espero acabar com meu casamento numa briga de mais de trinta minutos num hotel.”

Júlio se calou.

“Você não está falando sério, está?”

Ele respirou profundamente.

“Casamentos não são um mar de rosas. Pra você, como foi?”

“Frio. Mas ela é minha amiga. Sempre fomos. E às vezes nos magoamos. E... o seu?”

Júlio demorou a dar a resposta.

“Não somos amigos. Não somos amantes. Mas ele estava lá quando fiquei sozinho com Bel. Que acha?”

“Acho que isso se chama gratidão, não amor.”

“E o que seria amor, Pietro?” Júlio chegou perigosamente perto.

“O amor é tudo que nós dissemos que não era.” Retrucou Pietro.

O escritor riu.

“Bukowski. Acertei?”

Pietro fez que sim, satisfeito.

“Um gênio idiota.”

“Parece com você”

“Ah, é?” Ambos gargalharam “Não vou colocar seu nome nos agradecimentos do livro!”

“Eu sou homem para dedicatórias, Ju. Não para agradecimentos.”

Ele concordou, a mente estalando como a de um bobo adolescente: Ele me chamou de Ju!

x-x-x

Após sair da livraria, Júlio aproveitou o tempo livre e sozinho para passear pela cidade. Almoçou fora, sabendo que havia deixado comida pronta em casa. Precisava de um pouco de paz para pensar na própria vida. Seu casamento falido com Ricardo e como ficaria Bel caso seu pai resolvesse terminar tudo. A menina não gostava de conflitos e amava os dois. Como proceder em tal situação? Ainda mais com o sentimento que efervescia em seu coração, perto de transbordar. Pietro... E aquele seu bigode. Aquele maldito bigode. Podia ter se apaixonado pelo bigode, depois pela pessoa. Era isso. Júlio revirou os olhos com o pensamento de um homem bobalhão. Porém, quanto mais fugia, mais entrava na vida do outro.

Chegou em casa perto das sete da noite. Délia saía com Vitor e Vinícius toda a noite para tomarem sorvete. Às vezes, Ricardo e Júlio os acompanhavam com Bel. O escritor fez menção de entrar no quarto, agarrando a maçaneta, mas ouviu ruídos.

“Não! Nem pensar!” Ricardo repreendia Bel.

Júlio abriu a porta.

“O que está acontecendo?”

Ricardo foi sarcástico:

“Olha quem apareceu! Estávamos preocupados, sabia?”

 “Mandei mensagem pra você e pra Bel.”

“Só que eu não sabia que ia demorar tanto!”

“O que houve? Por que tava discutindo com ela?”

“O aniversário. Logo vai acontecer e a Bel ainda não entendeu que é horrível ela entrar na festa vestida de motoqueira!”

“Mas que mal tem, Ricardo?”

 “Ele quer que eu vá de princesa” Bel disse, resignada a não obedecê-lo.

“Que é chato e esperado, né filha? Deixa ela ir do que quiser.”

 “Desde que o mundo é mundo, meninas são princesas e homens são motoqueiros.”

“Délia manda lembranças. Dirige melhor que você.”

“Pai!” Bel sentiu o começo de uma nova briga “Tudo bem, eu uso um vestido.”

“Ótimo!” Ricardo bateu o martelo e saiu.

Júlio se abaixou para falar com a filha.

“Não precisa ser assim. Se não quiser o vestido, damos um jeito de fazer uma surpresinha.”

“Se eu for de motoqueira... Você promete que não briga com o papai?”

“Olha, isso eu não garanto. Talvez o Ricardo fique um pouco irritado, sim.”

“Que nem ele ficou quando viu as mensagens do Pietro?”

Ele se assustou.

“O quê? Ricardo mexeu no meu celular?”

“Por que não pode ser como era antes?”

Júlio não respondeu.

“Bel, Pietro é meu amigo. Vou continuar falando com ele, sim.”

“Amigo que é amigo não causa briga, né?”

“A culpa não é dele, meu amor. Vamos na cozinha ver o que tem pra comer?”

“Oba! Vamos!”

x-x-x

Júlio esperou Bel dormir para dizer ao marido que iria ficar no quarto da filha.

“Chegamos neste ponto, amor?” Foi sua resposta.

“Não precisa ser debochado. Você sabe muito bem o que fez.”

“Eu?”

“Meu celular. Você foi invasivo.”

“Sou seu marido. Tenho o direito.”

“Ser um marido dos infernos não te dá direito a nada, imbecil.”

Júlio bufou e bateu a porta. Eis que, em sua confusão, acabou parando em frente à porta do meio, com a chave na maçaneta. Ela não estava ali antes. Curioso, abriu-a e entrou.

x-x-x

Aquele imbecil quase arruinou a vida de Ernesto!

Para Luccino, não restavam dúvidas. Xavier era o responsável pelo acidente no cafezal. Desde que o irmão “comunista” tinha denunciado as situações humilhantes da fazenda, Xavier tornara a vida dele um inferno particular. A última: Ernesto trabalhava mais que os outros, chegando a desmaiar de cansaço, a pele ardendo pelo efeito da quentura do sol. Xavier submetia-o a humilhações de propósito. Júlio absorvera toda aquela raiva, mas não sabia onde estava. Era um galpão. Uma espécie de garagem. Noite.

Com a lamparina numa das mãos, observou alguns cavalos, inclusive o favorito de Xavier, e a moto que usava para competir nas corridas clandestinas. Luccino segurou firme o pedaço de madeira que escolheu para acabar com os pertences de Xavier. Por um momento, se lembrou das palavras de Otávio e da promessa que lhe fez... “Prometa pra mim que não irá fazer nada”. E Luccino concordou. Mas, como nunca, a raiva havia escalado seu corpo. Era injusto que homens como aquele saíssem impunes. A justiça com as próprias mãos parecia certa. E, mais uma vez, Otávio manobrava seus pensamentos... “O uso da força é monopólio do estado...”

  Desejando ser mais emocional que racional, Luccino, guiado por seus fortes impulsos, soltou as amarras dos cavalos e os espantou para fora da garagem. Os dois animais, assustados, saíram galopando. Com o pedaço de madeira, começou a estraçalhar a moto de Xavier, o que infelizmente fazia muito barulho.

Na passagem para ir ao galpão, Luccino se lembrava de ter visto uma cena surpreendente: Seu irmão, Virgílio, e o patrão, Xavier, falavam baixo e de rostos colados, Xavier em cólera e Virgílio com a postura desajeitada. Até que Virgílio o agarrou e beijou Xavier nos lábios com uma força animal, portanto bruta e selvagem. Chocado, aliado ao seu medo de ser pego, Luccino não viu o resto, mas o segredo pesava seu peito ao mesmo tempo em que o fazia compreender a obediência cega do irmão para com aquele crápula. Ali, existia uma paixão reprimida, não um amor, mas um desejo físico de possuir, de destruir o objeto desejado.

Arruinando a moto, Luccino não pensou que o barulho pudesse atrair os dois, caso ainda estivessem no mesmo lugar. Assustado, deu um salto ao ser tocado nos ombros por alguém. Era Otávio com duas garrafas nas mãos. 

“Otávio? Está fazendo o quê aqui?”

“Te protegendo! De si mesmo! Tava escrito na sua testa que você ia fazer uma bobagem com o embuste do Xatier, Luccino! Rápido, se esconde!”

“Embuste? Xatier?” Júlio reconheceu aquelas palavras como modernas demais no seu sentido para o que parecia ser um século passado em seu “sonho”.

Eles se acomodaram às pressas atrás dos montes de fenos.

Vinham Xavier e Virgílio de armas em punho.

“Quem está aí?”

Eles viram a moto destruída e abaixaram-se. Nesta hora, Otávio aproveitou a distração e passou uma das garrafas para as mãos de Luccino. Como se encontravam de costas, Xavier e Virgílio levaram, cada um, uma garrafa quebrada na cabeça, de Luccino e Otávio. Seus corpos despencaram, inconscientes.

Luccino respirava sôfrego.

“Você veio atrás de mim!”

“Claro! Eu me sinto na obrigação como seu namorado!”

Luccino sorriu, aliviado e ensopado de suor. Beijou Otávio à luz fantasma que cobria o galpão de Xavier. Um toque trêmulo de suas bocas, mas não menos intenso, acalorado pela pressão da situação. Após o beijo, sorriam um para o outro, mas se apressaram para correr antes que seus algozes acordassem. Luccino deixou cair a boina. Júlio pensava que aquele era um sonho. Afinal, qual realidade misturava termos modernos com um cenário dos século XIX? Mas havia um detalhe: Pietro também tinha viajado naquela mesma noite sem, no entanto, perceber como Júlio percebeu, que os dois tempos se cruzaram inesperadamente.    


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