I'm sorry escrita por Lyhshi


Capítulo 5
Sentimentos


Notas iniciais do capítulo

Bom dia/tarde/noite e boa leitura, povo! Desculpa pela demora, e agradeço pelo carinho nos comentários!!
Esse capítulo é um pouquinho diferente, um pouquinho mais calmo, espero que gostem



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“When feelings are heavy they become all we are”

—Aurora

 

ᨖ Asuna ᨖ

 

Logo após ter aceitado as solicitações de amizade do grupo a minha frente, senti um clima estranho. Não sabia direito o que falar, ou como faria para me distanciar sem que ficasse chato, até que um deles resolveu tomar uma atitude:

 

—Então.... Acho que temos que ir. Ainda temos muita coisa a aprender, e muitas metas a cumprir. —  O garoto vestido de preto falou. E, após isso, todos foram concordando e se despedindo.

— É.... Tchau. – Falei, ainda sem ter certeza do que falar. – Obrigada pela ajuda. – Sorri mais uma vez.

 

E, assim, deram as costas para mim e seguiram seu caminho. Passei alguns segundos observando suas silhuetas, até que percebi que eu também deveria seguir o meu. Faço um alongamento simples, esticando os braços para cima e fazendo com que meus ombros estralem.

Quando vou voltar a andar, piso em cima de algo pequeno, do tamanho de uma pedra e tão duro quanto uma. Recuo alguns passos para ver e percebo que é um pequeno baú de madeira, do tamanho da minha mão. Fico agachada por alguns minutos pensando se deveria abrir ou não, afinal, eu já ouvi falar muitas vezes de armadilhas que se parecem exatamente assim. Mas se eu matei sozinha um animal com dez níveis acima do meu, um bauzinho minúsculo não vai me matar, né?

Ele se abre facilmente e a primeira coisa que posso ver é uma luz brilhante saindo de dentro dele. Com certa hesitação, coloco a mão dentro e me assusto quando meu braço consegue entrar até o cotovelo —  como se não houvesse fim. Ainda sem entender sua finalidade, o coloco preso no meu cinto e sigo andando pelo vasto e brilhante campo.

Chamando o menu com a mão direita, procuro e seleciono em meu inventário o mapa que eu usava anteriormente. Ao olhar para ele, vejo que estou em um campo — o que é óbvio — e ao lado esquerdo está a cidade de onde eu vim. Para o lado direito, literalmente, só é visto campo. Mas eu duvido que um jogo que levou cinco anos para ser desenvolvido tenha um mapa tão curto assim.

Mesmo assim, depois de pensar que eu nunca conseguiria sair daquela cidade —  que é mais um labirinto —  acho que prefiro continuar caminhando pelo campo. Resolvo continuar com o mapa em mãos conforme caminho, apenas para manter a esperança de algo diferente aparecer por ali.

Mas, antes de seguir caminho, percebo algo me incomodando: um pequeno botão quadrado com as bordas arredondadas, em um tom de marrom escuro e com um “ ! ” amarelo dentro. O botão tinha um contorno amarelo, que ficava piscando. Admito, não consigo ignorar uma notificação e aperto em seu ícone. Assim que faço isto, um menu branco-transparente, com o mesmo padrão de formato e bordas se abre:

Nele era possível me ver da cabeça aos pés, porém este “eu” não copiava meus movimentos como um espelho. Era apenas uma foto. Acima de mim, meu nick estava escrito e, em baixo, em letras um pouco menores falava “Guilda: Nenhuma” — na verdade, acredito que ninguém tinha guilda ainda. Só é possível criar uma ao nível 25 e é muito cara.

Ao redor do meu personagem ficam os ícones dos itens que eu estou equipando e a maioria deles está vazio. Só é possível ver a bainha, o vestido e o sapato. Abaixo destes, está escrito “Especiais” e nele posso ver o ícone do baú que peguei a pouco tempo. Encosto o dedo e “seguro”, para ver a descrição:

 

 

Lost Chest

Raridade: SR

Um baú minúsculo encontrado apenas pelos bravos. Apesar de seu tamanho, contém um segundo universo dentro de si. Extensão do inventário, adicionando 300 slots.
Só pode ser acessado pelo dono.
Não pode ser trocado.
Não pode ser vendido.

 

 

Gente do céu... 300 lugares para colocar item é muita coisa. Eu nem sei se eu não vou morrer antes de conseguir 100.

 

Ao lado direito do meu nome estava as seguintes barras:

 

Nível: 5
        Exp: 50/400
        HP: 300/300
        Mana: 200/200

 

As letras do nível estavam em verde, e o resto tinha barras nas cores: roxo, vermelho e azul, respectivamente.

 

Quando foi que eu cheguei no nível 5...? Ah, provavelmente quando eu acabei de matar o javali e fiquei tão tonta que não percebi.

 

Abaixo destas informações, estava os meus status:

 

Dano: 65/72
        Defesa: 100
        Velocidade: 80
        Crítico: 20

Diferente de MMORPGS comuns, aqui não existe coisas como precisão e chances de bloqueio —  afinal, isto é algo que depende apenas da nossa capacidade.

E, por fim, abaixo disto, estavam os atributos adicionais:

 

Força: 1                       [ + ]
        Defesa: 1                     [ + ]
        Agilidade: 1                 [ + ]

Pontos de atributos restantes: 5

 

E, assim, finalmente descobri o local de qual a notificação vinha. As bordas dos quadrados ao lado dos atributos emanavam um brilho dourado justamente igual ao que me trouxe aqui. Por padrão, todos vinham com “1”, para que você possa escolher o caminho que quer seguir: um espadachim rápido, um tanque ou simplesmente um personagem com uma força absurda.

Eu tenho cinco pontos para atribuir graças aos quatro níveis que eu subi + o primeiro ponto que é dado ao criar a conta. Resolvi fazer da mesma forma que faço na maior parte dos jogos:

 

Força: 2        
        Defesa: 2      
        Agilidade: 4 

Pontos de atributos restantes: 0

 

Adicionei três em agilidade, um em força e um em defesa. O jogo sequer perguntou se eu tinha certeza da minha decisão... imagina se eu gasto esses pontos errado?! Nem tem como desfazer!

Apertei no botão redondo com um “X” na parte superior direita da aba e, assim, tudo voltou a ser o que era: eu no meio de um campo sem saber para onde ir. E, assim, como antes, caminhei sem rumo, apenas buscando qualquer coisa diferente que pudesse ser útil.

 

 

...

 

 

Dentro do jogo, o dia havia terminado e Asuna estava, por fim, enfrentando a escuridão da noite. A atmosfera tinha um clima estranhamente reconfortante e a visão do céu estrelado apenas a deixava mais confortável.

Admitia que sempre se sentiu melhor fora de casa, sentindo a brisa gelada batendo em seu rosto e sendo cercada pela natureza (com exceção dos mosquitos), mas bastava uma simples conta para compreender porque estes momentos eram tão raros: filha de um homem importante + crescimento da violência + família que preferia a civilização = presa em casa ou sair sempre acompanhada de alguém.

Pelo menos aqui estou segura, pensou. Sem ninguém para me menosprezar por ser quem sou, ou para tentar me prender.

E, enquanto seguia em frente presa em pensamentos, sentiu algo gelado cair diretamente em seu ombro —  por puro reflexo hesitou um passo, mas logo gotas começaram a atingi-la por todos os lados.

Estava chovendo, e com isto viu-se perdida em uma escuridão quase sem fim —  as nuvens levaram embora todas as estrelas que acompanhavam, pacientemente, cada passo seu.

Por mais estranho que fosse, seus lábios curvaram-se em um sorriso sincero por poucos segundos. Amava as estrelas, a sua beleza era incomparável, mas a chuva... Ah, a chuva... Se sentia em casa cada vez que sentia uma nova gota atingir sua pele fina. 

Por mais realista que este jogo fosse, não havia doenças aqui. Aproveitaria até o último segundo os arrepios causados pelo tempo sem precisar repensar se, com sua imunidade frágil, acabaria gripada.

 

 

...

 

 

Depois de tanto tempo dentro do jogo e com o cansaço mental tomando conta, decidiu sair do jogo. Continuou deitada com o capacete em seu colo, olhando para o teto. Depois da chuva continuou sua busca por algum lugar interessante, mas após horas reais de caminhada e alguns monstros normais derrotados, o máximo que conseguiu foi subir cinco níveis, um novo florete e zero lugares interessantes.

Para variar, estava perdida em seus pensamentos novamente. Nada em específico, mas o silêncio da madrugada a fazia se sentir solitária — sentia um aperto tão forte em seu coração, que se pudesse, o arrancaria ali mesmo.

O relógio marcava 6:00, mas ainda era escuro como a noite. Quando se levantou, caminhou tão distraída na direção de suas azaleias que sequer pensou na possibilidade de acender as luzes.

Quando finalmente ficou de frente com as flores — da cor rosa, em um vaso branco pouco detalhado — apreciou seu cheiro e lembrou-se de quando seu primo lhe deu de presente, há cerca de um ano, no natal. Ela ainda estava em uma vibe mais “amiga da natureza” e repetiu várias vezes que não queria ganhar nada de origem animal e alguém teve a genial ideia de lhe dar essa flor. Inclusive, passou um ano sendo vegana, mas percebeu que não conseguia se segurar diante de alguns alimentos. Ainda assim, em alguns momentos pensa em voltar com essa prática.

A sua frente a planta estava um pouco murcha e imediatamente percebeu que deveria ter regado-a há alguns dias. Deixou para fazer isso a tarde, quando não precisaria preocupar-se em não fazer ruídos. Carinhosamente, acariciou uma das folhas verdinhas e caídas para baixo.

 

— Me desculpa amiguinha, não vou esquecer de você de novo. — Falou tão baixo que mesmo que as flores tivessem grandes orelhas, não escutariam suas palavras.

 

Ver suas companheiras murchando aumentava ainda mais seus sentimentos: mais do que cansada, estava exausta. Precisava de alguém para contar, desabafar e reclamar sobre a vida de vez em quando, mas já fazia alguns anos desde a última vez que fez algum amigo novo, e, infelizmente o único que ainda confiava estava enraizado bem a sua frente.

Sempre foi acostumada a ser uma pessoa social, mas quando mudou de escola tudo ficou diferente. No primeiro ano não conseguia falar com ninguém, no segundo — o atual — o bullying começou... Como orientada a vida toda por cartazes que “prezam” a saúde mental dos alunos, tentou conversar com seus pais para trocarem-na de turma ou denunciar, já que uma menor de idade não poderia fazer algo assim por conta própria.

A reação deles ao pedido? “Para de frescura”.

Algumas semanas depois mostrou os machucados de quando lhe empurraram e, novamente ouviu ofensas: “Para de drama. Apanhei a vida toda e não morri, o que falta nessa geração é uma boa surra pra virar gente”.

 

Pois é.

 

Esta mudança “radical” de garota popular e social para a excluída da turma foi um tanto quanto forte para ela, e, mesmo que tivesse tido tempo o suficiente para aceitar que não poderia fazer nada sobre isso, chorava sempre que lembrava do quanto estava feliz antes de tudo isso.

Chorava da mesma forma que estava fazendo agora. Punhos cerrados, nariz fungando e lágrimas correndo.

 

 

Na verdade, não diria que é infeliz, mas sim uma pessoa neutra que ainda estava buscando o que a tornaria feliz, como mágica. O que ainda a mantinha de cabeça erguida era a esperança.

Mas esperança não era suficiente para acabar com a agonia sufocante em seu peito.

Concluiu que talvez, só talvez, seja hora de tomar uma atitude um pouco diferente sobre seus sentimentos.

 

 

...

12:00

 

 

Desde que suas lágrimas escorreram, o máximo que fez foi limpa-las na manga de sua camiseta e ir ao banheiro — sequer sentiu necessidade de se alimentar. Tentou dormir algumas vezes, mas a ansiedade em seu peito a mantinha despertada mesmo com o cansaço de ter passado a noite acordada: era mais do que hora de ter outra conversa séria com seus pais. Mas dessa vez estava um pouco mais confiante sobre os resultados, afinal, eles poderiam tomar atitudes brutas algumas vezes, mas ainda era sua filha.

 

— Toc toc! — duas batidas na porta, seguidas de uma voz calma e gentil — O almoço está pronto, vamos sair desse quarto um pouco? — Mesmo trabalhando na casa, dona Maria sempre foi sua segunda mãe, sempre a reparar quando Asuna estava isolada demais ou pensando excessivamente.

—  Já vou! — Falei alto, e em dez minutos apareci na mesa. Todos já estavam lá, incluindo Maria, que almoça e come a mesma comida que nós desde o primeiro dia. Já tentamos trazer a cozinheira, Eloisa, para almoçar também, mas ela sempre afirma que prefere passar esse tempo com sua filha e respeitamos sua decisão.

 

A inquietação volta a aparecer e sinto eu estômago revirar — é inevitável, sempre que preciso ter uma conversa mais séria ou acontece algo que não sei o resultado me sinto assim. Olho para a mesa e meu prato já está servido, Maria faz isso sempre que sabe que não estou bem. Agradeço com um sorriso discreto.

Me sento na mesa de vidro, a minha frente se senta Maria, ao meu lado direito é o fim da mesa e ao esquerdo tem uma cadeira vazia, do lado da cadeira vazia meu pai se senta e, por fim, de frente para ele, minha mãe. As cadeiras são macias, em um bege bem claro com os pés de madeira. O lustre gracioso estava a uma altura consideravelmente longe de sua cabeça e combinava perfeitamente com as paredes amarelas.

 

— Se você quer falar algo, fale de uma vez. — Meu pai falou em um tom ríspido, minha mãe formou uma ruga na testa. Eles sempre percebem quando tenho algo engasgado, quase como um sexto sentido (ou talvez seja pelo fato de eu estar brincando com a comida com o garfo por uns cinco minutos). Todos os olhares se voltaram em minha direção.

— É.. que eu queria conversar com vocês sobre uma coisa. — Minha voz saiu um pouco mais baixo e hesitante do que o esperado. Minha mãe ergueu uma sobrancelha, como se falasse “vá em frente” e ao mesmo tempo fizesse uma ameaça — Eu tenho certeza que todos sabem meus problemas na escola e como é difícil para mim enfrentar isso. Inclusive, vocês já viram as marcas, roxos, cortes, roupas sujas, os choros e...

— Se você vier com alguma frescura de bullying de novo quem vai te dar uma surra sou eu. — Ela disse. Só me batiam quando eu fazia algo extremo, e desde quando ser a vítima se encaixava nessa situação?!

— Não, não é isso. Se você me deixasse terminar, talvez você descobrisse sobre o que é. — Com isso consegui voltar a receber a atenção silenciosa que eu buscava — Bom, como eu estava dizendo, não é segredo para ninguém as minhas dificuldades. Sabe, eu não tenho mais ninguém. — Desviei o meu olhar do dele e passei a fitar o prato — Nem amigos, nem ninguém mesmo. E isso faz muita falta, eu não tenho com quem sair, com quem comentar algo que eu comprei, com quem pedir opinião sobre roupas, alguém para desabafar ou me dar conselhos sobre a vida. Cada dia eu me sinto pior e mais desanimada, eu não quero ir para escola porque lá só acontecem coisas ruins, não quero ficar em casa porque me sinto sozinha e não quero sair porque vou me sentir mais solitária ainda ao observar as outras pessoas. Várias vezes eu passo mal, várias vezes me sinto sozinha e desemparada, com um vazio que parece cada vez mais difícil de ser preenchido. Eu tentei de tudo, gente. De tudo. — Estava começando a ficar com a voz embargada e sentir os olhos a lacrimejarem —  Eu tentei jogar vários jogos, tentei aproveitar a minha própria companhia, artesanato, cosplay, dança, academia, mas parece que nada preenche esse vazio. E eu não sei mais o que fazer. Isso tá me destruindo de uma forma que parece acontecer cada vez mais frequentemente. Vocês sabem que eu sou menor de idade e dependo de vocês pra várias coisas, certo? Eu queria pedir para ir em um psicólogo, porque sem eu não vou conseguir mais lidar com isso sozinha.

 

Pareceu que, por um momento, o mundo inteiro parou em um silêncio tenso. Eu tentava segurar as lágrimas, mas eu sou pior que uma cachoeira, então, tentei me concentrar em limpa-las e pensar positivo sobre a resposta deles. Quando levantei a cabeça novamente, meu pai parecia pensativo sobre o que falei, mas logo começou a falar olhando diretamente nos meus olhos. Admito que tenho dificuldade em descrever sentimentos (ainda mais quando se trata dos meus) mas, com certeza, o que senti foi arrependimento puro.

 

— VOCÊ NÃO É LOUCA, ENTENDEU?! — Adoraria que essa frase tivesse vindo de forma gentil, mas foi gritada agressivamente por um homem visivelmente alterado. — FILHA MINHA NÃO VAI NESSAS COISAS DE LOUCO!

— Mas pai, psicólogo é recomendados pra todas as pessoas, e eu...

— CALA BOCA! VOCÊ NÃO VAI E PRONTO! — Se levantou, seu rosto começava a ganhar uma coloração vermelha. Olhei para minha mãe, buscando algum sinal de que ela iria compreender.

— Ele está certo. E o que vão pensar de nós com isso?! Uma filha indo nessas coisas? — É, sem chance dela me defender.

— ...A opinião dos outros é mais importante do que como eu me sinto? O que os outros vão falar é mais importante do que qualquer trauma, problemas e talvez até transtornos que sua filha possa desenvolver? Não é porque vocês não são sensíveis que eu não sou.

— Mas você sempre tem a gente pra conversar, você que prefere ficar trancada no quarto que nem um animal. Depois fica sempre se fazendo de vítima. — Ela respondeu.

— EU? EU?! Eu tenho com quem conversar? Eu tenho com quem contar? Porque nos últimos anos não foi o que eu vi. Cada plano que eu conto, vocês colocam defeito. Cada desabafo a culpa é minha. Cada profissão que eu quero seguir não é boa o suficiente. Ser agredida é frescura. E eu “posso contar com vocês”?! Com pessoas que nem me apoiam?!

— Você nunca mais fala assim comigo, entendeu? — Fez o olhar mortal típico de mãe — É sempre assim, né? Pra você é fácil jogar a culpa de tudo na gente, ai coitadinha de mim, o mundo tá sempre contra mim e mimimi. Mimimi é o escambal, te toca que ninguém aqui cai nessas tuas histórias não. E também não vem com essa de nos chamar de insensíveis, somos sinceros pro teu bem, ou tu acha que vai ganhar a vida que nem o teu tio sendo professora? Pelo amor de Deus, né? Começa a pensar racionalmente que você vai ver.

— Pelo amor de Deus, quem disse que eu quero ser como o meu tio? Ele foi acusado de abuso sexual, mas aí tá tudo bem, né? Ai pode, porque ele tem o dinheiro pra contratar os advogados certos e tirar provas falsas do cu falando que a vítima tá mentindo. Ah, é, deve ser nisso que vocês se inspiram né? Manipular tudo pra saírem como os certos e sempre terem todo mundo submisso ao seu redor, mas, uma dica: eu não sou trouxa. Eu posso me sentir um lixo e chorar várias vezes em um único dia, mas eu não sou burra e se vocês pensam que vão me manipular da mesma forma que fazem até mesmo com a Maria e eu vou aceitar quieta só mostra que 16 anos de vida não foi o suficiente para que vocês me conheçam.

—  Maria?! O que ela tem a ver? Você sempre enfia quem não tem nada a ver pra sair como certa, depois é a gente que faz joguinho? A gente sempre esteve aqui pra você, e nós somos os manipuladores? Quantas vezes a gente tentou falar sobre namorados? Quantas vezes tentamos falar sobre a sua vida? ME RESPONDE, QUANTAS? E VOCÊ NAÕ VALORIZOU NENHUMA! NENHUMA! — Novamente, o pai alterado apareceu.

— Vocês acham que eu não sei que vocês atrasam o salário dela só por preguiça? Que não chamam ela pra almoçar com a gente todos os dias não por verem ela como uma humana, mas na esperança dela se apegar a nossa família e não se importar de ficar de babá, fazer horas extras de graça e coisas que são fora da função dela? E, me desculpa Maria, mas parece que o plano deles funcionou. — Vi o olhar dela se abaixar e reconheci que falei um pouco mais do que deveria, mas ainda assim, havia coisas que ela precisava perceber. Infelizmente, não foi no momento certo e nem com o tom certo. Ela não abriu a boca até agora e provavelmente não abriria, visto que ainda precisava levar dinheiro para sua própria casa. — E, me diz, o que exatamente eu não valorizei? Ah, é. Eu não devo ter valorizado que vocês puxaram assunto sobre garotos comigo só para descobrir um possível interesse e me proibir de me aproximar dele se não agradasse vocês. Ou, talvez, ser grata por vocês ignorarem o que eu sofro todos os dias? Ah não, não, é melhor agradecer mesmo por vocês terem feito eu me afastar de qualquer pessoa que não fosse da mesma classe social que eu e terem dado um jeito do meu cachorro sumir, né?

— Você é uma ingrata! — Ela voltou a falar — Sempre estraga tudo! Mimada! Se você seguisse o que a gente diz, nada disso seria assim!

— Você não acha que se eu seguir só o que vocês querem eu vou acabar virando uma boneca?

— Prefiro uma boneca do que uma filha que me decepciona como você.

 

Abri e fechei a boca uma, duas, três vezes, sem saber como reagir com esta frase. Primeiro veio a ansiedade junto do arrependimento, que foi suficiente para refletir se eu não deveria ter ficado quieta sobre esse desejo como fiz nos últimos meses. Depois, raiva por nunca ser compreendida. E, por fim e mais forte, tristeza profunda. Talvez eu só seja sensível demais, mas isso não é algo que se fale pra ninguém, ainda mais uma pessoa supostamente importante pra você. Se esperança fosse uma luz, acho que todos conseguiriam ter visto ela diminuir sem brilho a cada palavra pronunciada por eles e, por fim, se apagar. Não sabia o que dizer — e nem sem se havia algo sensato a dizer, então apenas me levantei em silêncio e sai apressada para voltar ao lugar que acabei de sair.

 

Talvez eu tenha sido muito inocente em pensar que uma conversa seria o suficiente para que eles entendessem, mas, como dizem, a esperança é a última que morre.

Eu sempre soube do risco de eu ser a única a sair magoada, mas mesmo assim, minha voz interior não parava de gritar para que eu não desistisse sem antes tentar, e eu, tola, a escutei mais uma vez. Talvez não fosse certo pensar assim, mas parecia que cada vez que tentava expressar meus sentimentos eles eram pisados por todos que me rodeavam, mesmo assim, isso faz parte de mim. Não consigo ignorar o que eu sou e tudo que eu sinto e simplesmente me tornar uma pessoa “fria” que não liga para os outros — até porque, se eu fizer isso, provavelmente vou tornar justamente as pessoas que odeio hoje.

Pelo jeito vai ser mais um dia no quarto me lamentando pelo o que fiz ou deixei de fazer. Por mais que eu já tenha me habituado, não deixa de ser um cômodo com um clima ruim, o qual adotei como meu único refúgio.

 

Desvio o olhar para a cômoda, onde deixei o NerveGear na última vez que o usei.

Me sento na cama e colo-o em meu colo.

 

É, talvez exista outra forma de fugir.


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Notas finais do capítulo

Se você leu até aqui, espero que tenha gostado! Como eu disse nas notas iniciais, a pegada desse capítulo é um pouquinho menos ação, se você pudesse me falar e/ou comentar o seu estilo favorito de capítulos iria me ajudar bastante!
Vou aproveitar essas férias pra tentar iniciar o próximo capítulo e dar uma adiantada, espero que dê tudo certo pro próximo
Tenham um bom dia, princesos (as)



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