I'm sorry escrita por Lyhshi


Capítulo 6
(M)águas passadas


Notas iniciais do capítulo

Opaaaaaaaaaaaa, olha eu de novo aqui povo
Espero que aproveitem a leitura, já adianto que é mais sentimental como o da asuna, mas um pouquinho mais curto do que vocês tão acostumados. Se você puder ler notas finais fico imensamente agradecida



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ᨖ Kirito ᨖ

Domingo, 10:45.

 

Bip... Bip...

Ah não! Esse som de novo não!

Bip... Bip...

Com todo mau humor e sem fazer questão de abrir os olhos, aperto o botão para despertar o despertador ao lado da cama. Sabe quando você dorme, se passam horas, mas quando você acorda parece que sequer dormiu? É exatamente assim que eu estou.

Quando eu deitei era o que...? 05:00 da madrugada? 06:00? Nem cheguei a prestar atenção, praticamente guardei o capacete e apaguei. Se antes eu achava minhas olheiras escuras, imagina como vai ser a partir de agora...

Meu corpo me implora para permanecer e dormir, talvez, uns dez minutos a mais. Mas meu raciocínio já voltou ao normal suficientemente para perceber que se isso acontecesse eu provavelmente dormiria até 12:00 ou mais — o que com certeza eu não deveria fazer, já que o almoço hoje é por minha conta. Na realidade, na maioria das vezes quem acaba cozinhando e arrumando a casa sou eu, e Suguha se encarrega com um trabalho de meio período. Que irônico, não? Ser sustentado pela irmã mais nova, mas, infelizmente não consigo emprego, visto que preciso cuidar e acompanhar nossa mãe em tudo.

As vezes penso e me preocupo se não é uma barra muito grande para Suguha lidar sozinha — não que uma garota de 15 anos não vá aguentar estudar e trabalhar, mas conviver com alguém que você ama doente e sem sinal de melhoras, e, junto disso saber que se você for despedido pode indiretamente matar ela, com certeza é algo que mexe com você.

 Por um momento volto a sentir inveja dos que tem tudo isso de mão beijada.

Por um momento me vem na minha cabeça a imagem de uma garota de longos cabelos ruivos, filha de um de um famoso empresário.

Tsc. Ela não deve nem ter ideia do que as pessoas fora do mundinho dela passam.

 

Volto o olhar para o despertador, que já marcava 10:51. Seis minutos pensando e filosofando? Acho que bati um recorde.

Resolvo levantar e vou desesperado para o banho. Se acordar com a ajuda de um banho quentinho é tudo de bom.

 

...

 

Com os cabelos molhados e vestido roupas leves, como uma camiseta de manga curta azul escuro, uma bermuda preta e chinelos, coloco um pouco de óleo na frigideira e, após ligar o fogo e aquece-lo, quebro um ovo e o mergulho na quantia insignificante que coloquei. A frigideira é bem pequena, então acabo fritando um ovo por vez, o que dá o total de quatro. Sei que somos três, mas a minha irmã é bem gulosa e sempre come várias vezes quando fazemos fritura.

Enquanto espero que ele frite, volto a pensar o que o banho temporariamente me impediu de pensar. O arroz está pronto e o feijão também, então acabamos utilizando com muita frequência o micro-ondas.

 

Sabe, é tão injusto que, depois de todo o esforço que minha mãe fez pelos filhos, ela morra trancada em um quarto, mal tendo contato com o mundo. Fazemos o melhor em casa e isso é inegável, mas por mais que os hospitais sejam públicos, não temos condições de cuidar dela lá. Os horários não batem com os da minha escola jamais e muito menos com os horários de Suguha — e, que mamãe perdoe o egoísmo, mas já ficou mais do que claro que em breve ela vai partir. Se abandonarmos a escola agora, será mais um ano perdido, e em uma situação na qual a esperança de arrumar um emprego diminui mais a cada dia, um ano perdido significa muito.

Não que eu considere o dinheiro mais importante do que ela, claro. Mas depois que ela partir vamos ficar totalmente sem rumo, e, inclusive, ela mesma é contra pararmos nossa vida por ela. Se tentamos fazer isso ou faltamos algum dia na escola, ela passa boa parte do dia se recusando a comer ou a qualquer outro hábito essencial.

 

Direciono a atenção novamente ao ovo, e desta vez ele está branco com uma gema bem laranja, porém durinha. Tão lindo, parece até eu. Estico o braço e pego um prato em cima da mesa, para em seguida agarrar o escoador específico para frituras e colocar o ovo no prato com ele. Mas infelizmente uma tragédia aconteceu, parecendo ser quase em câmera lenta.

Enquanto o ovo passava do escoador para o prato, ficou perto da borda do prato, de forma que quando me movi ele foi direto ao chão — como se isso não bastasse, caiu exatamente em uma parte bem suja. Talvez, só talvez, eu deveria ter levado isso numa boa.

Deveria ter dado de ombros, limpado a bagunça e ido fritar o próximo.

Mas algo além disso cutucou meu peito. Sabe a sensação de quando você já viveu algo?

É exatamente essa.

 

Em uma cozinha muito diferente dessa — mais refinada, espaçosa e arrumada — uma figura feminina fritava exatamente da mesma forma que estou fazendo agora, porém seu olhar era direcionado a mim, que estava sentado ao seu lado e no auge dos meus 4 anos.

A mulher era nada mais nada menos do que minha própria mãe, só que bem mais nova. Uma aparência mais saudável e cheia de vida. Usava uma camiseta manga curta vermelha e bermuda jeans. Em suas mãos estava uma espátula muito semelhante a minha, ignorando a única diferença bem visível: a dele tinha o cabo vermelho e a minha o cabo branco e, além disso, a sua expressão não era condizente com a roupa alegre que vestia. O ovo estava no chão — não da mesma forma ou local que o meu está, até porque nem é a mesma casa, mas o acontecimento foi semelhante. Seu rosto estava com as sobrancelhas curvadas quase juntas e a boca apertada, visivelmente com raiva.

 Do outro lado, um homem estava sentado, ele era branco, com cabelos pretos e começando a nascer fios grisalhos, uma barba não exageradamente cheia com as mesmas características do cabelo, talvez com uns 1,75 de altura. O corpo era gordinho, porém com alguns poucos músculos sendo visíveis. A sua volta, na mesa, estavam espalhadas as coisas mais diversas: um cubo mágico, diversos papeis e canetas e um copo de cerveja. Provavelmente estava vendo sobre as contas de casa, mas o eu de 4 anos não tinha tanta noção do que estava acontecendo ou da situação em que estava. No momento que sua mãe errou, dirigiu imediatamente a ela um olhar zangado. Muito mais zangado do que apareceu no rosto da mulher no momento em que o ovo caiu, inclusive, muito mais zangado do que deveria ser para uma situação tão insignificante.

Com uma voz tão raivosa quanto seu olhar, disse em alto e bom tom:

 

— Que porra você tá fazendo? Tá achando que eu tô cagando dinheiro?! — Como de costume, adorava esfregar na cara dela quem a sustentava e como estavam endividados por causa dela (será que ele sabe que 90% do dinheiro que ele ganha é gastado por ele mesmo em bares e saidinhas com os amigos?).

 

Como sempre, o silêncio foi a resposta dela. Ela se afastou um pouco de onde estava e, com alguns passos, chegou até mim.

 

— Você não quer ir pro seu quarto brincar, meu bem? — Ela disse com uma voz carinhosa, tentando pelo menos me poupar de um pouco daquilo. Não que realmente fosse adiantar, mas assenti com a cabeça.

—Você tá louca? Quem você acha que é pra me ignorar assim? — Mais uma coisa que acontecia sempre. Ele xingava ela por motivos idiotas, ela ficava calada. Se respondesse, os dois discutiam feio e ele sumia de casa por dias. Era rotina, até.

— Deu de tempestade no copo de água ou ainda vai reclamar muito por UM OVO? — Era óbvio que aos poucos ela chegava ao seu limite, afinal, era um casamento em que ela aguentava isso por três anos. Não era fácil.

— Eu? Tempestade em copo de água? — Ele se levantou — Eu estou criando o filho DE OUTRO HOMEM por três anos, sustentando você — apontou para mim — e ela por TRÊS anos e é isso que eu recebo?? Pelo amor de deus, alguém acha que isso tá certo? Você acha que eu queria sustentar o filho de outro homem assim e em troca ter uma mulher que não sabe nem fritar um ovo direito???

 

Ela abriu a boca uma, duas, talvez três vezes sem saber o que falar. Não, era óbvio que ela sabia, mas eram todos xingamentos pesados demais para se falar a uma criança como eu, e além disso, perderia o homem que amava e o sustento de seu filho, como ele mesmo ressaltara. Não valia a pena.

 

— Ei! Não fala assim dela! Ela é boa em muitas coisas sim! — Lembro-me perfeitamente do meu pequeno eu tentando defende-la, afinal, que criança fica quieta diante de alguém xingando a sua mãe?

— Não se mete, muleque. Quem você acha que é pra se meter? Não vem defender essa vagabunda não.

 

Ela agiu tão instintivamente quanto eu fiz, e quanto o homem fez quando se levantou antes de mim. Apenas nesse momento algo me iluminou: o olhar de Asuna na sala de aula quando a chateei, era daqui que eu o conhecia.

Oh, isso é algo que me lembro mais do que perfeitamente.

Talvez seja muitas coisas acontecendo ao mesmo tempo para que eu possa tentar descrever ou entender, mas:

O eu de quatro anos via o olhar dela como o de uma pessoa brava, e só. Mas agora que me lembro melhor, sei quantos sentimentos eram possíveis de serem indicados apenas olhando para ela: angústia, medo, raiva, não, mais do que raiva: ódio puro.

É bem possível que ela tinha agido tão sem pensar quanto eu fiz mesmo depois dos milhões de avisos para ignorar essa situação e ir brincar toda vez que estas coisas aconteciam, mas entendo que uma hora a gente explode, seja verbalmente ou fisicamente.

Bom, no caso dela, a explosão com certeza veio de forma física: não de choro, mas um belo tapa direto na cara dele. Com força e um estalo tão alto que lembro que no auge de minha inocência pensei que ele podia ter sido ouvido até por quem passava na rua.

 

 

Mas assim como vi que aqueles olhos demonstravam um ódio extremo, vi também que o olhar mudou para arrependimento e desespero. Enquanto isso, ele, ainda chocado, continuou com a cabeça inclinada na mesma direção.

Mas o choque não durou mais do que alguns segundos e, em seguida, ele caminhou em passos barulhentos e postura brava até o quarto do casal. Em alguns poucos minutos ele saiu de lá com uma mala rosa e a colocou na frente da minha mãe, a qual parecia estar mais chocada do que ele com o que tinha acabado de fazer.

 

— Você tem uma hora pra sumir daqui e NUNCA mais aparecer na minha frente.

— Ei, espera... me desculpa, por favor, me desculpa. Foi um impulso, eu não devia... eu não queria... — Ela nunca foi uma pessoa agressiva, nunca brigou na escola, sempre procurou ao máximo evitar conflitos e agora havia batido na pessoa que mais amava... talvez isso fosse demais para ela mas sei que caiu de joelhos enquanto soluçava e tentava se humilhar por perdão (mesmo que ele merecesse o que ela fez).

Ele se abaixou sem dobrar os joelhos, com uma única mão pegou a cara dela e segurou com força, provavelmente machucando suas bochechas, e então voltou a falar:

— Você nunca mais vai aparecer aqui, entendeu? — E apertou com mais força até que ela assentisse com a cabeça — Nem você, e nem essa desgraça — apontando para mim. E continuou:

—  E eu vou te esquecer enquanto como alguma loira bem mais novinha e gostosa do que você. Agora você vai levantar, guardar todas as merdas que você não quer que eu queime nessa mala e vai sumir, entendeu? — Novamente usou a força até que ela concordasse, ainda em lágrimas e soluçando.

— Ei, foi sem querer. Por favor, não me deixa. Eu te amo, por favor... — Ela levantou e tentou ir atrás dele novamente, hora choramingando, hora falando mais claramente.

 

Não foi preciso resposta, ele apenas dirigiu um olhar para ela que fez com que ela entendesse na hora que não teria volta.

Lembro que eu, como qualquer outra criança faria, comecei a chorar silenciosamente junto com ela. Ela vendo isso, caminhou até mim e pegou minha mão enquanto se abaixava na minha frente, tentava demonstrar tranquilidade, mas com o rosto inchado e a voz rouca era óbvio que não conseguiria.

 

— Escuta, filho. Vamos achar um outro lugar para morar, longe de tudo isso, sim? Não teremos que ouvir nada de ninguém, e... — Não consigo lembrar exatamente o que ela disse depois disso, mas tenho certeza que o que ela dizia era mais uma forma de tentar consolar a si mesma do que a mim. — Depois, vamos buscar a Suguha na casa do seu pai, e então vai ser só nós três, felizes e livres. Sem ter que ouvir nada de ninguém.

 

Então, ainda segurando minha mão, ela me pediu para que eu fosse para o eu quarto e separasse o que eu deveria levar. Me pediu para pegar cobertas e roupas, podendo escolher meus dois brinquedos favoritos para irem junto, mas nada além disso. Sei que quando entrei no meu quarto, a última coisa que peguei foram os brinquedos: lembro que escolhi uma miniatura de cavalinho de balanço de madeira, que cabia na palma da minha mão, e também escolhi....

 

Merda, cheiro de queimado.

Puta merda, muito cheiro de queimado!!

 

Arregalo os olhos ao olhar o fogaréu que começa a se formar na frigideira a minha frente, e minha primeira reação é sair correndo e encher uma vasilha com água, o que demora alguns segundos. Quando vou correndo para jogar no fogão, me lembro que li em algum lugar que isso faria com que o vapor me queimasse, então forço a memória para me lembrar o que seria o correto a fazer:

Primeiramente, desligo o fogão, depois busco um pano qualquer, o deixo levemente molhado e coloco por cima da frigideira, sentindo um alívio percorrer até minha alma quando o fogo finalmente abaixa. Inclusive, uma gota de suor percorre da testa até minha bochecha.

Sim, é estranho, eu sei, mas as vezes me distraio tanto imaginando e relembrando coisas que parece que o resto do mundo deixa de existir por alguns minutos... E é ainda pior quando é algo que me marcou assim.

Penso em limpar a frigideira, mas acho que ainda deve estar quente. Com cuidado e auxilio de outro pano —  tenho mãos sensíveis, desculpa — a pego pelo cabo e coloco de baixo da torneira, a qual ligo e escuto novamente o barulho de água quando perde calor rapidamente.

 

Sabe, até hoje me sinto culpado por tudo isso.

 

Pego uma caneca de ferro grande que nunca soube e nome e coloco os ovos que pretendia fritar ali.

 

Acho que se tivesse ficado quieto, talvez eles ainda estariam juntos.

 

Pego a caneca e a encho com a água da torneira que deixei aberta para a frigideira, mas dessa vez a fecho.

 

Sei que talvez não estariam tão felizes, mas talvez eles poderiam ter feito exames e descoberto a doença dela mais cedo. Ou talvez ela teria se recuperado bem mais rápido com um tratamento adequado e descente.

 

A coloco em cima do fogão e então o ligo. Vou cozinhar os ovos, já que a acabei com a frigideira: a coitada já está até preta.

 

Ela não teria passado anos triste e sofrendo por ele. Talvez a imunidade dela tenha abaixado justamente por esse tempo que ela ficou se alimentando mal e mal cuidando de si mesma, talvez isso tenha causado a doença...

 

Bom, parece que não tenho opção. É hora de tentar parar de pensar nisso.

Pego uma bucha de aço e vou para a pia, tentar começar a limpar pelo menos um pouco. Admito que mesmo sendo dono de casa, nunca sei lidar com a limpeza das panelas, mas faço da melhor forma que consigo,

 

Melhor dizendo, talvez eu tenha causado a doença.

 


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Notas finais do capítulo

Obrigada a quem leu o capítulo todo! Fico muito feliz por você não ter abandonado minha história, ou, se pretende não seguir lendo, por ter lido até aqui
Para os leitores, uma coisa importante: eu sei que não adianta ficar pedindo desculpas por cada capítulo atrasado, e, na verdade, eu pretendo postar mensalmente, então to até orgulhosa de ter atrasado só 3 dias. Mas em vez de me desculpar, prefiro agradecer. Agradecer a todos que ficaram até aqui e que continuam acompanhando mesmo com uma demora
Eu adoraria poder escrever mais frequentemente, poder me empenhar mais em cada história, mas o tempo está muito curto e diminuindo cada vez mais :( tem dias que mal tenho tempo para tomar banho, então eu espero que entendam do fundo do coração que não é preguiça
Espero que seu dia seja maravilhoso ♥



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