O dia chovia, como sempre.   O cemitério ficava em um vale, a poucos metros atrás do Acampamento. O garoto observava as lápides a sua frente, aquele momento era difícil, mesmo se tratando de uma guerra, ainda era bem complicado para Étrus ver a morte de seus amigos semideuses.   

Quando vivia entre os humanos, antes ir para o Monte Olimpo, Étrus nunca pensou que aquele lugar pudesse ser tão grande, a ponto de guardar uma cidade inteira como a de olímpia, palácios gigantes como as estruturas que abrigavam os deuses e um acampamento de semideuses.  

— Eles estão no Elísio agora – Ellaria se aproximou, a filha de Tique colocou a mão no ombro do rapaz, mas por longos minutos, Étrus não pronunciou uma palavra, tudo o que sentia era um peso em seu coração, enquanto via os semideuses prestando suas homenagens aos falecidos. Quando descobriu que era filho de Apolo e conseguia curar as pessoas, ele finalmente se sentiu importante, pensou que poderia evitar as mortes, mas estava errado.  

 - Será que ele ainda existe? O Elísio - O filho de Apolo fitou a garota e viu em seus olhos a dúvida, seguida por um longo suspiro. Diziam que Os Campos Elísios era um lugar para onde as pessoas que sempre fizeram o bem iam, onde os heróis mais destemidos repousavam em paz. 

 - Onde está Calíope? - Perguntou. 

Étrus olhou para o lado e viu sua irmã mais nova ajoelhada na lápide de Lara, uma filha de Apolo que morreu durante o Massacre das Rainhas, sendo atingida pela própria deusa da vingança, Nêmesis. Massacre das Rainhas, esse era o nome que os semideuses deram ao dia que algumas deusas menores invadiram uma reunião das deusas olimpianas e uma verdadeira chacina aconteceu. 

 - Ela sente falta de Lara – O rapaz engoliu um seco. - Mesmo depois de tanto tempo. 

Um raio rompeu no céu, iluminando o local durante alguns segundos, tempo o suficiente para que quatro figuras se formassem logo atrás dos semideuses. Eram de Afrodite, Hefesto, Ares e Atena, mesmo depois de alguns anos de guerra, Étrus ainda não havia se acostumado com a ideia de vê-los. Eles haviam diminuído suas gloriedades para que os semideuses conseguissem os enxergar, mas continuavam divinos.  

Os deuses eram maiores que os semideuses, isso era fato, não tão grandes quanto as histórias contavam, mas eram grandes, se Ellaria possuísse 1,78, certamente Hefesto possuía 2,28 e ele era o mais baixa dos cinco, o mais alto deles era Ares com cerca de 2,50. Eles se espalharam, encaminhando seus corpos pelas lápides, prestando condolências pelos semideuses caídos.  

Afrodite era a coisa mais linda que ele já havia presenciado, seus cabelos eram a forma mais pura e delicada, assim como sua pele. Não conseguia definir ao certo a aparência, mas sabia que ela era perfeita para ele, e também para todos, mas Étrus não esperava menos, era a própria beleza em forma física. Uma vez olhou nos olhos da deusa e sentiu como se tivesse encontrado o amor de sua vida, ouviu sua voz e não conseguiu não imaginar como devia ser tocar sua pele e seus lábios, mesmo que ela fosse bem maior do que ele. Após o primeiro contato dos dois, o filho de Apolo ficou pensando, sonhando e lembrando da deusa durante semanas até que sua mente pudesse voltar ao lugar. Tentava imaginar como devia ser a deusa em toda a sua glória, antes da guerra, imaginava a deusa durante as festas do Olimpo e não conseguia tamanha era sua perfeição.  

Hefesto por sua vez não era nada bonito. Se Afrodite cheirava a rosas, o deus ferreiro tinha o cheiro de milhões de vulcões borbulhando. Sua pele era carrancuda e sua barba cheia de nós. Ele era manco e tinha dificuldade para se ajoelhar, mas não deixou de prestar respeito aos semideuses. Mas por mais que tivesse essa aparência dolorosa, a divindade era um dos deuses mais legais que Étrus já havia conhecido, sempre dando o seu melhor para que todos ficassem melhores.  

Ares era a própria guerra, seus cabelos ruivos eram tão vivos quanto o de seus filhos, se olhasse em seus olhos por muito tempo você conseguia ouvir o som das espadas brandindo, ele viu o deus se aproximar de seu filho, Ática, que por sua vez estava na frente da lápide de Domênica, outra filha de Ares.  

Ao ver Atena, Étrus sentia esperança, a deusa tinha um olhar totalmente confiante com seus cabelos cacheados devidamente trançados. Ela se aproximou de algumas amazonas que choravam nos túmulos de suas irmãs brutalmente mortas. 

Então Deimos, o deus menor que estava dos lados dos olimpianos, surgiu, ele chegou até seu pai, Ares, e disse algo em seu ouvido. Em seguida passos velozes fizeram com que o garoto olhasse para trás, não só ele, mas todos. Era Albus, filho de Hécate, e Viktor, filho de Afrodite. E antes que ele falasse qualquer coisa, Ares virou-se para trás e disse:  

 - Os menores estão aqui. 

E naquele instante o chão começou a tremer, eram eles, o Acampamento estava sendo invadido.  

A luta já estava acontecendo fazia horas, mas era como se ao mesmo tempo tudo acontecesse tão rápido que era bem difícil assimilar. Étrus erguia o arco e lançava flecha nas harpias que voavam em sua direção. Correu a tempo de conseguir se esconder atrás de uma grande rocha, onde Albus estava. 

  - Quem são? Não consigo identificar. 

 O corpo morto de um monstro caiu aos pés de uma árvore próximo a eles, os dando um susto. 

 - Eros, Nice, Ênio, Fobos, Até e Quíron - Albus gerou uma bola de fogo e lançou como se fosse uma bomba, explodindo em um fogo verde. - E a última fúria, Alecto. 

 - Como vamos vence-los? - Étrus engoliu um seco.  

O filho de Hécate olhou para o garoto durante alguns segundos, e Étrus entendeu, eles não iriam vencer. 

Enquanto lançava flechas, Étrus viu Hefesto usar o seu martelo de guerra e, ao crava-lo no chão, gerou uma onda de magma que queimou grande parte dos centauros, deixando Quíron, o Rei dos Centauros, estressado. O deus menor começou a correr na direção dele, usando sua lança, mas antes que conseguisse alcançar, Koth, filho de Hefesto, atingiu sua cabeça com um machado. 

Então aconteceu, Afrodite caiu no chão, atingida por uma flecha do seu próprio filho, Eros. Sempre que um deus olimpiano morria o mundo percebia, e o tempo começava a passar lentamente para todos que não fossem os olimpianos, e assim Afrodite caiu em câmera lenta, até aterrissar com força no chão.  

 - Afrodite! - Ares e Hefesto urraram de dor quase ao mesmo tempo. 

De longe o filho de Apolo viu os deuses tentarem socorrer a deusa, mas tudo foi em vão, em questão de minutos, o corpo da deusa mudou igual ao de todos os deuses que Étrus já tinha visto morrer. Enquanto ela falava, algo com o deus ferreiro e o deus da guerra, sua pele começou a se desmaterializar em cinzas de pura energia rosada, que levitavam até os céus, quando fechou seus olhos, o corpo inteiro se tornou rosa e naquele instante uma coluna de pura luz de energia rosa se ergueu até o topo dos céus, avisando ao mundo que um olimpiano tinha morrido,  enquanto isso, o corpo dela explodiu em uma fumaça, da mesma cor da luz, lançando todos contra o chão. Quando se levantou, Étrus viu os monstros e os deuses menores desnorteados, Afrodite havia lançado o seu último resquício de poder.  

Viu Ares correr com toda a sua raiva e lançar suas lâminas presas a correntes contra Eros, mas antes que o ataque pudesse ser finalizado, Alecto entrou na frente do deus, se sacrificando por ele, mas isso não o impediu de continuar tentando matar Eros, e não só ele, mas Hefesto também começava a correr em sua direção, em vão, pois o mesmo passava a fugir para longe, talvez não estivesse em seus planos precisar matar a própria mãe. 

Perto dali Fobos e Deimos tinham uma luta dura, que acabou com Fobos cravando uma espada na barriga do próprio irmão e o lançando no chão como se fosse nada.  

Étrus corria se esquivando dos ataques das Empouzas, lançando flechas em seus olhos. Uma harpia morta caiu próxima a ele, as últimas amazonas estavam dando tudo de si para que aquilo acabasse. Pasifae era uma dessas amazonas, ela era a líder das três, as outras eram Callisto e Ásia, ela usava um Arco e Flecha herdado pela própria Ártemis, as flechas criavam um raio de luz roxo e uma explosão sempre que eram lançadas.  

Atena havia acabado de esmagar a deusa menor Até, sua armadura estava toda manchada de sangue, mas isso não a impedia de lutar, muito pelo contrário. 

Ele observou os cabelos ruivos de Ática voarem de um lado para o outro enquanto o mesmo lutava contra um minotauro, então uma deusa alada se aproximava dele, era Nice. O loiro arregalou os olhos e deu um grito:  

— Ática! - Na mesma hora, o filho de Ares olhou para trás a tempo de ver a deusa, e em um golpe certeiro matou a divindade. Étrus preparou uma flecha para lançar, sem pensar em quem atingiria, e assim que virou para trás lançou, atravessando a cabeça de uma divindade loira que iria ataca-lo, era Ênio, e a deusa olhou nos olhos do filho de Apolo e ele sentiu o peso da guerra toda em suas costas. Enquanto desmaiava, ouvia o grito de Atena: 

— Hefesto! -  Da mesma forma que aconteceu com Afrodite, o mundo inteiro passou em câmera lenta. Os olhos de Étrus tornaram-se turvos, Ênio estava lançando uma maldição nele, mesmo que estivesse morrendo. Lentamente o garoto começou a cair no chão e viu o corpo do deus ferreiro se desfazer em cinzas de uma cor que se assemelhava a lava, em seguida a coluna de luz apareceu mais uma vez no céu, e logo depois uma explosão. 

Então era essa a última visão que Étrus teria? Ver um deus morrer. Ao menos ele iria para o Elísio, isso é, caso ele ainda existisse. Os olhos se fecharam e apenas a audição do garoto funcionava. 

Étrus acordou rapidamente, procurando ar. Estava na enfermaria, ficou ali de guarda até tarde e acabou caindo no sono. No mesmo local, revirando algumas ervas, Romeo, filho de Asclépio preparava mais remédios, o garoto, que era alguns anos mais novo que o filho de Apolo, era o tenente curandeiro, sendo o braço direito de Étrus na enfermaria. 

 - Mais um sonho daqueles? - O garoto perguntou. 

Étrus fez que sim da cabeça e se preparou para descer da cama, logo viu Calíope entrar, sua irmã fez uma expressão de alívio quando o viu. Seus cabelos loiros estavam soltos, imaginou que talvez se o sol ainda existisse, eles ficariam bem mais radiantes. 

— Finalmente.  

A enfermaria podia ser considerada grande, com algumas camas bem gastas e cortinas encardidas pelo tempo, havia uma ala repleta de remédios, suspensos por prateleiras de madeira, a maioria recém organizada por Romeo. 

— Andou me procurando muito? - O homem juntou as sobrancelhas. 

— Quando cheguei na sua cabana, Ática me disse que você tinha ficado de guarda aqui.  – Ela se sentou na cama e fitou Romeo trabalhar. - Não pensei que estivesse dormindo até essa hora, logo lá foi o último lugar que visitei... 

Étrus não respondeu sua irmã.  

— Você teve mais um vislumbre do passado? - Ela perguntou, em seguida Romeo virou-se para os garotos, dizendo que iria buscar mais ervas com Despios, um filho de Deméter, tenente de suprimento. Quando o garoto saiu, o filho de Apolo decidiu se abrir com a garota.   

— São cada vez mais frequentes - Étrus se colocou de pé. – Dessa vez eu fui levado ao ataque do Acampamento Olympus I. 

Para ser sincero, se ele soubesse das consequências, talvez nunca tivesse tido coragem para matar Ênio, a deusa menor da destruição. No começo eram apenas pequenos flashes de mortes, depois começaram algumas batalhas, e agora as lembranças eram tão reais que Étrus sentia que estava vivendo tudo novamente. 

— E se for um presságio? E se o que aconteceu com Acampamento antigo se repita com esse? 

Calíope passou os dedos entre os fios loiros de seu irmão e deu um beijo em sua bochecha.  

— Cada dia com o seu mal. 

Era incrível como Caliope tinha crescido tanto, para ser sincero, ele não esperava que vivesse tanto para ver a mulher que sua irmã estava se tornando. Os dois se abraçaram por alguns minutos, e quando iam se separar Albus entrou carregando um garoto com asas no colo.  

— Romeo?! Étrus?! Mais um, agora! — O Filho de Hécate entrou e como um passe de mágica Romeo entrou logo atrás dele, Étrus ficou feliz, não se sentia muito bem, iria acabar passando energias ruins para o semideus ferido. — É um pouco urgente!  

— Coloque ele ali! - Étrus desceu da cama e fitou o corpo do garoto. Obedecendo a ordem, o homem levantou o corpo do rapaz e colocou no devido lugar.  

— Preciso cuidar de um problema, sei que conseguem cuidar dele. — Albus deu uns passos em direção a saída. — Ferimento de quimera, tem muito veneno. — E saiu. 

Enquanto Romeo tirava a roupa dele, Étrus verificava os ferimentos graves e de menor gravidade, passou a mão pelas suas asas completamente machucadas e sangrando, fazia muito tempo que ele não via um semideus com asas. Quando acabou, colocou um pano branco tampando as partes íntimas do garoto. O Filho de Asclépio virou-se para seu conselheiro e perguntou:  

— Quer ter as honras? 

 Étrus respirou fundo e respondeu:  

— Como você percebeu, não estou muito bem, não quero que nada dê errado. 

A voz fraca do garoto ferido foi ouvida, pela primeira vez: 

— Eu ainda estou aqui, mas eu aguento. 

O filho de Apolo fitou sua irmã e fez um sinal com a cabeça, isso significava que eles deveriam sair dali. Enquanto atravessavam a porta, a luz da magia de Romeo iluminava a enfermaria. Étrus fitou os céus, estavam nublados como sempre. 

 - Sabe o mais triste? Eu nem lembro mais como é sentir o calor do sol – Apolo havia sido o primeiro deus olimpiano a ter morrido, e em 10 anos de guerra, não só Étrus, mas também todos os semideuses já não lembravam mais como era ser aquecido pelo grande astro. 

O Acampamento onde estavam agora era menor em comparação ao antigo que havia sido destruído, mas ele era o suficiente para os semideuses, depois que saísse da enfermaria você veria diversas barracas entre as rochas, ao longe próximo às montanhas, ficava o campo, que eles usavam para treinar, e próximo a ele a caverna que os levava ao rio.  

— Um dia sentiremos novamente, eu sei disso - Calíope sorriu para seu irmão. - Vejamos pelo lado bom, ao menos a barreira que Albus criou impede que a chuva caia aqui dentro.  

— E também estamos livres das moscas, o efeito da morte de Hera – Ele respondeu o sorriso.  

— E também nos escondem dos deuses – Uma voz conhecida vinda de trás abordou os irmãos, era Ellaria, os cachos da filha de Tiquê estavam lindos naquele dia, Étrus imaginava como alguns dos semideuses continuavam com seus cabelos bonitos em meio a guerra, talvez tenha sido uma benção de Afrodite ou algo do tipo. - Nós precisamos conversar.  

O homem fitou a mulher em sua frente e fez um sinal com a cabeça, indicando que ela poderia falar. 

 - Hoje serviremos nosso último pedaço de carne.  

Étrus sentiu o olhar de Calíope, esperando que ele falasse algo, mas ele não disse.  

— Não temos nenhuma alternativa? 

 - É muito arriscado – Ellaria respondeu de imediato.  

— O que? - A jovem perguntou novamente, mas dessa vez quem respondeu foi Étrus.  

— Ir para o lado de fora buscar mais.