Punição divina escrita por Aislyn


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura e feliz natal!



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A igreja permaneceu cheia durante todo o dia, com vários fiéis comparecendo em busca de bênçãos, conselhos e, principalmente, para se confessarem.

 

No último mês algumas situações estranhas tiveram início e trouxeram consigo o medo de continuar morando por ali. Era uma cidade pequena, de onde muitos tinham vontade de sair, principalmente os jovens, mas devido à várias dificuldades, como distância e mantimentos, a maioria desistia antes mesmo de tentar. Contudo, devido aos últimos acontecimentos, famílias inteiras começaram a tocar no assunto de abandonar suas vidas e seus lares para tentarem a sorte em uma cidade maior.

 

O dia de orações foi longo e exaustivo, mas os padres só respiraram aliviados após fecharem as portas da igreja. Precisavam encontrar uma solução o quanto antes para ajudar o povo. O médico que visitava o vilarejo só aparecia uma vez por mês devido à longa distância que devia percorrer, mas os clérigos entendiam o suficiente para diferenciar uma doença comum de uma praga. Por outro lado, as doenças misteriosas não eram os únicos problemas.

 

— Eu já não tenho a mesma disposição de antigamente… – resmungou um velho senhor, caminhando para a lateral da igreja que levava ao corredor dos quartos dos residentes – Não vai se recolher também, padre Akaashi?

 

— Ainda não… quero aproveitar o silêncio e rezar um pouco mais. – o rapaz de cabelos negros e curtos caminhou pelo corredor central da construção, parando em frente à cruz. Olhou de relance para os colegas que se afastavam, agradecendo por nenhum deles querer ficar consigo. Aquela sensação estranha havia voltado e Akaashi tinha suspeitas do que a causava.

 

Dias atrás, em uma de suas orações no fim da tarde, sentiu uma presença às suas costas e, quando se virou, por um breve instante seu olhar cruzou com outro envolto em dourado, encarando-o do alto do vitral. Durou poucos segundos e depois sumiu, como se fosse apenas o reflexo de algo passando pelo outro lado da janela, causando a mudança de luz. E agora a sensação estava de volta. Algo o observava e ele queria saber o que era e o que queria. Se algum de seus colegas teve aquela mesma impressão, não deixou transparecer em nenhum momento.

 

Ajoelhou-se diante da cruz, suspirando fundo e fechando os olhos enquanto pedia baixinho por proteção. Não sabia com o que iria lidar, mas sentia que se aproximava. A cidade andava tão inquieta nos últimos tempos, primeiro veio uma chuva de meteoritos que caiu nas redondezas, destruindo a ponte de acesso que levava à capital e matando alguns animais. Depois vieram as doenças e então a seca do rio que abastecia a região. Se aquilo não se resolvesse em breve, logo os moradores estariam brigando entre si por água e comida. Os que sobrevivessem, claro.

 

Os colegas de celibato não tardaram em anunciar que era uma punição divina. Estavam sendo castigados por serem desleixados com suas crenças. Não frequentavam a igreja, não faziam oferendas, não se confessavam como antigamente e tudo isso estava pesando sobre suas vidas. Contudo, a verdade por trás daquele anúncio era descobrir se alguém sabia de algo. Dia após dia se colocaram à disposição dos moradores, mas ninguém havia dito nada relevante.

 

— Eu vim me confessar… padre. – Akaashi sentiu um arrepio subir por sua coluna e seu corpo se negar a mover. A voz grave sussurrou extremamente próxima ao seu ouvido e a sensação de algo leve roçando seu rosto foi sentida. Apertou o crucifixo com força nas mãos antes de se virar de súbito, sobressaltando ao encontrar o vazio.

 

Estava delirando, era isso. Não havia presença nenhuma às suas costas. Estava cansado e estressado com tudo que vinha acontecendo na cidade e agora imaginava coisas. Devia ter seguido seus colegas para os quartos. Tudo o que precisava era de uma boa noite de sono.

 

Akaashi suspirou longamente, aliviado, voltando a se virar com a intenção de levantar e se recolher, quando seu olhar cruzou com outro, a sensação de estática o envolvendo. Havia um homem sentado à sua frente, nos degraus do altar, encarando-o fixamente com um sorriso de canto.

 

Tudo naquele homem remetia à pureza; vestes brancas com detalhes dourados nas mangas e na gola e olhos também em tom de ouro. A única particularidade que contrastava com a brancura eram os cabelos bicolores, algo entre o cinza prateado e um cinza mais escuro.

 

A criatura o encarava de cima, analítico, inclinando o rosto quase imperceptivelmente, como se tentasse captar algo de algum outro ponto.

 

Akaashi tentou sair do lugar, tentou se afastar, mas se sentia preso ao chão. Seu coração, por outro lado, batia freneticamente, como um sinal para que agisse o quanto antes, mas ele não conseguia.

 

A entidade recém-chegada ficou parada, em observação, mas algo às suas costas chamou a atenção do clérigo, que só então notou as asas que se moviam mesmo sem a presença de vento. Como não as havia notado antes? Era como se sua atenção fosse atraída para onde o outro queria que ele olhasse.

 

* * *

 

Akaashi acordou sobressaltado, levando a mão ao peito, numa tentativa falha de acalmar as batidas loucas de seu coração, notando as roupas ensopadas de suor, grudadas em sua pele.

 

— Um sonho…? – ele estava rezando em frente ao altar e então um movimento e um brilho dourado. O que havia sido aquilo? Não se lembrava de ir deitar.

 

Olhou para a única janela presente no cômodo, notando que o sol já ia alto no horizonte, o que significava que estava atrasado para suas atividades diárias. Deixaria para pensar no sonho quando e se tivesse tempo.

 

Ajeitou-se o mais rápido que pode, indo se desculpar com seu superior antes de procurar o desjejum mas, para sua surpresa, a maioria dos colegas se encontrava no refeitório, também atrasados para suas atividades.

 

— Eu fui procurar o bispo para me desculpar pelo atraso, mas ele mesmo ainda estava na cama, dormindo. Foi como se a igreja estivesse sob uma magia de sono! – contou um dos padres, arrancando resmungos indignados de outros. Eles não acreditavam nisso de magia. Certamente era obra de alguma criatura maligna!

 

As tarefas foram distribuídas após a refeição, a maioria dos clérigos sendo encaminhada para atender os moradores, outros fizeram grupos de oração e alguns poucos foram para as ruas, visitar os que estavam impossibilitados de comparecer pessoalmente por estarem doentes. Akaashi ficou responsável por tocar o sino nos horários pré-determinados e também auxiliar na cozinha para o preparo das refeições. Não lhe agradava subir as escadas da torre várias vezes no dia, mas como era uma tarefa rotativa, ele não se importava de executar.

 

O clérigo suspirou fundo ao chegar ao topo, sentindo vontade de sentar e recuperar o fôlego, mas não podia atrasar mais as atividades. Seus colegas dependiam daquele sinal para começar as tarefas.

 

Após a primeira badalada, uma lufada de vento o fez parar, obrigando Akaashi a se apoiar na mureta, temendo cair dali de cima. As paredes de segurança chegavam à sua cintura, tinham altura o suficiente para mantê-lo seguro, mas mesmo assim não deixava de temer. Olhou para baixo, medindo o tamanho do estrago, mas afastou-se apressado, notando que algo um pouco abaixo de si o observava.

 

Aquela… coisa estava de volta. Não havia sido um sonho!

 

— Você pode mesmo me ver! – a criatura surgiu no alto da mureta, sentando-se para observá-lo, um sorriso satisfeito surgindo em seus lábios.

 

Akaashi olhou ao redor em busca de uma saída, mas sua única opção seria descer as escadas novamente, contudo, tinha dúvidas sobre ser mais rápido que aquela criatura. Ela tinha asas, podia facilmente alcançá-lo.

 

— Eu não vou fazer nada. Não precisa fugir. – descendo da mureta e caminhando devagar em sua direção, a criatura ergueu as mãos à frente do corpo, como se mostrar que elas estavam vazias diminuísse a tensão. Akaashi afastou na outra direção, praguejando por se distanciar das escadas.

 

— O que você quer? – Akaashi questionou baixo, sua voz saindo mais forte do que imaginou ser possível, levando em conta que precisou se apoiar na parede, já que suas pernas tremiam, ameaçando derrubá-lo no chão.

 

— Eu vim atrás de perdão. – o ser alado respondeu como se aquilo fosse óbvio e talvez fosse pra ele.

 

— Perdão? Pelo caos que está causando na cidade? – a chuva de meteoritos, a queda da ponte, a morte de alguns animais, os períodos de seca, as doenças estranhas, tudo que aconteceu de ruim desde aquele dia… tinha que ser culpa dele!

 

— Não. Não sou eu que estou causando isso.

 

— Como não? Você é a única coisa desconhecida que apareceu por aqui ultimamente.

 

— Só porque não viu mais nada, não quer dizer que eu seja o único culpado.

 

— Trouxe mais alguém com você?

 

— Não… digamos que fui seguido.

 

— Então não deixa de ser sua culpa. – Akaashi fechou os olhos por um instante, sentindo-se zonzo. Conversar com aquela criatura não estava ajudando – Você não é bem vindo aqui.

 

— Por que não? Eu me sinto tão à vontade na igreja, com todas essas orações, essa fé sem medidas, todo o apoio que oferecem aos moradores… Por que não posso ser tratado como um deles, ouvir suas palavras de apoio e receber seu perdão? Você perdoou o mercador que traiu a esposa, o filho que roubou os próprios pais, a donzela que não esperou o casamento para ter o primeiro beijo, a senhora que… Desculpe a pergunta, padre, mas você tem medo de altura?

 

Akaashi nunca se imaginou fazendo aquilo, mas soltou uma risada irônica. Uma criatura alada estranha postava-se à sua frente, mas seu medo era devido ao local alto, que conclusão óbvia! Não acreditava na ingenuidade do outro, então só pode concluir que estava sendo zombado.

 

— Padre?

 

Um simples piscar de olhos e a criatura sumiu de suas vistas. Passos ecoaram pelas escadas, junto com o chamado que se repetiu e logo um de seus colegas surgiu à sua frente, esbaforido pela longa subida.

 

— Ah, aqui está você! Estávamos preocupados pela sua demora em retornar e com todos os recentes acontecimentos… pensamos que algo podia ter acontecido…

 

— Desculpe a preocupação. Fui observar a cidade e pensar em tudo que está acontecendo. Perdi a noção do tempo.

 

Akaashi se recriminou pela mentira, mas imaginou que o outro clérigo não acreditaria caso contasse a verdade. Diria que estava louco ou que alguma dessas doenças estranhas o afetou também. Era melhor tentar resolver sozinho, já que ele parecia ser o único que via a criatura.

 

— Pediram para você participar do atendimento ao povo. Quanto mais de nós puder ajudar, melhor para todos.

 

Um último olhar para o espaço vazio ao redor do sino e um suspiro cansado. Akaashi negou com um aceno, enquanto descia as escadas. Talvez estivesse mesmo ficando louco.

 

* * *

 

Outro longo dia chegava ao fim mas, diferente das outras vezes, Akaashi não estava feliz em retornar ao seu quarto para descansar. Queria que a noite de confissões se estendesse até o amanhecer, pois seu receio que a criatura voltasse a noite, quando estava sozinho, era grande. Não entendia o que ela queria e nem o motivo de tê-lo abordado, mas não queria passar por aquilo novamente.

 

A porta do confessionário foi fechada e logo o padre tratou de afastar aqueles pensamentos de sua mente. Precisava se concentrar na pessoa a sua frente, tentar confortá-la ou lhe dar um sermão, conforme fosse necessário.

 

— Me perdoe, padre. Pois eu pequei. – era ele.


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Notas finais do capítulo

Continua!
Boas festas e bom fim de ano!

A continuação vem em 2019! Me aguardem!!!



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