jōnetsu no hana escrita por wolfnir


Capítulo 1
Parte I




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/772015/chapter/1

 

Parte I

 

Se Dazai Osamu tivesse que adivinhar, provavelmente diria que havia se apaixonado por Nakajima Atsushi durante uma de suas tardes ociosas após completar algum trabalho que Ranpo-san havia se negado a aceitar.

Eles haviam pegado o último trem antes do anoitecer, com Yokohama sendo banhada na luz caleidoscópica do pôr-do-sol que sempre agraciava a cidade portuária. Ao seu lado Atsushi se encontrava levemente desordenado, os cabelos varridos pelo vento, as roupas levemente desgrenhadas e os olhos levemente caídos em sonolência. Para Dazai aquela era uma imagem adorável e preciosa, era raro ver aquele tipo de aura tranquila no menino sempre tão ansioso, atento e assustado como um gato.

Fazia algum tempo desde que os dois haviam saído para um trabalho juntos, Kunikida sempre o importunando para terminar sua papelada e Atsushi sempre sendo o bom trabalhador que era acompanhando Ranpo-san em seus poucos trabalhos, ajudando Yosano-sensei na enfermaria e ajudando Kyouka-chan em todo o percurso de deixar de ser uma assassina para ser uma simples criança ajudando pessoas da sua maneira. Além disso, os meses anteriores haviam sido um percurso sombrio na vida de todos os membros da ADA, seu confronto com Fyodor quase terminando em uma catástrofe de repercussões inigualáveis para os detetives.

Agora os tempos eram de uma paz levemente caótica, mas sendo essa a rotina normal para os membros da ADA, Dazai poderia considerar aquilo uma conquista completa. Ele foi tirado de seus pensamentos por um leve peso em seu ombro que antes não se encontrava ali, surpreso Dazai olhou para a cabeça de Atsushi encostada displicentemente em seu ombro, os fios de luar contrastando com o bege escuro de seu casaco inseparável. Os olhos do menino se encontravam completamente fechados, sua respiração profunda e regular indicando que Atsushi se encontrava em um sono profundo.

Por algum motivo, Dazai sentiu sua pele quente, um avermelhado se alastrando desde as pontas das orelhas até suas bochechas. Tentando se distrair das sensações confusas que sentia, o moreno olhou ao redor, observando os outros passageiros imersos em seus próprios mundos, enquanto levava sua mão livre até o rosto, tentando esconder dos outros a prova de que se encontrava abalado por toda a situação.

Osamu não sabia bem o porquê de todo aquele constrangimento, ele já havia visto Atsushi adormecido nas poucas vezes em que o menino havia tido que ser tratado pelas habilidades de Yosano-sensei ou após longas horas usando as habilidades do Tigre. Ele até mesmo já havia tido que carregar o corpo inconsciente do menino durante todo o conflito com a Guilda e seu plano de usar a macabra habilidade de Yumeno.

Não havia porque ele sentir-se daquela maneira por conta de algo tão mundano quanto Atsushi se deixar adormecer em seu ombro. Mas Dazai sabia que era exatamente esse mundano que o havia pegado desprevenido.

Ele não era de se deixar levar por sua escolhas e pecados do passado, mesmo que algumas vezes seus pesadelos eram reais demais e suas muitas noites insones eram gastas em um torpor bêbado ao tentar esquecer a sensação grosseira de sangue em suas mãos, mas ainda era difícil entender como alguém tão bom poderia se deixar completamente vulnerável em sua presença, nem mesmo Kunikida se deixava chegar a esse ponto, nem mesmo antes de saber que Dazai havia sido parte da Máfia do Porto, entrado de bom grado e sido coroado como um dos tão temidos Executivos.

Era quase inconcebível ter alguém tão vulnerável perto de si, tão confiante que Osamu não faria nada de ruim a essa pessoa. Claro, Dazai nunca faria nada que machucasse propositalmente o menino adormecido em seu ombro, ele nunca se perdoaria se causasse mais sofrimento para Atsushi, não quando ele sabia que sua vida antes havia sido repleta de dor e solidão. Osamu gostava de pensar que não era tão cruel assim, que havia aprendido um pouco com o calor e compaixão que Odasaku o havia fornecido tantos anos antes.

Talvez tenha sido por isso e pelo choque de toda a situação que Dazai escolheu não se mover e deixar Atsushi continuar assim, com a cabeça deitada em seu ombro, adormecido e ignorante do mundo ao seu redor, deixando-se confiar completamente em Dazai Osamu, com as mãos tão sujas de sangue e um coração negro e caótico como um buraco negro. E Dazai, sentindo-se auto-consciente e quebrado demais para merecer tanta bondade fornecida por alguém como Atsushi, faria o máximo para que aquela confiança valesse a pena, mesmo que fosse manter o corpo esguio do mais novo próximo de si, enquanto o trem tremulava, quase sonhadoramente, em direção ao céu de aquarela que sempre lembrava a Dazai dos olhos raros do menino sempre tão gentil que carregava uma fera dentro de si.

No final da curta viagem, Dazai vai acordar Atsushi do modo mais suave e gentil possível, deixando sua mão se enredar levemente nos fios de prata em uma carícia despretensiosa. Ele deixa sua voz, que ele sempre usa em diferentes entonações dependendo da máscara que ele decide usar na ocasião, se transformar em um sussurro rouco, banhado em caramelo como se quisesse fazer Atsushi voltar a adormecer, mas em vez disso o persuade a se levantar e sair do trem, em direção a um pequeno restaurante onde vende ochazuke.

Naquela noite, após Dazai ter, para a grande surpresa do menino, pagado pelo jantar, os dois caminham o resto do curto caminho em direção ao prédio de apartamentos que a ADA possui perto do escritório. A brisa noturna não era desconfortável para os corpos quentes e saciados dos dois, mas Dazai preferia que chegassem logo em casa, Atsushi estava cansado e até mesmo ele já sentia a exaustão do dia lhe consumir aos poucos.

Enquanto andavam lado a lado, por um momento Dazai sentiu falta da cabeça de Atsushi em seu ombro, do subir e descer suave de seu peito enquanto dormia, do calor que havia se infiltrado em Dazai quando ele o havia abraçado naquele trem. Foi uma sensação breve, mas que fez algo dentro do homem de bandagens se contorcer de maneira pungente em seu peito, mesmo que o arrepio que tenha cravado-se em sua espinha não tenha sido ruim.

Por um instante Dazai parou em sua caminhada, deixando Atsushi caminhar a sua frente, mas logo ele voltou a se mover, querendo alcançar o menino que, de alguma forma, agora parecia escapar por entre seus dedos, se tornando uma imagem difusa e inalcançável, como uma miragem.

Ah, eu o amo, ele pensa em uma surpresa tranquila, como se seus ossos, músculos e nervos já soubessem daquilo, mas que ainda faltava seu coração reconhecer. Eu o amo, ele repete com mais confiança, sentindo uma supernova implodir dentro de si, criando uma sensação sufocante de sensações que Dazai, em seus vinte e quatro anos, quase vinte e cinco, nunca pensou ser possível sentir.

 

 

Os dias passam o mais tranquilo possível para todos na Agência de Detetives, Kunikida ainda mantém seu prezado caderno de ideais tão perto de si quanto possível, Ranpo agora arrasta Poe para todas as lojas de doce da cidade — enquanto aumenta ainda mais a ansiedade do pobre homem — e Naomi continua a insinuar coisas para o irmão que todos fingem não entender ou escutar.

Dazai, na visão dos outros, é o mais constante entre todos. Ele continua seus dias fugindo de papelada, irritando Kunikida e divagando sobre os métodos de suicídio que quer tentar com sua amante idealizada e inalcançável. Mas, quando a noite cai e todos dormem, ele se deixa largar sua máscara de normalidade forçada e contempla sobre os acontecimentos do dia.

Osamu pensa em Atsushi, timidamente animado com a perspectiva do que o fim de ano promete — das festas da Agência cheias de alegria, boa comida e presentes trocados e da visita anual que todos fazer ao santuário mais próximo quando o fim do ano chega — são coisas que, para Dazai, é algo próximo do normal, mas que ele sabe que Atsushi nunca experimentou em sua vida. A alegria do Natal ou as cento e oito badaladas do sino anunciando o ano novo.

Ele mesmo não é ligado a coisas como religião ou espiritualidade, Dazai não consegue achar conforto em algo tão inalcançável quanto um deus que se diz observar e proteger sua criação. Mas, desde que ele entrou para a ADA, ele se encontra indo com os outros para a primeira visita ao templo e compartilhando de bons momentos, cercado de jogos e comidas típicas do oshougatsu. Dazai também sabe que Ranpo é como ele, sem uma crença em algo tão insolúvel, mas os dois por muito tempo foram lobos solitários e que estar cercado por pessoas que o aceitam — mesmo que minimamente — é uma sensação viciante e sempre jubilosa demais para se negar.

Deve ser bom ser tão inocente, ele pensa em uma contemplação suave. Dazai sabe que Atsushi não é realmente inocente, o menino viu muito da escuridão do mundo antes de encontrar uma luz no fim do túnel e, ainda assim, ele pensa em como o jovem de dezoito anos não sabe, realmente, quase nada sobre o mundo. Ele vê isso quando Tanizaki, Naomi e Kyouka insistem em fazer Atsushi comer algo além de ochazuke, em como ele é encantado pelas histórias de Kenji sobre sua pequena cidade rural no meio do nada.

Atsushi-kun é como uma criança, é quase adorável, e esse pensamento traz um sorriso pequeno e uma sensação quente ao peito de Dazai, mas logo a sensação morre ao se lembrar que não é só em pequenas coisas como provar novas comidas e se alegrar com uma visita há um santuário que tornam Atsushi em alguém inocente, é também em como o menino não entende coisas como bondade recíproca, ou como ele sempre parece querer negar qualquer elogio que receba como se não fosse digno, é no fato de que, em toda sua vida, Atsushi nunca soubera o que era amor além do que os livros diziam.

A culpa que inflama dentro de Dazai o deixa sem fôlego, ao se deixar pensar no jovem com sentimentos maiores que um simples carinho e orgulho fraternal. Atsushi é como um filhote de girafa ao nascer, mal consciente de várias outras coisas importantes enquanto tenta somente ficar de pé pela primeira vez. Ele mal descobriu o mundo ainda, mal desvendou os sentimentos de amor e carinho que a Agência transborda em seu ser, fornecendo a família que o menino órfão e rejeitado sempre desejou. Atsushi ainda tropeça em palavras, ainda se empertiga como um gato ao ser oferecido confiança.

Por um momento muito longo ele se sente sujo, como se todo o sangue que ele derramou ao longo de sua vida o servisse como água em um banho de espumas. Dazai quase sente vontade de vomitar, mas em vez disso ele pega a garrafa de saquê mais próxima e em goles longos e duros engole o nojo de si mesmo que parece atolado em sua garganta. Para ele é inconcebível pensar em desejar Nakajima Atsushi, não quando ele está atolado até o pescoço na podridão do mundo, tentando se manter na superfície por conta de uma promessa feita a um homem morrendo em seus braços.

Eu não o mereço, ele pensa com fervor, cravando as unhas em sua carne, desejando queimar essas palavras em magma até que elas formem uma ferida aberta em sua própria alma, até que seus ossos, nervos e órgãos abracem essa verdade incontestável e, pelo resto de sua vida, o faça respirar esse pensamento, nunca deixando-o esquecer de que Atsushi — gentil, determinado e inocente — é a única coisa em toda sua miserável existência que ele nunca poderá ter.

Osamu não dorme até o início da manhã e acaba por chegar duas horas atrasado, tendo que receber mais um dos sermões de Kunikida e então a hora do almoço chega e ele consegue levar Atsushi consigo até o centro comercial, prometendo um almoço pago por ele — ou melhor, pelo dinheiro de Kunikida que ele havia roubado mais cedo da carteira do homem loiro, mas isso são detalhes que ninguém precisa saber.

Antes de irem almoçar Dazai viaja entre curvas e retas até chegar a uma pequena loja onde vendem roupas tradicionais, Atsushi que o acompanha com uma exasperação carinhosa, fica surpreso ao ser, de repente, apresentado a uma velha senhora que insiste que seja chamada por seu primeiro nome — Fumiko-san — e que o leva até o centro de um vestiário cercado por lindas peças de kimonos, coloridas e pintadas com uma delicadeza que Atsushi parece nunca ter presenciado em sua vida.

Dazai o observa de longe, admirando de modo carinhoso a confusão de Atsushi ao ser manipulado tão abertamente por uma mulher tão velha, mas animada. Ele assiste como Fumiko-san envolve Atsushi em tecidos de cores quentes e frias, com flores dos mais variados tons e formas pintadas em cascatas pelos tecidos até que a mulher parece se contentar com um kimono branco, com hibiscos pintados cuidadosamente por todo o tecido.

Osamu pensa que nunca viu tanta beleza em sua vida. A pele pálida de Atsushi é contrastada pelo roxo da flor silvestre, contrastando com o próprio roxo de seus olhos que sempre parece se misturar ao dourado que banha sua íris. Dazai sabe que muitos que conhecem Atsushi comparam seus olhos com joias preciosas ou pinturas de aquarela do pôr-do-sol, mas sempre que Osamu observa o dourado e o violeta dançarem em uma dança que só eles parecem conhecer a música, Dazai pensa que os olhos de Atsushi parecem com uma flor de maracujá — tão exótica em sua forma e cores que fascinam os mais céticos dos homens.

No final, eles acabam em uma pequena lanchonete comendo hambúrgueres gordurosos por conta da falta de tempo em procurar um almoço decente quando seu intervalo está prestes a terminar. Dazai observa com alegria quase maliciosa Atsushi devorar um hambúrguer com quase tanta gula quanto quando come ochazuke. A sacola ornamental da loja de Fumiko-san está ao seu lado, cuidadosamente distante para que, em sua pressa, o menino não acabe derrubando ou sujando o presente de Dazai.

Osamu sente uma sensação quente de prazer ao ver Atsushi ser tão cuidadoso com algo que Dazai o deu, claro, é um pensamento irracional, já que o menino sempre era cuidadoso com qualquer coisa que o dessem, além de que qualquer um seria cuidadoso diante de uma roupa tão cara e — pela experiência de Dazai — difícil de lavar.

Ele se volta para seu próprio almoço na tentativa de ignorar seus sentimentos borbulhando em seu sangue, se forçando a engolir esse amor que ele pouco gosta de reconhecer junto ao hambúrguer que pediu.

“Dazai-san, obrigado pelo presente.” A voz de Atsushi é o que tira Dazai de seus pensamentos, o menino tem um sorriso quase bobo em seus lábios, um avermelhado nas bochechas tornando a imagem formada ainda mais adorável. “Você não precisava gastar seu dinheiro comigo com algo tão caro, mas muito obrigado.”

A gratidão na voz de Atsushi é o bastante para o amor que Dazai sente pelo outro subir novamente para sua garganta, o sufocando com palavras que ele nunca se permitirá transformar em sons. Então Dazai sorri e torce palavras aqui e ali até transformar aquele presente em uma recompensa pelo trabalho duro em vez de um desejo egoísta de fazer Atsushi feliz por algo que Dazai fez.

Naquele ano Osamu memoriza a pintura serena que é Atsushi em seu kimono orando pela primeira vez em um templo durante o ano novo. Parece quase surreal, Atsushi ali, ao seu lado, as mãos juntas em uma prece silenciosa parecendo ser acalentado pelas tochas ao redor do santuário e pelos murmúrios dos outros ao seu redor. Dazai sente seu coração doer diante da forma quase etérea do menino e por um momento ora para os deuses que nunca acreditou para que ele nunca esqueça aquele momento.

Que eu carregue sua memória além da morte como meu único consolo por não poder mais ter momentos assim. Dazai se pergunta quando deixou de pensar na morte como uma viagem serena e sem arrependimentos, seu descanso tão necessário que ele sempre almejou.

Naquela noite ele tenta, mais uma vez, algum método de suicídio de seu livro, mas no final acaba cansado e dolorido; o frio vazio de sua existência corroendo seus ossos como ácido.

Ele pensa em Atsushi e, silenciosamente, se desculpa por tentar algo que ele sabe que o menino acha inconcebível, afinal ele é um amante da vida, tão diferente de Dazai que dói pensar que os sentimentos que ele abriga pelo menino são, na verdade, um piche negro e fervente que, no final, seria a destruição da luz calorosa que é a alma de Atsushi.

 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

♡. oshougatsu são as comemorações e tradições do ano novo no japão.

♡. as cento e oito badaladas é uma tradição de ano novo onde, no dia 31 de dezembro, à meia-noite, monges tocam cento e oito vezes um sino anunciando a chegada do novo ano. o número de badaladas se refere à quantidade de pecados existentes e ao tocar o sino 108 vezes é um meio de purificar a alma dos fiéis para o próximo ano.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "jōnetsu no hana" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.