Punição divina escrita por Aislyn


Capítulo 2
Capítulo 2


Notas iniciais do capítulo

Eu ouvi um amém? lol



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Akaashi sentiu-se arrepiar dos pés à cabeça, pois reconheceu a voz. Era a criatura, mais uma vez. Levantou-se com um pulo, estendendo a mão para abrir a portinhola do confessionário, mas ela não se moveu. Puxou com força mais algumas vezes, mas já havia notado que era em vão.

 

— Me deixe sair! – pediu num sussurro, mas com urgência na voz.

 

— Por que me teme? Age como se eu já tivesse lhe causado mal…

 

— E não causou? À mim e à cidade… todos esses desastres, vieram com sua chegada.

 

— Acho que já comentei que não fui eu, padre… Akaashi, não é? Só me dê um instante. Depois, prometo ir embora.

 

— Libere a porta. – pediu Akaashi, ainda com a mão em volta da maçaneta, as juntas dos dedos doendo pela força que exergia – Como prova de sua boa vontade. Eu vou lhe ouvir, em troca.

 

— Não sabia que padres eram adeptos à negociações. – a voz respondeu de volta em tom de zombaria, mas foi possível ouvir um clique e a porta se abriu em seguida. Akaashi respirou aliviado, voltando a encostá-la e se sentando a seguir. Ia cumprir sua palavra e esperava não se arrepender daquela decisão.

 

— O que quer de mim?

 

— Eu não disse? Estou em busca de perdão.

 

— Perdão pelo que?

 

— Pelas coisas que eu fiz e outros não gostaram.

 

Akaashi suspirou ruidosamente, massageando as têmporas. Não conseguia afastar aquela ideia de que estava participando de uma brincadeira, um joguinho daquela criatura.

 

— Você não queria se confessar? – o padre tentou explicar, com toda a paciência que tinha, como se conversasse com uma criança – Não entendeu o que se faz nesse momento?

 

— Bom, sim… na essência. Seus seguidores contam o que fizeram de errado. Mas eu não acho que seja errado o que eu fiz.

 

— Então por que quer ser perdoado se não acha que errou?

 

— Independente do que aquelas pessoas fizeram, você não as perdoou? Não pode fazer o mesmo por mim? Não foi isso que lhe ensinaram? Amar e perdoar? Use-me para testar seus ensinamentos e sua fé.

 

O padre comprimiu os lábios com força, mostrando o tamanho de sua indignação. Não era assim que as coisas funcionavam, em teoria aquele ser estava correto. Talvez fosse melhor não insistir.

 

— Eu o perdôo de seus pecados.

 

Após proferir aquelas palavras, o silêncio tomou conta do ambiente de um modo pesado, frio. A criatura olhou ao redor um instante, como se esperasse que algo grande acontecesse, mas tudo permaneceu na mais perfeita calma. Akaashi sentiu o peso em seus ombros sumir, havia cumprido sua palavra e fez o que foi pedido. Levantou-se da cadeira, dessa vez abrindo a porta sem dificuldades, respirando aliviado ao se ver alguns passos distante do outro, mas sabia que ela não era suficiente para garantir sua segurança.

 

— Funcionou? – a voz veio num murmúrio do confessionário ao lado do que ocupava, mas o padre não queria saber do que se tratava. Não era curioso àquele ponto. Ele não se importava com aquela criatura. Só queria que ele parasse de trazer o caos.

 

Ouviu a portinhola sendo aberta, mas ninguém saiu de lá. Olhou ressabiado pela fresta, mas o cubículo parecia vazio e também não sentia mais aquela presença estranha. Fechou os olhos, levando a mão ao peito onde o crucifixo pousava, apertando-o e agradecendo por enfim se encontrar sozinho.

 

* * *

 

As janelas balançavam desordenadas devido à força do vento, como se uma tempestade estivesse à caminho, o que não seria ruim, de forma alguma, mas nenhuma gota de água se desprendia do céu.

 

Akaashi olhou a paisagem através da janela, nuvens pesadas rondando a região e as árvores se inclinando, quase sendo partidas ao meio. Precisava fechar as janelas ou não conseguiria voltar a dormir, mas não tinha vontade de levantar. Ainda se sentia exausto, mas sabia que o cansaço era mental e não se resolveria apenas com uma boa noite de sono. Queria que a calmaria de antes voltasse…

 

Ergueu-se após soltar um longo suspiro, olhando para as ruas vazias da cidadezinha enquanto cerrava as janelas, se perguntando se aquilo um dia iria passar. Será que era mesmo o único que via o culpado de tudo andando à solta por ali ou alguém mais o enxergava, mas temia as consequências de falar a respeito? Ele mesmo não havia contado a ninguém, não queria ser apontado como louco e também temia o que aconteceria consigo.

 

Deitou-se novamente na cama, os olhos fechados num pedido silencioso para que o sono retornasse, mas quando se virou para o outro lado, ele estava lá, ajoelhado ao lado de seu leito, uma mão apoiada na beirada enquanto a outra era estendida em sua direção, tremendo.

 

— Me deixe ficar… – a criatura pediu num sussurro, olhando de relance para a porta fechada antes de encará-lo de novo – Por favor…

 

— O que… – Akaashi tentou se afastar, mas se viu preso no lugar, como aconteceu no primeiro encontro nas escadas da igreja – Está fazendo isso de novo! Pare!

 

— Preciso que volte atrás na sua palavra. Me deixe ficar aqui!

 

— Do que está falando? – Akaashi sentiu seu corpo gelar ao ter sua mão envolvida pela do outro ser. Os dedos dele estavam enregelados e pálidos, sendo visível mesmo com a parca luz vinda da vela em sua cabeceira que, se não se enganava, havia sido apagada quando decidiu ir dormir. E mesmo que tivesse esquecido de apagar, não permaneceria acesa com o vento que invadiu o ambiente instantes atrás.

 

— Você não tem noção do quanto suas palavras tem poder… preciso que me aceite aqui, na igreja. – outro olhar desesperado para a porta, mas Akaashi não entendia e nada ouvia de estranho – Diga que sou aceito aqui. Que eu posso ficar.

 

— Por que eu faria isso? – o padre puxou seus dedos de volta, apertando-os contra o peito para tentar aquecê-los – Você confirmou que o caos veio junto consigo. Por que eu iria querer que ficasse?

 

— Não fui eu, acredite em mim!

 

— Como vou acreditar se não me conta toda a história e toda a verdade? Você queria perdão, eu dei. Agora quer permanecer aqui, para trazer mais caos?

 

— Eu vou contar o que deseja saber, prometo! Só me deixe ficar!

 

— Tenho sua palavra? Vai me contar tudo e agora?

 

— Sim.

 

Akaashi sabia que ia se arrepender. Alguma coisa estava errada… mas mesmo assim, não conseguia negar ou guardar rancor.

 

— Você é bem vindo aqui. – junto com a permissão veio um leve toque no ombro da criatura, que baixou a cabeça contra o colchão, aliviado por tirar aquele peso das costas.

 

Sem fazer cerimônia, o ser alado se acomodou na cama ao lado de Akaashi, deitando de frente para o padre e sorrindo-lhe agradecido, o tremor e a insegurança haviam desaparecido, como se ele nunca tivesse implorado por ajuda.

 

— Eu quero respostas. – Akaashi exigiu, recebendo um aceno afirmativo – O que você é?

 

— Um anjo. – a resposta veio acompanhada de um olhar levemente surpreso e divertido – De tudo que poderia me perguntar, isso era algo que imaginei ser possível deduzir sozinho.

 

— Eu precisava confirmar. Então é um anjo caído… um demônio? Vai se tornar um se continuar por aqui?

 

— Não, não. Não sou um dos caídos. Digamos que estou aqui apenas… ahm, como dizer… de castigo! Isso! Quando se apronta e te colocam pra pensar nos seus atos.

 

— O que fez para merecer esse castigo?

 

— Oh, que curioso você é! Uma pena não poder contar! Tenho certeza que acharia uma história muito interessante!

 

— Eu disse que quero respostas. Foi o trato para permanecer aqui!

 

— Eu sei… – o tom brincalhão de antes sumiu e o anjo pareceu incomodado – Por favor, não me cobre isso. Não quero que seja cúmplice. Realmente prefiro e acredito que é melhor você não saber.

 

— … – Akaashi suspirou frustrado, negando com um aceno. Começaram mal – Tudo bem… vou acreditar dessa vez. Qual seu objetivo?

 

— Objetivo?

 

— Sim, o motivo de estar aqui na cidade.

 

— Não tenho um, na verdade. – o anjo inclinou-se sobre o clérigo, cutucando a junção franzida entre suas sobrancelhas – Eu só caí e tive a sorte de encontrar alguém que me vê.

 

— Por que não foi para outro lugar atrás de outros que possam te ver e te ajudar? Que negócios teria numa cidade tão pequena?

 

— Não é como se eu tivesse algo melhor para fazer, tanto aqui quanto em qualquer outro lugar. Não acho que alguém possa realmente me ajudar e menos ainda podem me ver. Então apenas decidi ficar, esperando esse tempo de castigo passar.

 

— Suponho que não saiba também quanto tempo isso vai durar… Pode pelo menos parar de trazer tantos desastres à cidade? Precisamos de água, de ir à cidade grande em busca de um médico…

 

— Você ainda não acredita em mim… eu disse que isso não é culpa minha.

 

— Então de quem é a culpa? De quem está te seguindo? É um anjo também?

 

— Não… bom, sim. A culpa é desse outro… mas não é um igual a mim… – o anjo olhou para a porta, como se confirmando que não havia nada ali para observá-lo.

 

— Por que ele está atrás de você? O que esse outro quer?

 

— Brincar? Me matar, talvez. Eu realmente não sei.

 

O anjo falou aquilo com tamanha calma, como se o medo anteriormente visto não existisse, mas que deixou Akaashi em alerta. Ele sentou-se apressado, saindo da cama e caminhando até a porta do quarto, mas o anjo bloqueou seu caminho, negando com um aceno.

 

— Ele não pode entrar aqui. Você e seus colegas estão seguros.

 

— Como pode ter tanta certeza?

 

— Sua força de vontade em acreditar, essa fé, o impede de vir aqui. Você e outros dos seus, tem uma crença muito forte que os protege.

 

— Então o resto da cidade está em perigo… – Akaashi murmurou frustrado, tentando não se sentir impotente – Há algo que eu possa fazer para expulsar esse outro daqui?

 

— Ele não vai machucar ninguém, já que está atrás de mim. Não há ninguém na cidade com quem eu me importe, ele não pode usar para me afetar. Quando eu for embora, ele também irá e estarão livres de todos os problemas.

 

— Pra você tanto faz se alguém se machucar… age como se todos aqui fossem aguentar até você partir, sabe-se lá quando! – Akaashi se segurou para não gritar com a criatura, apertando as mãos em punho – Estão todos com medo, doentes, desesperados e a culpa é sua! E você diz que não se importa com ninguém! Você não é muito diferente desse demônio que está à sua procura… mesmo que diga que não é culpado dos desastre, eles estão acontecendo por sua causa.

 

O padre deu as costas para o anjo, voltando para seu lugar na cama, fazendo questão de ocupar todo o espaço nela.

 

— Até quando pretende ficar no meu quarto?

 

— Até o amanhecer… – respondeu com pesar, sabendo que o outro tinha razão. Caminhou até a cama, sentando-se no chão ao lado dela, apoiando apenas a cabeça na ponta do colchão – Pela manhã é mais seguro. Você está certo. Preciso afastar essa presença daqui. Não posso deixar que o mal se espalhe por minha culpa.

 

— Tentando se redimir?

 

— Acha que isso é o bastante? – o anjo questionou baixinho, encarou as costas do padre com curiosidade, sabendo que o perdão dele não foi o suficiente para livrá-lo da punição. Contudo, não tinha certeza se uma boa ação, totalmente calculada, valeria de alguma coisa.

 

O silêncio se fez presente no quarto por um longo instante e, mesmo que Akaashi estivesse tenso pela presença estranha em seu quarto, o dia agitado cobrava seu preço e o corpo pedia por descanso. Sentia seus olhos pesarem, mas sentia também que, se adormecesse, perderia alguma coisa.

 

— Teve algo que você não me perguntou. – comentou o anjo algum tempo depois, recebendo um resmungo como resposta.

 

Akaashi virou-se em sua direção, esfregando os olhos para tentar afastar o sono, mas mal conseguia se manter consciente. O anjo sentado ao seu lado no chão parecia apenas um borrão com um brilho dourado à sua volta e seria uma imagem bonita se não o assustasse.

 

— Esqueci algo importante? – conseguiu enfim questionar, tentando puxar em sua mente a conversa de instantes atrás – O que é?

 

— Meu nome. Você perguntou o que eu sou, mas não quem eu sou.

 

— Quem você é? – Akaashi repetiu a pergunta, sem ter certeza que havia entendido. Queria saber que tipo de criatura o outro era, mas não pensou a respeito de nomeá-lo.

 

— Koutarou. – o anjo contou animado, abrindo um pequeno sorriso, como se tivesse aprontando uma travessura – Adotei esse nome para usar enquanto estiver aqui.

 

— Kou…? É um bom nome… – Akaashi sorriu-lhe de volta, sem entender porquê. Sentiu um afago em seus cabelos antes de cair num sono profundo, não podendo afirmar com certeza se ouviu o anjo agradecendo-o novamente por permitir que ficasse consigo.

 

* * *

 

Na manhã seguinte, Akaashi acordou sozinho em seu quarto, sem nenhum sinal de que outra pessoa ou criatura havia passado a noite ali. Uma única pena havia sido deixada ao lado de seu travesseiro.

 

— O rio está enchendo! – o quarto foi invadido por um senhor em roupas eclesiásticas, que o apressou a se levantar no mesmo instante – E um pessoal da cidade grande está do outro lado da ponte. Ouviram sobre a queda e estão com todos os materiais e pessoal à postos, prontos para começarem a reforma.

 

— Mas… como? – Akaashi levantou e se aprontou para confirmar com os próprios olhos, mas no fundo ele sabia o que tinha acontecido. O anjo, Koutarou, havia cumprido com sua palavra!

 

Todas as situações e problemas que surgiram no vilarejo foram sumindo, uma a uma. A água voltou ao rio, alguns animais pareciam mais fortes e bem alimentados, alguns acamados se levantaram para olhar as ruas. Era como se uma nuvem negra tivesse se dissipado e levado consigo todo o mal.

 

Motivados pela visível melhora, as orações do povo naquele dia estavam repletas de alegria e agradecimento. Não havia uma pessoa que não sorrisse ao passar por outra na rua ou não oferecesse ajuda.

 

Exceto Akaashi.

 

Algo naquela benção o deixou ressabiado. Akaashi tinha certeza que sabia o que era, mas não queria pensar naquilo ou confirmar suas suspeitas. Não queria pensar que o anjo havia partido e levado consigo seu perseguidor. Não o queria ali, é claro, causando mal a todos na cidade, mas não importava que ele ficasse, desde que não trouxesse o caos.

 

Naquele dia, ficou acordado até tarde da noite, olhando para a porta do quarto e para a janela, mas nada nem ninguém surgiu ali, pedindo para passar a noite. Nenhum movimento ou som estranho, nada diferente pela cidade e nem na igreja. Nenhuma presença que o arrepiasse, nada de olhos encarando-o pelas costas, observando seus passos.


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Notas finais do capítulo

Continua...? >3



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