I'm sorry escrita por Lyhshi


Capítulo 10
Duas vidas, duas decepções


Notas iniciais do capítulo

Antes de tudo, feliz natal e ano novo. Espero que vocês tenham se alimentado bem e aproveitado bastante! Agora sim:Antes de tudo, feliz natal e ano novo. Espero que vocês tenham se alimentado bem e aproveitado bastante.
Bom dia/tarde/noite, povo!
Olha só quem por milagre apareceu e ainda entregou o capítulo 1 dia antes do prazo de 1 mês? Quem diria, né?
Espero que possam aproveitar a leitura. Foi um capítulo que envolveu muitos esforços e algumas pesquisas para ser feito, tentei descrever o melhor que pude o finalzinho
*Antes que vejam o início e pensem "meu deus kirito NÃO AGUENTO MAIS" continuem lendo porque essas reclamações sobre ter que melhorar vão finalmente sumir*
Boa leitura!



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ᨖ Kirito ᨖ

 

                Mas que merda de impulso agressivo é isso? Eu tento parar, tento mudar mas parece que ninguém colabora comigo e começam a me irritar de propósito. Ninguém merece.

                A minha frente, vejo Asuna entregar para a professora a folha com o nome do projeto (que não tenho a mínima ideia de qual seja) ao mesmo tempo que o sinal troca, indicando que a aula já havia chegado a seu fim. Fiquei em pé e me preparei para carregar a cadeira de volta ao meu lugar, vi Pedro fazer o mesmo e Asuna apenas virar a sua em direção de sua classe novamente já que era a única que não havia mudado de lugar.

 

— Ei, espera aí. — Pedro chamou nossa atenção — E quando vamos fazer o trabalho? E aonde?

— ... — Todos, inclusive o garoto que havia acabado de falar, ficarem em silêncio pensando.

— Temos só quinze dias para praticamente criar um jardim em miniatura cuidadosamente. — Falei.

— É, quinze dias.

 

                E ficamos os três em pé se encarando ali, enquanto todos os outros retornavam a seus lugares.

                Ninguém parecia realmente querer levar tudo isto para a frente. Inclusive eu, mas eu era o único que precisava ganhar por algum motivo maior do que mostrar ser o melhor, mas entendo eles. Se não fosse pelo o dinheiro, eu também não ia querer fazer. Até o momento Asuna foi a pessoa mais animada com tudo isso, dando a ideia animadamente e etc, mas até ela parecia hesitante nisso. Provavelmente o problema dela não era fazer, e sim fazer com a gente.

 

— Na casa de algum de nós não rola? — Puxei, vendo se algum deles se animava ou oferecia alguma de suas mil mansões para que a gente fizesse tudo lá (talvez eu seja um pouco exagerado, mas se tratando de dinheiro das pessoas dessa turma eu não tenho nem noção aproximada de quanto cada um deve ter, só sei que é muito).

— Sem chance. — A ruiva falou primeiro, apressadamente — Meus pais não gostam de visitas, muito menos de amizades minhas e muito, muito, menos de homens.  Garanto a vocês que não passariam nem na porta.

— Na minha humilde residência também não tem como — O garoto ao nosso lado começou — Na verdade, eu ainda nem decidi se realmente vou participar do projeto ou deixar vocês fazerem sozinhos. Não vou me comprometer.

— Oi? Sozinhos? E depois você só fica com uma parte do dinheiro e ainda divide o mérito com a gente caso ganhemos? Sem chance. — Falei. Asuna concordou silenciosamente.

— E quem disse que eu estou precisando de dinheiro? E eu nunca falei que iria me escorar em vocês e sugar todos os méritos da pobre duplinha esforçada. Não que seja má ideia. — Colocou a mão no queixo, fingindo pensar. — E você, Kirigaya? Pelo jeito foi o que sobrou.

— Eu... Melhor não, porque... Porque.... — Tentei pensar em qualquer maldita desculpa. Eu não posso simplesmente falar “porque se eu vendesse minha casa não receberia dinheiro o suficiente para comprar o colchão que vocês dormem” mas também não consigo mentir. Eu sempre tive problema com mentiras, até mesmo para enganar alguém brincando. — Minha mãe anda doente e precisa descansar.

— E quem vai fazer o trabalho é a gente ou ela? — O loiro debochou.

— Não, você não entende. É que... ela nada muito mal mesmo. E também estranha bastante visitas.

— Se não for na sua casa, não vamos ter como fazer. Mas tudo bem, acho que ninguém está se importando mesmo com essa competição toda, é só estresse atoa. E se a gente largasse? O que vocês acham? — Ele olhou para nós dois seriamente.

— Eu queria fazer... —ouvi-a falar baixinho — Mas se não tem como, por mim, okay.

 

                Acho que minha cara de descontentamento ficou mais transparente do que eu imaginei.

 

— Se não tem outro jeito, pode ser lá em casa. Mas sem berros, sem exaltação e vocês vão fingir que são meus amigos próximos, ok?  

— Amigos próximos, é? — O menino disse — Pode ser.

— Uhum — Ela apenas murmurou algo que não entendi direito, mas concordando.

 

Ele parecia tranquilo, mas ela aparentava estar mais nervosa e desconfortável do que eu. Não que eles pudessem negar, também. Nós três precisamos de nota e todos nos preocupávamos com isto (obviamente, para mim era um motivo e um incentivo a mais), exceto Pedro, que já havia feito tantas recuperações e exames que já estava acostumado a qualquer coisa que viesse.

 

— Hoje é segunda-feira, né? Que tal nos encontrarmos no fim de semana então? Depois passo o endereço para vocês.

— Cara, fim de semana é muito em cima. São só quinze dias para organizar tudo: criar esse jardim bizarro, arrumar os materiais, plantar e manter as plantas vivas e, ainda, fazer a parte por escrito do projeto. Sem contar que ainda temos que treinar a apresentação.

— Você acha problema em tudo? — Admito que me estressei um pouco com o garoto. Nunca vi um grupo tão difícil de tomar decisões: tudo que falamos entra em uma discussão idiota.

— Ninguém mandou você sem ser noção. É só raciocinar um pouco. Para fazer a base do jardim, deve levar pelo menos um dia e ainda nem decidimos o material para ir atrás. Eu duvido que um terrário seja feito com a mesma areia que a gente pega da rua, então precisamos ir atrás da certa pela cidade e talvez mistura-la com outra. E não esqueça que são nove biomas, precisamos decidir cuidadosamente de qual região cada planta vai fazer parte para representar o bioma corretamente, o que exige mais pesquisas porque também duvido que todas as plantas sobrevivam nestas condições. Temos que colocar tudo isto cuidadosamente em um vidro que também não temos noção de onde vamos tirar e pintar algo semelhante a um oceano nele. Só explicar isso está bom ou eu também preciso detalhar sobre como vamos levar dias até conseguir montar o terrário completamente? — Me surpreendi um pouco em como um aluno que sempre foi julgado como preguiçoso e burro conseguia organizar e liderar com tanta facilidade um projeto (ou talvez eu que sou muito ruim na liderança). Senti uma ponta de arrependimento por ter pré-julgado ele da mesma maneira que os outros.  Restringi minha resposta a um aceno de cabeça.

 

                Outra coisa que me surpreendeu, sem dúvidas, foi o silêncio de Asuna. Ela é uma pessoa que você não precisa sequer ser minimamente próximo para perceber que é uma máquina de gerar ideias que ninguém consegue pensar. Sei que ela me odeia, sei que ela também acredita que Pedro tem um caráter duvidável, só é preciso a observar por alguns dias para perceber que ela não consegue evitar ser simpática e falante até com quem já bateu nela (Em minha defesa, não fui eu. Não sou tão extremo assim. Há uns meses uma garota deu um tapa digno de cinema nela, boatos dizem que foi após o namorado dela ficar “de olho” na ruiva. Dias depois, a professora as juntou em uma dupla e Asuna falava sem parar mesmo com os olhares de desprezo. A situação toda fez com que elas se tornassem o assunto da escola por alguns dias).

                Mas agora ela parecia ter sido totalmente substituída por uma garota diferente — já não era mais a garota que quase assumiu outra personalidade ao falar sobre fazer um terrário no formato mais estranho possível. Olhava fixamente para um ponto no chão, com os pensamentos longe e as sobrancelhas curvadas levemente a deixar seu rosto com aparência levemente angustiada ou, talvez, preocupada. 

 

— Bom dia, pessoal. Sentem-se. — Agora, outra professora havia assumido o comando, da disciplina de sociologia. A sua última frase foi dita enquanto olhava para nós três: os únicos alunos ainda em pé e com as cadeiras fora de lugar da sala inteira.

— Quarta-feira então. — Em questão de segundos Pedro trouxe minha atenção novamente a conversa — Amanhã nos comprometemos a procurar vídeos e estudar sobre como um terrário é feito. Faremos um grupo no Whatsapp e por lá vamos discutir os materiais, se for algo que temos em casa, vamos para a sua casa na quarta-feira e começamos a montar. Se não, passamos para quinta-feira e compramos os materiais na quarta. O que acham? — Concordei novamente com a cabeça. — Asuna? O que você acha?

— Ahm... — Acordara de seu pequeno transe — Ah! Sim, pode ser. Acho que tenho coisas lá em casa que vão servir para fazer o início, só tenho que dar uma olhada melhor para ver se não jogaram fora.

 

                Trocamos o Whatsapp e depois de tanta conversa, finalmente nos sentamos, sentindo o olhar pesado da professora a cada pequeno movimento que foi feito até arrastássemos as cadeiras aos lugares certos. Expliquei que meu celular havia estragado (mentira, mas com certeza não suportaria aplicativo nenhum e muito menos internet) e passei o número da minha mãe, para fazer o tal grupo e mantermos contato. Eu tenho um computador velho, se utilizassem qualquer outra rede social com certeza facilitaria muito mais para mim, mas aparentemente alguns jovens tem fixação pelo aplicativo verdinho.

                E, finalmente, passei o resto da aula usando até a última energia que me restava concentrado em não bocejar e tentar focar no que estava sendo falado a minha frente pela professora. Ora meus pensamentos viajam para o universo de Sword Art Online e eu conseguia planejar tudo que pretendia fazer, ora desviavam-se para o pavor que seria criar este mini-jardim ou seja lá como chamam.

 

...

 

                Depois de dois ônibus, aleluia em casa! As olheiras, os ombros tensos e a dor nas costas só comprovavam que eu definitivamente precisava de férias.

                Ao entrar na cozinha, a primeira coisa que encontrei foi uma Suguha comendo como se tivéssemos comida sobrando: o prato quase transbordava o arroz e o feijão que eu havia feito no domingo e me esforçava para fazer durar por pelos três dias.

 

— Lhe foe? — Como sempre, falou antes de engolir a comida — Mão tomei café hoje, xô cagada de xome.

— Engole antes de falar, menina. Se você se engasga eu não sei nem o que fazer primeiro.

— Xou inegasgável.

— Aham. Su, a gente precisa conversar sobre uma coisa. — Me esforcei para pelo menos fingir que estou tentando ser delicado.

— São 13:15, eu pego o ônibus 13:30. Não tenho tempo para ficar conversando. — Pelo menos engoliu para me olhar com uma cara de quem não acreditava que eu havia cogitado a chamar para uma conversa.

— Não, é sério e se não for agora não vai acontecer. Essa comida — abri a tampa e mostrei o arroz que restara, e já não era tanto quanto planejei — era para durar mais alguns dias. Olha, você é quem recebe o dinheiro que sustenta a gente, você deveria ter um pouco mais de consciência. Você, mais do que ninguém, sabe que raramente tem sobrado alguma coisa, sempre aparece um remédio novo ou algo quebrado para gastar. A gente tenta economizar o máximo que pode. Eu mal como, e as vezes luto até o último contra o meu impulso de repetir o prato ou de colocar uma colher a mais de arroz ou feijão. — Ela me interrompeu.

— É exatamente o que você disse. O dinheiro é meu. Não é justo não sobrar nada para mim, agora nem comer eu posso mais? Eu paguei tudo isto aqui sozinha, inclusive a camiseta do uniforme escolar que você está usando agora. O mínimo que você deveria fazer é não tentar mandar o que eu gasto ou deixo de gastar.

— Ei, vamos manter a calma? Eu sei que é ruim. Sei de verdade. Sentir fome ou apenas desejo e ver tudo bem na sua frente, mas você precisa entender que as vezes a gente simplesmente não pode. E isso é uma questão bem maior do que querer controlar seu dinheiro ou não, já que ele é tudo que temos.

— Eu faço o que eu quiser com o meu dinheiro. E hoje eu senti vontade de comer o dobro do meu normal, e assim eu fiz. Virou crime agora? Ninguém vai morrer por isso. — Com uma ênfase em “meu” dinheiro, sua voz já estava bem mais alterada do que o normal.

— É muito além disso. Muito. Sai dessa bolha, Suguha. Você vive fazendo isso, e...

— 13:20. Se eu perder o ônibus por culpa sua, eu te faço me carregar de bicicleta até esta porcaria. Me deixa comer em paz e para de dar piti por pouca coisa.

— Não. Você já tem idade o suficiente para entender que...

— Mas que inferno!

 

                E ao largar o garfo estrondosamente em cima do prato redondo branco, se levantou e saiu em disparada para o banheiro, se recusando a ouvir qualquer argumento que eu tivesse.

                Sempre foi assim. Ela não entende a condição que a nossa mãe está e não consegue aceitar o fato de que ela não tem como separar o dinheiro dela e o nosso. Não temos opção. Eu simplesmente não posso larga-la doente e sozinha em casa e ir trabalhar como se nada mais além do dinheiro e de mim mesmo fosse importante.

 

                Como o bom doméstico que sou, peguei o que sobrou de comida em seu prato e guardei em um pote, colocando-o na geladeira — talvez isto acabasse se tornando o jantar da própria Suguha em algum momento.  Abri o armário superior e de lá retirei outro prato, desta vez limpo, onde servi prestando atenção nas quantidades certas, as quais balanceariam a dieta que minha mãe tanta odeia seguir. Quando terminei, o coloquei em cima da mesa e fui buscar talheres.

                Peguei outro prato e me aproximei das panelas, e então lembrei de que queria fazer durar pelo menos três dias. Meu estômago contorceu-se e com um som característico. Junto de um suspiro, coloquei as tampas nas panelas e devolvi meu prato ao armário.

                Agora em minhas mãos estava apenas o que seria entregue a mamãe. Então, obviamente, fui ao seu quarto, no qual fui recebida com um sorriso calorosamente forçado.

 

— Bom dia! Ou tarde, né? — Cumprimentei, enquanto esperava ela se sentar.

— Boa tarde. O que você fez agora? — Olhei curiosamente para ela — Eu ouvi Suguha falar algo alto, acho que te xingando e um barulho alto. Brigaram de novo? Vocês são irmãos, deveriam ficar unidos.

— Não, não foi nada disso. Na verdade, eu cheguei e começamos a conversar, mas eu acabei a distraindo e ela me xingou porque eu sempre a faço perder o controle do horário e se atrasar. Você sabe como ela é, né? Não aguenta se atrasar cinco minutos. E o barulho foi quando ela largou o garfo com tudo no coitado do prato.

— Ah, sim. Suguha sendo Suguha. E o que temos de cardápio hoje, senhor?

— Arroz. E feijão como acompanhamento, jovem dama.

— Nossa! Como podem servir tantos pratos diferentes em um só lugar? Ontem tivemos feijão com arroz de acompanhamento. Impressionante observar as inovações deste lugar. — Ambos sorríamos enquanto eu colocava o prato em cima de suas pernas cobertas por um lençol fino. Temos dias que a única coisa que nos resta é o senso de humor.

 

                E assim seguimos, em uma mistura de ironia, assuntos sérios e piadas. Estaria tudo bem, se o clima não tivesse mudado repentinamente para algo tão melancólico.

 

— E você, Kiri? O que tem feito? Nas últimas tardes você mal tem aparecido por aqui... E a noite as vezes te escuto tomando água, coisa que você nunca teve o costume de fazer. E com noite digo quatro horas da madrugada. — Ela tentava trazer o tema como algo casual, mas não era difícil de ver que ela não estava muito contente. E algo como preocupação ou raiva era bem notável também.

— Você lembra daquele jogo? Sword Art Online.

— Qual?

—  O que eu disse que ganhei em um sorteio e precisei ir no posto de saúde pegar um atestado com uma psicóloga, falando que eu estava apto a jogar? E eu esperei por meses até lançar?

— Ah, lembro. Então é isso? Se viciou em vídeo-game de novo, Kirigaya? Quantas vezes eu preciso falar que isto vai atrapalhar seu futuro? — Agora sim o tom casual havia sumido e dava lugar a uma voz mais séria.

— Mãe, não tem nada de errado em jogar. As minhas notas não caíram. Eu estou aproveitando que o período de provas já terminou e só resta um trabalho ou outro para fazer. Não estou deixando nada de lado.

— E o seu futuro? Você deveria usar todo o tempo livre para estudar, como a sua irmã faz. Isso poderia ser o que você precisa para passar em um concurso público, talvez. Ou ir para a faculdade. Pode ser algo decisivo. — Ser sempre comparado a Suguha era uma das coisas que eu mais odiava. E ela sabia.

— E eu estudo, mas ninguém vive só disso. A minha cabeça também precisa de um descanso e esta é a forma que eu encontrei. Não estou te deixando de lado, mas eu também preciso de um tempo para mim mesmo.

— Você é muito sem noção, isso sim. Olha a nossa situação. A Suguha se mata trabalhando e o tempo livre dela é trancafiada no quarto estudando, e você já a viu reclamar? E você com todo o tempo livre, só tendo que cuidar da casa e ir para a escola acha que não deveria no mínimo se esforçar como ela?

— É óbvio que ela não vai reclamar se ela mente tudo que faz para você.

— ...

— ...

— Quê?

 

                Sabe aquele momento em que você sente o corpo inteiro gelar quando percebe falou algo muito errado?

                Tentei pelo menos pensar em algo para reverter a situação, ou, pelo menos, ameniza-la. Mas do jeito que eu falei, não existe nada assim.

 

— Ai, mãe, não sei nem como te explicar isso — Tentei fazer uma pausa antes de continuar falando, mas seu olhar estava fixado em mim e isto me deixou ainda mais nervoso — Ela só não é assim, tá bom? Ela nunca passa o dia estudando, na verdade, ela só estuda se é para alguma prova. Em uma semana, ela deve ir a aula duas ou três vezes, porque ela acha mais legal ir para a casa dos amigos dela e nada no mundo consegue mudar esta visão, acredite, eu já tentei muito. Ela fez uma tatuagem no pulso, por isso ela só vem te ver de casaco. Sei que você não se importa com tatuagens e essas coisas, mas sei que você tem noção do valor de uma, né? Ela ignora completamente toda a nossa situação financeira e gasta a maior parte do dinheiro no que lhe der vontade.

— Mas... Meu Deus. Ela não era assim. E nunca foi assim. — Ela parecia estar presa em uma mistura de choque e lembranças de quem Suguha era.

— Mais do que ninguém, eu sei. Ela é só um ano mais nova, mas desde pequena, sempre me recebeu tão bem. Sempre parecia tão madura para a idade dela, você lembra? — Ri apenas soltando o ar pelo nariz e sorrindo, me lembrando dela bem pequena tentando cortar legumes, mas sequer sabendo como pegar a faca corretamente — E agora ficou assim. Ninguém esperava isso, nem mesmo eu. Talvez seja a adolescência, só uma fase passageira.

— Ou a falta de uma mãe que a orientasse. — A voz era carregada de culpa, dava para saber que seu coração estava pensando apenas ao olhar para ela. Admito que me senti da mesma maneira em a ver assim. A última pessoa que uma pessoa acamada precisa saber é que sua filha adolescente decidiu ter duas vidas e quase se tornou outra pessoa.

— Não é sua culpa. Nunca foi. Você sempre fez o que pode, sempre esteve... — Fui interrompido.

— Pare de falar.

— Mas, mãe, você precisa entender que...

— Só cala a boca, Kirigaya. E me deixa em paz.

 

                Fiz menção de abrir a boca para falar mais uma vez, mas um olhar mais do que frio encontrou o meu, e isto foi suficiente para que eu pegasse o prato e saísse em silêncio.

                Enquanto lavava a louça, fiz o que mais faço: pensei, pensei e pensei. Tentei imaginar como eu reagiria na situação dela, e decidi que ela não fez nada muito diferente do que eu faria. Não fiquei ofendido por ter sido expulso, na realidade, fiquei preocupado em pensar nela deitada, se lamentando por não conhecer mais sua própria filha enquanto está presa a uma cama. E senti o peso da culpa me envolver em um abraço sutil. Não deveria ter contado aquilo. Mas já foi, não tenho mais nada a fazer.

                Então, tentei mudar o ponto de vista e pensar pelo lado da minha irmã. Mas mesmo assim não consigo entender. Ela provavelmente deve pensar que está desperdiçando a vida, que poderia estar fazendo outras mil coisas e gastando o salário como uma adolescente: em bebida que ela fingiria que gostaria para parecer mais descolada do que realmente é. Eu entendo um pouco a frustração: também tive que abrir mão de mais coisas do que desejava para cuidar dela, nunca tive a oportunidade, mas sei que adoraria trabalhar e ser dono de minha independência financeira. Depender dos outros nunca é uma magoa ideia, ainda mais quando “outros” se refere a uma menina que nunca se esforçou para pensar em alguém além de si mesma.

                E entendi ainda mais o que estava acontecendo quando me peguei pensando como seria se essa doença não existisse. Sobre como como eu teria a oportunidade de ter meu próprio dinheiro, sair com meus amigos e ver como os cinemas deveriam ter mudado desde a última vez que apareci em um (há pelo menos 10 anos).

                Lidar com tudo isto é mil vezes mais difícil do que eu imaginei.

            Uma mãe que envelhece com a dor de não ver os filhos crescerem ou de orienta-los, uma irmã egoísta que está a alguns passos de se tornar alcoólatra, e eu, um garoto que prefere agredir fisicamente e verbalmente alguém a admitir que talvez sinta um pouco de inveja.

             Família complicada, não? Mas tentei não pensar nisso quando notei que estava há mais de quatro minutos esfregando o mesmo prato.

                E percebi que não iria conseguir deixar isto de lado quando me peguei pensando mais uma vez em como era possível eu refletir e perceber tantas coisas tão facilmente, mas não fazer nada para mudar.

                Comecei então a pensar em Suguha, no que era e no que se tornou.

                Uma garota gentil e compreensiva se tornara alguém egoísta que pensava apenas em si e em suas prioridades. Um garoto alegre e extrovertido havia se tornado um pseudo-depressivo que sempre preferia desejar a vida dos outros do que a viver a sua. Não quero me tornar o que ela se tornou. Não quero perder completamente quem eu sou, e muito menos perder a autocrítica que sempre tive. Sei que já pensei e sussurrei para mim mesmo tantas e tantas noites que alguma hora mudaria, que era normal ser assim diante de tudo que passei e que conforme as coisas melhorassem, eu voltaria a ser quem eu era.

                Mas, agora, sim, pude perceber que não é assim que as coisas funcionam.

                 Não posso ser uma pessoa boa apenas em períodos felizes. Quero ser alguém que as pessoas possam olhar nos olhos e falar o quão forte eu sou por enfrentar tudo com um sorriso no rosto. Por dar bons conselhos. Por ser compreensivo e paciente.

                E se eu não lutar, eu não vou chegar nem perto disso. Se eu não tentar, eu vou acabar me tornando o mesmo — ou pior — do que a minha irmã se tornou. Dessa vez, vou passar de um pensamento falso que aparece na minha cabeça a cada coisa errada que faço: “preciso mudar”. Mas, eu, de verdade, nunca tentei.

                E agora, sinto que estou pronto para isto.

                Assim, consegui dar o sorriso mais verdadeiro da semana.

                Quem sabe, do mês.

                Sinto como se finalmente tivesse visto o óbvio. E acho que tal revelação talvez mereça um pequeno descanso como comemoração: fazer algo para me divertir e relaxar um pouco. Ignorar os mil pensamentos e problemas que me sufocam todos os dias com certeza vai me fazer bem.

                Talvez este tenha sido o meu primeiro passo.

 

...

 

                — Link  start!

 

                Senti um imediato alívio após ter passado através dos milhares de cores da tela inicial e retornado ao calor infernal do deserto. Só que dessa vez, sozinho. Não sei dizer quantos dias fiquei fora do jogo, mas os cuidados com a mãe, faxina, desânimo e cansaço me acompanharam durante todos eles. Meu time já havia me avisado na escola que me deixariam para trás e seguiriam seu próprio rumo, como os bons amigos que são. E também estava consciente que abandonar o jogo por tantos dias me prejudicaria na missão de me tornar o melhor jogador do servidor.

                Mas, tudo bem. Sempre preferi jogar sozinho do que em time.

                Olhei para a esquerda, para a direita, para trás e para frente. E cheguei à conclusão que não me lembrava mais o que estava fazendo ali, e muito menos como eu havia chegado a este ponto. Forcei a memória e consegui lembrar de: cobras humanoides, um monstro bizarro carregando um cadáver e prendendo Klein, ganhamos uns quatro ou cinco níveis e eu ganhei uma espada forte, que parece ser feita de cristal. Lembro também que Klein citou algo sobre haver uma floresta aqui perto...

                E é para lá que eu vou — não que eu tenha muitas opções.

 

...

 

                Agradeci demais por não ser possível se queimar com o sol dentro deste jogo, porque a sensação térmica do deserto que eu estava beirava os 42 graus. Não tenho nem noção de quanto tempo perdi para chegar até aqui, mas sei que passei um dia e uma noite virtual inteira caminhando. Espero que, no mínimo, chova ou haja um lago dentro desta floresta.

                Inclusive, a floresta era linda, não que eu seja muito fã de árvores. Seus caules eram em um marrom acinzentado, em um meio termo entre grosso e fino que pareciam não suportar o peso da longa folhagem verde. Caminhar por ali era mais do que cansativo: o sol continuava quente, e as partes que conseguiam iluminar o solo através das folhas pareciam uma sauna. Em algumas partes do chão havia barro, em algumas partes subidas e elevações (um tanto estranho para uma floreta, admito) e era necessário constantemente desviar de grandes raízes. Sem dúvidas, o destaque deste local era uma árvore enorme. Quando digo enorme, quero dizer que ela é realmente enorme. É necessário empilhar umas cinco árvores de tamanho normal para alcançar o topo desta.

E é mais do que óbvio que lá é o meu destino. Duvido que o jogo tenha sido criado com um bioma como este e uma árvore tão destacada para ser em vão. Infelizmente, ainda havia muito para caminhar até a alcançar.

 

...

 

Me senti o homem mais sortudo do mundo ao me jogar no riacho que encontrei após tanto desejar. Primeiro, senti meu corpo todo se arrepiar em resposta a mudança brusca de temperatura, mesmo que a água não estivesse tão fria quanto eu imaginava.

Pensei, talvez, em tirar o sobretudo — ou pelo menos a camiseta, mas achei melhor manter todas minhas roupas e itens por perto em caso de uma emergência. Em pé, a água alcançava meu peito, o que me fez caminhar para mais próximo da borda, e me sentei no local que aparentemente estava mais raso. Apoiei meus braços na terra abaixo de mim, e me inclinando para trás com os olhos abertos, molhando o cabelo. Um jeito bem estranho, mas eficaz, já que meu sexto sentido apitava a todo momento, falando que este local não era seguro.

E apitou ainda mais quando o próprio riacho começou a ganhar forma.

 

Dois feixes de água elevaram-se poucos centímetros do riacho, rodopiando enquanto moldava um estranho ser azul. O tempo que levei para correr para terra e me movimentar melhor, foi o que o tal ser precisou para terminar se formar.

A minha frente uma mulher azul — não tanto quanto um avatar, um azul claro e delicado. Um pouco transparente, inclusive — com aparência humanoide olhava fixamente para mim, sem esboçar nenhuma reação. Seus olhos eram completamente brancos, sem pupilas ou cílios, o que combinava perfeitamente com a não-existência de seu nariz. De sua cabeça e, principalmente nuca, oito ou nove tentáculos surgiam, o que era o mais aproximado de cabelos que este monstro poderia ter. Não sou bom para saber como funcionam os animais marinhos, mas suas orelhas eram puxadas para trás, sendo conectadas diretamente com a cabeça: sem relevo algum.

Era interessante reparar como um ser feito de pura água conseguia combinar com brincos (uma argola feita de prata puxada para um lado mais tribal, com pequenos dentes pontudos pendurados como enfeite) e pulseira, que era tão delicada quanto o acessório anterior. E, mais interessante ainda, observar como era possível usar roupas sem que atravessassem seu corpo. A mesma prata que foi material de seus acessórios, foi utilizada para criar um peitoral delicado e resistente, cobrindo apenas seus seios. E, como se não bastasse, o mesmo material foi utilizado para fazer os detalhes da saia de couro aberta em ambos os lados das coxas, marrom-esverdeada.

 

Por instinto, coloquei a mão no cabo da nova espada. Uma parte de mim ficou com medo por estar sozinho, enquanto o outro ansiava utilizar meu novo item. A clássica mistura de ansiedade e hesitação. Imediatamente, senti meu corpo inteiro ficar tenso enquanto aguardava o... animal? Fazer seu primeiro movimento.

Só que, ele não fez. E nem eu. E ficamos bons cinco minutos olhando um nos olhos do outro: eu, com desconfiança, e o ser com indiferença. Até que, para a minha surpresa, ela resolveu falar:

 

— Desculpe a hostilidade, não tive a oportunidade de ver um jogador de perto ainda. — Sabe uma voz que é capaz de acalmar apenas ao a escutar? É exatamente esta. Suave como uma brisa.

— É... Tudo bem, eu acho. — Senti minhas sobrancelhas juntarem-se em desconfiança. Nada nesse jogo é confiável.

— Não precisa ficar assustado. Nem todos nós somos agressivos, ou monstros, como vocês chamam. E não me olhe com esta cara, é sério. Eu fui criada só para aconselhar e tirar dúvidas de jogadores. Como a floresta é muito extensa, acaba sendo meu dever guia-los também.

— Hm... Mas não tenho nenhuma dúvida, obrigado. Acho que já vou indo. — Admito que, pelo menos um pouco, acreditei em sua gentileza. Não tinha uma aparência agressiva e realmente nem todos monstros são agressivos. Mas minhas roupas estavam pesando pela água, isto não seria um problema muito grande se não fosse pelo motivo que me fez hesitar: não é um peso normal.  Parece que tem ferro amarrado em todos meus membros, tanto que quando fui colocar a mão no cabo da espada fiz um movimento duas vezes mais lento do que o normal.

 

Comecei a caminhar no sentido contrário ao lago, inclusive, de onde vim, pretendendo fazer a volta no riacho assim que eu sumisse do seu campo de visão. 

 

— Mas que merda. Por que ser boazinha nunca funciona? — Meu coração deu um pulo ao escutar sua voz, que agora havia se tornado ríspida e grossa.

 

Em questão de segundos ela apareceu na beira do riacho e com uma de suas mãos e seus tentáculos esticados o máximo que podia, conseguiu me arrastar para dentro do lago pelas pernas. Ao mesmo tempo, com um dos tentáculos conseguiu abrir o cinto que prendia a bainha (e consequentemente, a espada) em minhas costas.

E, enquanto era arrastado, eu verdadeiramente me apavorei.

Eu posso até desesperar fácil, mas dessa vez esse não era o caso. Quem não se desesperaria em ver uma criatura sentindo prazer em correr os tentáculos grudentos e nojentos até seu pescoço enquanto você sabe que não tem nenhuma arma?

 

Assim como Klein contra os animais desérticos, minha primeira reação foi colocar ambas as mãos no que agarrava meu pescoço e tentar me libertar a todo custo: puxando, arranhando com as poucas unhas que tinha, me sacudindo e esperneando. O que não durou muito, já que o a força aumentou, trancando qualquer entrada ou saída de ar que eu tivesse. Meus pés continuavam sendo agarrados por tentáculos gosmentos. Meus braços estavam sendo a única esperança, mas com o aumento da força, eu sentia que eles estavam começando a amolecer assim como o resto do meu corpo.

 

Senti raiva. Por que eu só caia contra monstros assim? Sempre? Sempre milhares de níveis superiores, muito mais forte e sempre me fazendo pensar que vou ganhar um game over. Não sabia se sentia ódio pelo azar de viver me arriscando, ou felicidade por saber que sempre vou subir de nível bem mais rápido que o resto dos jogadores.

 

A pior parte, era que a moça aquática parecia se divertir — talvez até sentir prazer — com o que estava fazendo. Me olhava com os olhos radiantes, a boca curvada em um sorriso prazeroso e quanto mais apertava, mais sua expressão se contorcia em prazer. E mais meu HP descia.

Mas, um momento, o pescoço deixou de estar sendo tão apertado e eu consegui puxar o ar para os meus pulmões novamente. Nunca havia sentido um alívio tão grande em respirar.

Pena que não durou muito, porque em segundos eu estava com os pés para o ar e a cabeça enfiada em baixo da água. Tentei então prender o pouco ar que havia conseguido quando houve a oportunidade, mas não durou muito tempo. Em pouco menos de um minuto meu corpo começou a implorar desesperadamente por um pouco de ar, até o momento em que cedi. Em um movimento inconscientemente desesperado, inspirei a água de uma só vez sentindo meu pulmão começar a queimar. Mais uma vez tentei me debater, tirar seus tentáculos de mim, ou qualquer outra atitude que fosse me proporcionar pelo menos um pouquinho de oxigênio.

E, adivinha? Não funcionou mais uma vez. Desta vez, todos os cantos da minha visão começavam a tornar-se escuros. Tinha certeza que iria perder a consciência, e mais uma vez fiquei com raiva do azar que eu sempre tinha neste jogo.

Mas, mais uma vez, consegui voltar a respirar quando o monstro me trouxe para a superfície novamente. O aperto no pescoço havia diminuído consideravelmente, já que o ser sabia que eu não teria forças sequer para tentar fugir. Primeiro, vomitei parte da água que engoli, sentindo todo o trajeto que ela fez dentro de mim até a saída. Conseguia sentir direitinho a ardência e a dor que causara. Por poucos segundos consegui inspirar e expirar o ar puro da floresta, mas foi o único momento em que tive essa oportunidade, já que retornei a água novamente.

Criar animais, monstros ou seja lá o que sejam com uma quase consciência é uma ideia ótima e original. Mas não se você deixa a sua personalidade sádica e inteligente o suficiente para satisfazer seus desejos.

E era óbvio que respirar uma única vez e cuspir uma parte da água que engoli não seria o suficiente para que eu me recuperasse totalmente. A minha vida agora estava na metade, mas mesmo assim descia lentamente. O que isto queria dizer? Eu estava morrendo! Mal consigo pensar, respirar e até mesmo minha visão está embaçada. Como ainda me resta metade do HP?

Em um gesto desesperado, fiz o sinal para abrir o inventário. Fiz uma, duas, três vezes. A minha frente apenas aparecia uma frase: “O inventário não pode ser aberto durante uma imobilização”. Que imobilização, caralho? Se eu estou conseguindo mexer a mão para abrir o inventário quer dizer que eu não estou completamente imobilizado, oras!

Pensei, também, em gritar. Na verdade, meu subconsciente clamava por isto. Mas é claro que não era possível fazer em baixo da água, assim como tantas outras possibilidades que cogitei. E desta vez o ar que tentei guardar durou ainda menos do que antes, e a água voltou a me preencher por completo. A força da água invadindo cada canto e a pressão que ela faz dentro do seu corpo é algo enlouquecedor.

 

Olhei meu HP novamente e... estava maior do que antes?!

 

Ao ver isto, as sensações que já estavam ruins tornaram-se ainda piores. Minha cabeça, tonta e submersa em dor, não demorou a juntar uma coisa com a outra.

Há poucos dias, o meu antigo grupo me contou um boato sobre um bug em dois monstros, que acabaram trocando de personalidade. Um foi feito para ser sádico e torturar o jogador até a sua morte, e era conhecido por ser fácil de derrotar, mas quando ele te prende é quase impossível faze-lo soltar. E o outro era amigável e conhecida por auxiliar todos os jogadores que passassem por ela. O ambiente que rodeava o primeiro era um caos, rodeado de armadilhas, enquanto o segundo era rodeado por um lugar que curava os jogadores que apareciam.

E agora eu estava preso com um monstro sádico em uma lagoa que recupera a vida.

É um ciclo infinito de dor.

A armadilha perfeita.

 

Muito mais do que depressa, abri o menu do jogo — e não o inventário — tentando confirmar o mais urgente possível se eu estava certo. Apertei na opção sair do jogo, e a mensagem que apareceu quase fez meu coração parar: “Espertinho! Não é possível abandonar o jogo durante uma batalha”.

Tentei me imaginar preso em minha própria cama, em coma, com minha mãe e Suguha apavoradas. Talvez coma fosse um pouco exagerado, mas desde antes do Nerve Gear chegar eu já havia recebido o aviso que ele jamais deveria ser retirado antes de ser desligado, pois poderia causar consequências graves. Isso foi o suficiente para que eu começasse a me debater de todo modo possível. Tentei ignorar a dor que a água causava e a visão escurecida (afinal, se iria recuperar, eu não precisaria me preocupar. Era uma dor infinita e infernal, mas não morreria ainda. Mesmo assim, o raciocínio estava ficando prejudicado mais rápido do que eu esperava) e tateei o chão. O máximo que encontrei foram pedras tão pequenas que não chegariam nem perto de fazer cócegas em alguém.

Minha vida descia mais rapidamente conforme a dor aumentava. Meu corpo continuava implorando para que eu respirasse, buscasse ar, e, sem conseguir resistir, pela terceira vez o fiz. E pela terceira vez senti a água descer como fogo pelos meus pulmões e por quaisquer outros órgãos e... tubulações? existentes.

O pânico ainda tinha controle de meu corpo e pensamentos. Eu ficaria preso no jogo? Suguha desligaria da tomada e eu sofreria grandes consequências? Ou ficaria tudo bem e foi um aviso feito para ser tão ignorado quanto classificação indicativa de novelas? E se houvesse uma queda de luz nesse exato momento? Mas se fosse assim, morte instantânea, nunca que esse jogo seria lançado. É. Não deve ser tão perigoso assim. Só preciso manter a calma.

 

Mas acho que desta vez eu teria agradecido se tivesse sido erguido mais uma vez por seus tentáculos para fora da água ao invés de ser arremessado em uma árvore com tanta força que me fez vomitar parte da água antes mesmo que eu percebesse que queria isto.

Caído de bruços no chão, tentei respirar, mas a queimação continuava horrível — e, para piorar, é como se estivesse entupido. Ouvi um barulho de lâmina batendo na água e acho que também ouvi uma habilidade sendo lançada. Aparentemente o barulho estava muito alto, porque eu continuava ouvindo um som estranho e um “hmm” constante pela água nos ouvidos. Me apavorei quando a água simplesmente não queria sair. Nem pelos ouvidos, nem pela boca ou nariz. Eu não conseguia respirar de jeito nenhum. Não precisei olhar para a minha vida para saber que só pelo arremesso ela já estava chegando no vermelho, mas acabei olhando para a criatura responsável por isto e em meio a visão muito embaçada e escurecida vi um vulto lutar com entra ela.

 

Já tentou brincar de segurar o ar até não aguentar mais? Agora imagine que você inocentemente o segurou e o prendeu dentro de si, mas quando foi soltar não conseguiu. E o desespero cresce, e você tenta fazer de tudo para respirar, mas nada funciona.

É assim que eu me sentia enquanto colocava dois dedos dentro da garganta na esperança de forçar um vômito, ao bater na própria barriga ou qualquer outra atitude desesperada que um cara como eu teria capacidade de tomar.

Mesmo assim, senti uma picadinha de felicidade ao ver um vulto correndo — com pernas humanas — em minha direção. Infelizmente, quando ele me alcançou, minha visão já havia escurecido por completo. E, aos poucos, minha mente voltava a distanciar-se deste mundo e retornar para a realidade.

Espero que isso não seja um game over.

 


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Notas finais do capítulo

Olá de novo! Espero que tenha gostado, decidi finalmente abandonar a monotomia de kirito se culpando por pouca coisa. A única coisa que posso dizer é que a partir de agora a história vai começar a realmente ir para frente
Como eu disse antes, eu precisei fazer várias pesquisas para saber a sensação de um afogamento e trazer isto da forma mais realista que consegui. Se vocês pudessem me dar alguma dica ou crítica construtiva (com carinho, hein) sobre esta parte, me faria muito feliz!
Sei que talvez tenha ficado um tanto misturado tantas coisas acontecendo uma atrás da outra, mas foi o jeito para fazer um capítulo pelo menos legal
Muito obrigada por ler até aqui! Tenha um bom dia e uma ótima semana, 2020 pode não ter começado tão bem mas espero que cada um de vocês seja ainda mais felizes do que foram ano passado



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