I'm sorry escrita por Lyhshi


Capítulo 9
Pequenos incêndios




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ᨖ Asuna ᨖ


            Sentada naquela cadeira parecia o mesmo que estar em uma prisão, ou ser um roedor que deveria tomar cuidado a cada ato que cometeria pois estava cercado de ratoeiras e armadilhas. O tempo simplesmente não passava, o que só fazia minha perna sacudir-se inconscientemente mais e mais rápido.

— Alguém tem alguma ideia? Qualquer uma, nem que seja uma inspiraçãozinha. — Visivelmente incomodado com o silêncio de nosso grupo em meio a uma multidão de grupos falantes, Kirigaya começou a puxar assunto. Me mantive em silêncio, com um pouco de raiva, ele realmente achava que poderia apavorar uma pessoa em um dia e no outro tentar conversar ou puxar assunto normalmente com ela? Burrice. — Gente, somos um grupo querendo ou não. Temos que pensar em algo. — Ignorei com orgulho — Ruivinha? Pedrote? Alô?

 

            Na verdade, nem ouvi nada depois do ruivinha, só meu coração bater mais forte e minha pele arrepiar-se antes que eu pudesse raciocinar o poder disso. Não era só um coração batendo rapidamente, era uma ansiedade que se tornava cada vez mais presente e assustadora. Apoiei meu queixo na minha mão e tentei me concentrar no chão, nos tênis levemente rasgados que o garoto de cabelos pretos ou nos sapatos azuis que Pedro usava. Ou em qualquer outra coisa que pudesse me fazer imediatamente do que tivessem acabado de falar.

            Não que tivesse adiantado, porque as memórias entraram em minha cabeça antes que eu pudesse dar-lhes qualquer permissão. Ou talvez isto se chame invasão?

            Flashbacks, todos misturados. Uma criança com os sendo cabelos puxados violentamente. Uma criança com os cabelos sendo cortados com tesouras roubadas da professora. Machucados constantes nos joelhos e hematomas na barriga durante o intervalo. Empurrões, chutes e talvez coisas que não devam ser mencionadas.

 

— Ei, tudo bem? — Sai de um quase transe e percebi que estava com os olhos fixos no chão e tremendo de leve há mais tempo do que imaginei. Kirigaya me encarava mais com uma expressão curiosa do que preocupada, como se eu fosse um bichinho exótico talvez? Na verdade, Pedro também estava me olhando assim.

— Tudo sim. Por quê? — Dei de ombros, fingindo que nada havia acontecido mesmo que eu estivesse sentindo lagrimas se formando no canto dos meus olhos.

— Nada não. Galera, precisamos mesmo de uma boa ideia. Não esqueçam que o prazo é curto, quanto antes começarmos isto, melhor é. — Respirei fundo devagar e discretamente, tentando me acalmar e pensar em algo ao mesmo tempo.

— E se a gente fizesse um globo? Sabe, aqueles globos do mundo com um suportezinho e tal. É de geografia. — Sugeriu Pedro.

— Sério? Pedro, você não tem vontade de ganhar? Isso é tão... Não sei. Poderia ser algo um pouco mais original. — Tive que concordar com a cabeça com o garoto de cabelos negros.

— Pelo menos eu sugeri algo, né?

— Mas sugerir algo que já existe não conta. — O garoto continuou sendo contra a ideia de Pedro, e dessa vez concordei apenas mentalmente.

— Mas ideia é ideia.

— Você... Ai, esquece. E se fizermos algo que, talvez, já exista mas nunca chegamos a ver? — Kirigaya prosseguiu, vendo que voltava a ganhar a nossa atenção — Algo que chame atenção, seja grande ou talvez brilhe de alguma forma. Se quisermos ganhar, precisamos nos destacar de alguma forma. O problema é que geografia é complicado...

 

Plim! Tive uma ideia!

Mas faltou a coragem. Abri e fechei a boca e fechei várias vezes antes de conseguir realmente dizer algo.

 

 

— E se... — Comecei a falar e imediatamente senti o peso de seus olhares sob mim. Não me sinto confortável com homens olhando diretamente para mim, ainda mais quando um deles acredita que tem passe livre para me infernizar. Mesmo com esta pequena pausa, mantiveram-se prestando total atenção em qualquer coisa que eu pudesse falar e abaixei meu tom caso outro grupo decidisse também prestar — A gente fizesse um mapa bem grande? Como você disse, precisamos de algo que se destaque e nenhum de nós é fã de geografia, precisaria ser um assunto simples para que apresentássemos sem grandes erros.

— Um mapa grande? E como isso funciona? O que tem de tão diferente para tentar ganhar? — Novamente foi Kirigaya quem criticou, em um tom que não acreditava que isto daria muito certo. Pedro, ao seu lado, parecia apenas concordar por ver que era uma ideia no mínimo aceitável. Um se contentaria com qualquer coisa enquanto o outro decidiu ser absurdamente crítico.

— É semelhante como uma maquete. Você não é nenhum burro e sabe qual o mapa do Brasil, certo? — Precisei de toda coragem possível para dar essa mini patada e mesmo assim sinto meu corpo inteiro entrar em alerta a qualquer possível agressão. Sempre que tentei me defender de seus abusos sendo grossa, ele me empurrava com tamanha força de forma que sempre resultava em ainda mais machucados, um fofo, não? Agora estamos no mesmo grupo, já que ele é bolsista tenho certeza que no mínimo do nosso dinheiro vai precisar para o projeto, ou seja, pelo menos vou receber um tiquinho de respeito. — É só pegarmos ele e dividirmos por regiões (obviamente olhando o google), descobrimos a qual tipo de vegetação elas correspondem e a faremos antes das cidades tomarem conta. Em um tamanho grande, o que chama atenção, já que é o que você tanto quer. — Kirigaya revirou os olhos e então disse:

— Mesmo assim não é o suficiente, não esqueça que... — O interrompi.

— Te acalma que eu ainda não terminei. Faremos a parte do Brasil em um material que não absorva água, então o colocaremos dentro de uma caixa de vidro ou qualquer outra coisa parecida e faremos uma base para que não saia flutuando oceano afora. Quantos biomas existem no Brasil? Amazônia, caatinga, mata de araucária, pantanal e pampa, né?

— Cerrado, mata atlântica, mata de cocais e mangues litorâneos também. — Pedro, que estava até então em silêncio, completou o que eu disse enquanto os fios loiros de seus cabelos destacavam-se em meio a um cafuné feito em si próprio.

— Isso. São nove, então? — O loiro confirmou com a cabeça — Ok. Os com árvores, podemos utilizar suculentas bem pequenas para fazer e encaixa-las de forma que pareçam realmente uma floresta, como no caso da Amazônia (e no pantanal, da de utilizar musgos de outra espécie também). Na verdade, musgo se encaixa melhor no que eu quero fazer do que suculentas. Miniaturas de animais também não é algo difícil de conseguir. Para a florestas com árvores diferentes como a mata de araucária e de cocais, utilizamos outras espécies. Caatinga, brotinhos de cactos em meio a areia. Pampa é só colocar qualquer planta que pareça uma graminha rala. Na mata atlântica a gente mistura uns musgos para parecerem musgo e outros para parecerem árvores. E...

— Isso tudo está realmente vindo da sua cabeça nesse exato momento? — Ambos me olhavam com um olhar admirador, quando você vê alguém que sabe o que está fazendo como se tivesse feito isto a vida inteira.

— Se vocês continuarem me interrompendo, vou esquecer tudo. Xiu. E agora, a melhor parte! Tudo isso vai ser um organismo vivo!

 

            Esperei cinco, dez segundos para observar as caras de curiosidade de quem não sabia metade do que se passava na minha cabeça nesse exato momento e admito que me diverti com isso. Finalmente senti que pelo menos era superior em alguma coisa, mas quando tenho uma ideia não consigo mais parar até que chegue em algo satisfatório.  

 

— Um organismo...? Isso é alquimia? Vamos jogar os musgos e o brasil inteiro em um círculo e faze-lo ter vida? — Os olhos mel de Pedro pareciam mais confusos do que antes. E olha que ele já tem uma aparência de quem está confuso 24 horas por dia.

— Continue. — Kazuto disse, sem questionar ou sequer fazer eu me sentir desconfortável e insuficiente. Eu sou uma pessoa empolgada com qualquer pingo de atenção que alguém me dê, independente do mal que esta mesma pessoa tenha me feito. Infelizmente, é algo que faz parte de mim. Senti um pouco de esperança de eu ser reconhecida como a geradora da ideia genial de nossa equipe, talvez a turma a ver meu potencial ou no mínimo falar comigo. Talvez o garoto ao meu lado veja que finalmente seja a hora de me deixar em paz. Junto da esperança, meu coração ficou quentinho e isso foi o suficiente para que eu largasse tudo de uma vez.

— Vamos fazer um terrário. Acabei de pensar nisso: não vai estar em algum tipo de caixa de vidro, mas sim em um círculo ou aqueles potes tipo de poção beeem grande, o suficiente para caber o nosso brasil dentro. — Vendo as caras confusas, achei melhor deixar claro — Terrário, sabe? Aquilo que você planta as plantas dentro de um recipiente transparente (como um pote de vidro ou até mesmo em uma garrafa pet. Já vi gente fazendo até dentro de lâmpadas inutilizadas) com areia/terra, água e acho que adubo. É como criar uma miniatura do nosso meio-ambiente, não sei explicar como funciona, mas lembro de ter visto que elas fazem fotossíntese, e o mesmo oxigênio que produzem utilizam para jogar mais gás carbônico e água nesse mundinho. Quando a temperatura delas aumenta, a água evapora e elas conseguem respirar, mas o vapor acaba ficando preso pelas paredes, o que faz com que caia em forma de chuva que rega as plantas. — Eles me olhavam ainda mais curiosos — Que foi, gente? Eu gosto de ler e gosto de plantas.

— Such a nerd. — Pedro falou em inglês e olhando para Kirigaya, como se eu não fosse entender por estar em inglês. Se eu sou tão nerd quanto você disse, não faria mais sentido ainda eu ter entendido algo em outra língua? Achei melhor ficar quieta. O garoto com quem ele falou apenas deu uma risada maldosa, mas nada mais que isso.

 

            Ok, me acham uma nerd, tudo bem. É o que metade das pessoas daqui pensam —  só por que tenho dinheiro vou deixar de estudar ou de prestar atenção nas aulas? Que tipo de ponto de vista é esse? Ah não. Mas como eu estava dizendo, não tenho problema com isso, mas por favor me dá um retorno. Minha perna direita que havia se acalmado agora voltava a bater no chão fervorosamente. Odeio mistérios.

            Bullying é algo complicado demais. Cansativo demais. E com consequências demais.

            Há alguns anos atrás, eu não era insegura e muito menos ansiosa. Eu não tremia ao precisar apresentar um trabalho na frente da turma inteira e sempre que a professora pedia para que algum aluno lesse algum texto eu era a primeira a me oferecer. Sempre fui elogiada por ser comunicativa, prestativa e esforçada — tanto que sempre tentei ajudar todos meus colegas que tinham dúvidas em algo que eu sabia a resposta. Hoje, sinto pavor só em pensar em ter que ir para a frente e escutar as risadas, deboches ou o professor precisando pedir silêncio no mínimo três vezes porque ignoram minha presença ali na frente a ponte de eu me sentir invisível. Na realidade, viver sendo invisível seria melhor do que viver como vivo agora. Eu só seria ignorada, o que era exatamente o que desejei nos últimos meses. Sem deboches, sem ser motivo de piada pelos corredores, sem esbarrões “não-intencionados”, sem machucados e sem problemas de autoestima.

 

            Um ou dois minutos se passaram e eles ainda pareciam pensativos sobre a ideia. Me senti um pouco exposta, como em um show de talentos no qual mostramos nosso melhor e os jurados nos avaliam friamente sem levar mais nada em conta — só que estes jurados não eram ninguém. Um garoto famoso por faltar a aula e outro por agredir uma aluna. Agora que percebi, somos um grupo um pouco problemático.

 

— Então? Vamos fazer? Sim ou não? — Perguntei. Não faltava muito tempo até que a aula se encerrasse, e enquanto discutíamos sobre as ideias lembro de ter escutado vagamente a professora avisando que cada grupo deveria entregar ao menos o título de seu projeto ainda hoje.

— Por mim, sim. Já que ninguém quer aceitar meu globo mesmo.

— Pode ser.

— ...

— ...

— ...

— Alguém vai pegar a folha com a professora para colocarmos nosso projeto ou vamos esperar até a aula acabar? — Senti a necessidade de falar, já que eles decidiram simplesmente concordar e ficar sentados. A professora estava no fundo da sala, conversando animadamente com outros alunos sobre o projeto de planejavam e lhe dando algumas sugestões.  

— Você tá ficando muito abusadinha, não acha? — Meu corpo estremeceu e ficou tenso apenas com o tom agressivo e o olhar raivoso, antes mesmo que eu pudesse processar o significado das palavras. Mas eu não ia ceder nisso, sem dúvidas.

— Eu não vou ir. Sem. Chance. — Eu sento mais na frente da classe porque quero interagir o mínimo possível com qualquer pessoa dessa turma, e quanto mais para o fundo e sentam, pior são. Da última vez que uma situação dessa aconteceu, eu caí no caminho porque colocaram o pé na frente. Outra vez, com um celular um garoto que senta ao fundo discretamente tirou uma foto por baixo da saia do meu uniforme. Sem. Chance.

— Quem você pensa que é, sua... — Seu tom de voz aumentou. Se a raiva das pessoas fosse representava por uma chama, a dele estava começando a se tornar uma vela.

— Ei, se acalmem os dois. — Pedro disse de forma rígida e olhou feio para ele, em seguida ergueu uma sobrancelha quando seu olhar se sustentou em mim, como se dissesse “Vai lá, para de fazer tempestade em copo de água”. Claro, esqueci que homem só defende homem. Não sei se ele percebeu que nisso eu não cederia, mas voltou a falar — Deixa que eu vou.

 

            E se levantou e foi até a professora, enquanto o silêncio voltou a reinar no nosso grupo. Para mim, é uma vantagem: ficar ao lado deste garoto por mais de um minuto sem ser xingada ou incomodada por qualquer motivo é quase uma benção. Mas no fundo continuava decepcionada. Não que eu quisesse me tornar a melhor amiga dele ou algo assim — inclusive, sequer queria ser chamada de amiga — mas tentei acreditar que pelo menos algumas coisas básicas mudariam.

            Bem, acho que não vai ser assim. E sinto que fui burra em ter desperdiçado e me esforçado tanto pensando e falando da ideia, talvez isto tenha me feito parecer mais idiota do que realmente sou... Mas também não posso ter vergonha de ser quem sou. Eu deveria assumir que, sim, amo ler sobre qualquer coisa aleatória que me traga curiosidade e sou muito boa em memorizar elas, que sou lenta para entender as coisas mas quando é algo criado por mim vem em segundos. E que não é errado se empolgar ao falar de uma ideia que você mesma gostou.

            Mas falar é mais fácil do que fazer. Continuo me sentindo ridícula.

 

            E olha o Pedro aí, com a folha em mãos. Foi logo entregando ao único menino do grupo sem ser ele, o qual repassou o mesmo papel para a minha carteira.

 

— Eu sou boa com ideias, mas nomes sou péssima.

— A ideia é sua, o nome também é seu. — O mesmo garoto voltou a discutir comigo e desta vez o loiro apenas observava. Não parecia motivado a intervir.

— Eu estou dizendo que não tenho ideias para nome, Kirigaya. Eu planejei o projeto inteiro, vocês podiam tentar pensar pelo menos no nome.

— E eu estou dizendo que é para você preencher a merda dessa folha agora ou seus dedos são tão mimados quanto você, que não pode executar uma tarefa tão simples?

— Eu? E você que... — Lembra o que eu falei sobre como seria se chamas definissem a raiva de uma pessoa? Foi exatamente isso que fez minha boca se calar e minhas mãos começarem a escrever no papel.

 

Acho que agora eu estava iniciando um incêndio.

 


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Notas finais do capítulo

Obrigada por ter lido até aqui! Espero que tenha gostado, apesar de serem dois capítulos curtinhos, foram feitos com muito esforço e carinho (e atrasos rs, perdão)



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