Les Crimes de Grindelwald escrita por themuggleriddle


Capítulo 8
Circus Arcanus




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O vento que soprava do mar os gelava dos pés a cabeça, mesmo no meio da primavera. Jacob estava todo encolhido em seu casaco, com a cabeça baixa, enquanto Newt pedia para Pickett voltar para dentro do seu bolso a toda hora, avisando que não iria atrás caso ele saísse voando no vento (o que era uma grande mentira). O céu havia começado a clarear fazia pouco tempo e agora já era possível ouvir as ondas batendo contra os rochedos brancos de Dover.

 

“Está animado?” perguntou Jacob, erguendo a voz para poder ser ouvido na ventania.

 

“Animado?” Scamander se virou para olhar o outro, tentando entender por quais razões deveria ficar animado para ir atrás de um garoto que, provavelmente, tinha Grindelwald no seu encalço.

 

“Para ver a Tina de novo!” o trouxa explicou.

 

Newt deixou a ideia rolar em sua cabeça por um momento. Sim, ele sentia falta das conversar que tivera por cartas com Tina e algo na sua cabeça dizia que ele estava animado para reencontra-la, como ficou com Jacob e Queenie.

 

“E esse homem que ela está namorando?”

 

“Não se preocupe! Ela vai ver você e todos nós juntos, vai ser como Nova York outra vez. Não se preocupe com isso.” O homem sorriu.

 

“Sim, mas ele é um auror, pelo que Queenie falou,” o magizoologista continuou, parando de andar por um momento.

 

“É, ele é um auror. E dai?” Kowalski deu de ombros e continuou andando. “Não se preocupe com ele.”

 

“O que você acha...” Scamander falou, mantendo a voz mais baixa como se esperasse que o vento não deixasse o outro ouvir o que falava. “Que devo dizer quando ver ela?”

 

“Oh, bom, melhor não planejar essas coisas. Sabe, só fala o que vier na hora.”

 

Newt mordeu o lábio inferior, olhando para a grama úmida enquanto andava. Quando estava em Hogwarts, um dia ele havia falado para Leta que as sardas dela (poucas e escuras, só um amontoado no dorso do nariz e nas maçãs do rosto) pareciam as manchinhas que vira certa vez em no dorso de um sapinho em sua casa. Era um sapo muito bonito, com um padrão muito interessante e delicado sobre a pele. Lestrange o havia encarado pelo que parecera ser um longo minuto, antes de rir e dizer que ele era engraçado. Apesar da risada, ela agradeceu depois.

 

“Ela tem olhos que parecem os de uma salamandra.”

 

“Não fala isso,” Jacob falou prontamente, fazendo o outro o olhar quase que assustado. “Veja, só diga que você sentiu falta dela. E que você foi até Paris para encontra-la. Ela vai adorar. E dai, diga que você tem perdido o sono pensando nela. Só não fale nada sobre salamandras, certo?”

 

“Certo,” Newt murmurou. “Okay.”

 

“Hey, hey, hey. Vai ficar tudo bem. Estamos juntos nisso.” Kowalski apressou o passo para alcançar o amigo, erguendo as mãos com os polegares para cima e sorrindo. “Vou estar te ajudando. Vamos encontrar a Tina, depois a Queenie e vamos ser felizes. Como nos velhos tempos!” Jacob voltou a olhar para a frente e travou no lugar por um segundo.

 

Ao longe, na beirada do penhasco, havia uma pessoa. A silhueta escura nem ao menos balançava com o vento forte, como ele e Jacob faziam enquanto andavam: ela permanecia estática, como uma pedra. A medida que se aproximaram, a figura foi se tornando mais definida até eles conseguirem distinguir um homem com capa de chuva escura e puída, parecendo um pescador que perdera o barco e acreditava que podia pescar alguma coisa do alto do rochedo. Foi exatamente isso que os trouxas da cidade lhes disseram: aquele pescador era louco, parado o dia inteiro no topo do morro como se esperasse para puxar uma rede das rochas.

 

“Quem é esse cara?”

 

“O único jeito de sairmos do país sem documentação, de acordo com Dumbledore,” Newt explicou. “Lembra de como viajamos até Hogwarts? Vai ser a mesma coisa.”

 

“Oh.” O trouxa fez uma careta e apoiou uma mão na barriga.

 

“Vai dar tudo certo.”

 

“Se apressem,” o pescador gritou, parecendo irritado, e apontou para um balde que estava no chão ao seu lado. “Vai sair em um minuto.” Os dois correram os últimos metros até alcançarem a margem do rochedo. “Cinquenta galeões.”

“O combinado era trinta.”

 

“Trinta para ir pra França, vinte pra não deixar escapar que vi Newt Scamander deixando o país por baixo dos panos e com a ajuda de Albus Dumbledore.” O magizoologista estreitou os olhos, mas enfiou a mão no bolso do colete e tirou dali cinquenta galeões. Ao seu lado, Kowalski murmurou alguma coisa, indignado. “É o preço da fama, parceiro.”

 

***

 

Quando era mais novo, Newt aprendeu algumas palavras em francês com Leta Lestrange. Sendo de uma família puro-sangue francesa, a língua falada dentro da casa da garota era o francês, a não ser quando tinham visitas que não falavam aquele idioma. Era uma língua comum de ser falada pelos puro-sangues mais tradicionais, um jeito de se diferenciar das famílias compostas exclusivamente por bruxos que não traziam consigo o dinheiro e a tradição ostentado pelos nomes mais tradicionais da comunidade mágica. Os Lestrange, os Malfoy e os Black eram apenas alguns exemplos de bruxos e bruxas que se orgulhavam de poder se comunicar em outra língua dentro de casa, sendo que os dois últimos haviam há muito saído da França ou nunca tinham tido uma origem francesa.

 

Assim que pisou em Paris naquela manhã, Scamander percebeu que devia ter prestado mais atenção nas aulas de Leta, pois a meia dúzia de palavras que sabia não estavam ajudando muito. Depois de decidir começar a procurar pelo local ilustrado pelo cartão-postal esquecido por Queenie, Jacob e Newt tiveram a tarefa de encontrar o tal lugar. Acontece que os parisienses não pareciam muito à vontade com dois homens os abordando e apontando para um cartão, perguntando em um francês mequetrefe e em inglês onde poderiam encontrar aquele lugar. O magizoologista não poderia julgá-los, pois imaginava que ele também não iria se sentir nem um pouco confortável naquela situação.

 

Foi apenas no fim do dia (depois de ameaças de chamar a polícia, longas caminhadas e várias tentativas de pedir uma simples comida) que os dois conseguiram encontrar a imagem do cartão-postal.

 

Ficava em Montmartre, no meio de uma escadaria e escondida entre dois prédios, o local do cartão-postal de Tina. A estátua de uma mulher de bronze, já esverdeada pelo tempo, estava sentada em cima de um pedestal de pedra, inclinada para a frente como se observasse aqueles que por ali passassem. Havia magia ali, Newt conseguia senti-la do mesmo jeito que conseguia notar a magia que cercava o Beco Diagonal, mas não conseguia dizer como ela funcionava.

 

Depois de ficarem observando o local por uma hora e meia, os dois já cansados e um tanto impacientes, foi Jacob quem deu um tapa no ombro do magizoologista quando notou uma mulher observando a estátua com mais atenção do que todas as outras pessoas que haviam passado por ali até então. Sobre ela, a estátua se mexeu, puxando a saia de seu vestido, que escorria pela frente do pedestal, até que abrisse passagem para que a bruxa andasse diretamente na direção da pedra, atravessando-a. Ninguém ao redor pareceu perceber o que havia acontecido.

 

“Vamos,” o bruxo murmurou, se aproximando da estátua e parando próximo a ela.

 

“Tem ideia de onde isso vai dar?”

 

“De certo em algum bairro mágico,” disse Newt, antes de dar um passo na direção do pedestal de pedra. O rosto metálico pareceu criar vida, reconhecendo o homem e então segurando a saia do vestido para afastá-la. “Londres também tem lugares assim. O Beco Diagonal é o mais conhecido.”

 

“Beco Diagonal?”

 

Scamander segurou a mão do trouxa e deu um passo na direção da pedra. Jacob soltou um barulho esganiçado, surpreso, e uma risada quando eles saíram do outro lado da estátua.

 

A rua era a mesma, porém as lojas agora exibiam caldeirões, lunetas e vassouras. Havia vendedores ambulantes oferecendo leituras em bolas-de-cristal e carrinhos vendendo poções. As pessoas se vestiam diferente também, com casacos longos e capas, tudo muito colorido e cheio de bordados. Alguns passantes traziam corujas empoleiradas em seus ombros ou animais estranhos em coleiras. Se Paris já parecia mais viva do que a boa, velha e cinzenta Londres, aquela rua da capital conseguia conter ainda mais vida e cores do que Newt esperava encontrar na sua viagem até a França.

 

“É uma rua mágica em Londres, onde os alunos de Hogwarts compram os seus materiais escolares,” Scamander explicou. “Quando eu era pequeno, amava ir na loja de animais do Beco, mesmo que minha mãe nunca deixasse eu levar nada para casa.”

 

“Por que não?”

 

“Ela dizia que eu já tinha bichos demais.” Newt encolheu os ombros e riu. “Eu pegava eles nos bosques perto de onde morava e levava pra casa.”

 

“O que é aquilo!?” o trouxa o interrompeu, apontando para um bruxo com vestes marrons sentado em um café, mexendo a sua bebida com magia e que trazendo, ao seu lado, o que parecia ser um rato gigante e marrom em uma coleira. A criatura parecia muito ocupada pegando sol, com a cabeça esticada para cima e os olhos fechados, quase como uma versão animal do seu dono.

 

“É uma capivara,” disse Scamander. “Não é um animal mágico, só uma escolha diferente de bicho de estimação.”

 

Eles desceram as escadas com Kowalski virando o rosto para lá e para cá o tempo todo, observando as lojas e as pessoas com grandes olhos curiosos e a boca aberta em um “O” silencioso. Quando chegaram à rua, Newt tinha toda a atenção voltada para apenas uma coisa: uma tenda vermelha pintada com diversos detalhes em dourado erguida no meio da rua, atrás de um portal esculpido para parecer que demônios e criaturas estivessem escalando pelas hastes de madeira. No topo, escrito em dourado, se lia “Circo Arcano”.

 

“Um circo mágico?” Jacob sussurrou, apressando-se para alcançar o portal e soltando uma risada escandalosa. “Escola mágica, bairro mágico, congresso mágico, circo mágico... Qual vai ser a próxima? Companhia de dança mágica?”

 

“As companhias russas eram ótimas,” disse Newt, olhando em volta. “Temos também prisões mágicas. A mais conhecida é Azkaban. Fica no mar do norte e é guardada por dementadores.”

 

“Dementa o que?” perguntou Kowalski, piscando.

 

“Dementadores. São criaturas... Diferentes. Ninguém sabe se são animais ou alguma magia personificada, como o obscurus,” o magizoologista explicou, encolhendo-se contra o trouxa quando se viu no meio da multidão que se aglomerava ao redor do circo. “Eles sugam a felicidade das pessoas. Não se usam eles como guardas nas prisões americanas...”

 

“Se eles são criaturas, por que deixam eles de guarda?” Jacob murmurou. “Quero dizer, eles tem consciência do que estão fazendo?”

 

“Acho que ficam em Azkaban apenas porque é um lugar cheio de sofrimento. Eles são atraídos por emoções fortes, entende?”

 

O trouxa abriu e fechou a boca, como se estivesse pronto para argumentar, mas apenas encolheu os ombros e continuou olhando em volta.

 

Havia pôsteres de lona dispostos ao redor da tenda, cada um mostrando as diferentes atrações do circo: os irmãos que cuspiam labaredas de fogo dançante, o homem com tatuagens que contavam histórias, o bruxo do oriente que encantava cobras, a mulher barbada, o metamorfomago, o hipnotista, a mulher amaldiçoada e, é claro, os animais. Pelo que conseguia ver nos pôsteres, havia um kappa e um zouwu sendo exibidos naquela noite, mas deviam ter mais criaturas de reserva.

 

Durante as suas viagens para as pesquisas de seu livro, o pássaro-trovão não fora o único animal que Newt havia resgatado, apenas o que estava em piores condições e que precisou de mais cuidados para se recuperar. Frank havia sido encontrado nas mãos de contrabandistas prontos para vendê-lo por inteiro para um colecionador ou destrinchá-lo para vender os seus pedaços para as apotecarias. Se os dois principais compradores não tivessem interesse, eles iriam procurar um circo, muito parecido com aquele, que estivesse sedento para ter um pássaro-trovão entre as suas curiosidades.

 

O magizoologista mordeu o lábio inferior. Ele tinha que ir atrás de Credence e Tina, mas também não podia deixar aqueles animais presos naquele lugar, recebendo a comida errada e sendo exibidos para pessoas que não os respeitavam. Sem falar nada e ouvindo Jacob o chamar, Newt deu a volta na tenda até encontrar um lugar mais calmo. Do outro lado da tenda, não havia vozes ou qualquer barulho de movimentação. Ele gesticulou para Jacob, que o havia seguido, pedindo silêncio, antes de erguer a lona e se esgueirar para dentro do circo.

 

O homem esperava encontrar o picadeiro com as arquibancadas vazias, não um pequeno aposento fechado por uma grade. Esperava menos ainda se virar e encontrar uma cobra enorme o olhando, enrolada em si mesma e com a cabeça erguida, sibilando e abrindo a boca para o ameaçar. Kowalski, que o seguia, congelou ao ver a serpente, ainda agachado e com metade do corpo para fora da tenda. Newt deu um chute leve na perna do amigo, fazendo-o voltar para o lado de fora, enquanto soltava a própria maleta no chão e erguia as mãos.

 

“Não vou fazer nada,” ele falou, forçando a língua e os lábios a fazerem os movimentos certos para que a cobra o entendesse. “Quero ajudar.”

 

A cobra sibilou e se desenroscou um pouco. Ela não queria conversar, queria assustá-lo.

 

A cobra abriu a boca e chiou. Com cuidado, o homem tirou o casaco e o colocou sobre a maleta, então dobrando a manga da camisa até acima do cotovelo. Do lado de fora da tenda, Jacob murmurava alguma coisa sobre o que ele estava fazendo. O chiado da criatura se tornou constante e alto enquanto ela ainda o observava com a boca aberta, estática.

 

“Meu nome é Newt,” o magizoologista falou e o animal avançou.

 

Scamander sentiu mais o susto de ver a cobra dando o bote do que a dor da mordida. A cobra fincou os dentes em seu antebraço e logo o soltou, chiando. O homem continuou na mesma posição, se controlando para não limpar o sangue que escorria pelas feridas da mordida e encarando o animal. Ela continuava inquieta e, como que para testar a situação, Newt jogou o corpo um pouco para a frente. Aquilo foi o necessário para que a cobra desse outro bote, o mordendo e soltando logo em seguida. Antes que o magizoologista pudesse provocá-la mais uma vez, ainda tentando chamar a sua atenção para uma conversa, a cobra o alcançou pela terceira vez, dando o bote e não soltando.

 

Newt trancou o maxilar e sentiu os olhos lacrimejarem quando os dentes entraram em seu braço e ali ficaram. A força da mordida era incrível e o animal não perdeu tempo: ela já começara a se retorcer até conseguir se enrolar, em parte, ao braço do bruxo. Cada volta que o corpo liso e frio da criatura dava ao redor de seu braço, mais Scamander se controlava para ficar quieto. Se pedisse ajuda, Jacob não saberia o que fazer e seja lá quem cuidasse daquela cobra a machucaria.

 

“Meu nome é Newt,” ele repetiu, ainda na língua das cobras. “Estou atrás de uma amiga, Tina Goldstein,” o homem explicou. “E um garoto, Credence Barebone.”

 

A cobra parou de se enroscar nele por alguns segundos, como se estivesse assimilando o que lhe fora dito. Os olhinhos negros haviam ganhado um brilho a mais, algo parecido com compreensão.

 

“Conhece ele? Credence?” o bruxo insistiu. Seu braço estava dormente e a mandíbula da cobra apertou mais o local da mordida. “Eu sei o que ele é. Nos conhecemos em Nova York. Eu... Eu quero ajuda-lo. Não quero usa-lo para nada, só quero saber se ele está bem e quero ver o que posso fazer para ajudar.” O corpo da serpente relaxou um pouco. “Já conheci outra pessoa como ele antes. Eu tentei ajudar e... Não deu muito certo, mas acho que agora sei como fazer isso. Como tirar o obscurus dele e deixar que ele use magia livremente.”

 

O homem soltou o ar que nem sabia que estava segurando quando a cobra soltou o seu braço. Lentamente, ela desenrolou o corpo longo e pesado, caindo no chão outra vez. Porém, o que Newt viu no chão da tenda não foi uma cobra, mas sim um híbrido de cobra e mulher que tentava escolher qual forma usar. Era uma bagunça de pernas e braços e rabo, até que uma mulher conseguiu se levantar do chão, ofegante, e o encarar.

 

“Você é a mulher amaldiçoada,” Newt falou, olhando dela para o próprio braço machucado. A transformação dela não havia sido como a de um animago, mas sim desajeitada, como se houvesse uma resistência do corpo dela para voltar a sua forma humana. “Do pôster.”

 

“O que quer com Credence?” a mulher perguntou, dando alguns passos para trás enquanto mantinha os olhos presos nele.

 

“Quero ajudar ele. Eu... Pesquiso criaturas mágicas e encontrei outro obscurial em uma viagem. Já falei isso para o Credence, mas a situação não foi era das melhores.” O bruxo inclinou a cabeça para um lado enquanto observava a mulher. “Como funciona essa sua maldição?”

 

“Trabalha com animais, não?” Ela estreitou os olhos. “Devia saber.”

 

“Animais são o meu forte. Meu irmão é melhor com maldições e coisas desse tipo.” O homem encolheu os ombros e desviou o olhar, observando o local. O lugar parecia ter sido feito para ser um quarto, mas era inóspito, com apenas um baú de roupas e uma rede que flutuava no meio do espaço. “Qual o seu nome?”

 

“Você não estava falando inglês. Como aprendeu a falar com cobras?” a mulher perguntou quase que ao mesmo tempo, antes de torcer os lábios enquanto considerava a pergunta dele. “Young-Sook,” ela respondeu, baixinho, como se tivesse medo que mais alguém a escutasse. “Seong Young-Sook.”

 

“Newt Scamander.” O magizoologista sorriu, puxando um lenço do bolso e o usando para tentar conter o sangramento no braço do jeito que conseguia. “Livros e um amigo do meu irmão que trabalha com línguas. Foi a mais difícil de aprender, mesmo depois de sereiano e alguns dialetos de tribos de centauros. O aparato fonético humano não é muito preparado para imitar os sons produzidos por cobras quando não se nasce um ofidioglota. Você consegue falar ofidioglossia quando não está naquela forma?”

 

A mulher sacudiu a cabeça.

 

“Mas consigo entender,” ela completou. “É uma maldição de sangue. Não que isso ajude muito.”

 

“Maledictus.”

 

“É só um nome genérico pra chamar quem teve o azar de nascer com uma maldição nas costas.” Ela suspirou, cruzando os braços na frente do corpo. “Na minha família, é a serpente que nos persegue.”

 

“Cobra,” Newt a corrigiu, vendo a maledictus arquear as sobrancelhas. “Serpentes têm veneno.”

 

O homem andou até as grades do aposento, esticando o pescoço para tentar enxergar mais do corredor. A tenda tinha o interior bem maior do que parecia, de certo o produto de um bom feitiço extensor, e, ao fim do corredor, era possível ver mais grades fechando outra acomodação.

 

“Tem animais aqui, não? Um zouwu e um kappa,” ele falou, se virando para a mulher outra vez, que assentiu. “Precisava tirar eles aqui.”

 

“Por quê?”

 

“Porque o lugar deles não é em um circo,” ele respondeu e bateu na grade. “Nem o seu. Não desse jeito.”

 

“Gente como eu não tem muito para onde ir.” Ela observou o homem, os olhos se atentando para o braço machucado. “Desculpe pelo braço.”

 

“Oh, não se preocupe, já aconteceu coisa pior.” Newt sorriu, erguendo o lenço por um segundo, antes de voltar a pressiona-lo ao ver que a ferida não havia parado de sangrar. “Você estava se defendendo. Não deve ser todo dia que alguém invade a sua tenda.”

 

“Tem feitiços de proteção para que outros participantes não entrem e para que eu não saia. Achei que tivesse também para que gente de fora não conseguisse entrar.” A mulher deu de ombros. “Venha na apresentação de hoje a noite. Tento te colocar para falar com Credence.”

O magizoologista sentiu um sorriso repuxar os próprios lábios e imaginou que talvez não fosse motivo para sorrir tanto, a julgar pela expressão confusa no rosto da maledictus.

“Obrigado, Seoung,” ele falou, se aproximando e erguendo a mão para segurar a dela, mas parando ao se lembrar dos dedos sujos de sangue. “Muito obrigado.”

“Young-Sook. Seung é o sobrenome.”

Os dois se viraram para as grades ao ouvir alguém falando ao longe, uma voz alta dando ordens e batendo em outra grade com força para fazer barulho e intimidar alguém. A mulher arregalou os olhos e empurrou Scamander pelos ombros na direção da tenda.

“Vai embora antes que Skender o veja,” ela murmurou por entre os dentes e Newt pôde jurar que o som do ‘s’ do nome que ela falou havia soado como um sibilo. Ela chutou a maleta e o casaco dele para fora da tenda sem delicadeza alguma. “Vai, vai, vai!”

“Nagini!” chamou a mesma voz que há pouco estava dando ordens, chegando mais perto.

Newt estava se agachando e erguendo a lona quando as mãos da mulher o empurraram com força uma última vez e ele perdeu o equilíbrio, rolando na calçada de paralelepípedos. Mãos mais fortes o seguraram pelos ombros e o ergueram do chão, pouco antes de Jacob aparecer na sua frente. O trouxa estava com os olhos arregalados e pálido, enquanto puxava a mão de Scamander que cobria o braço machucado.

“O que foi que aconteceu!?” Kowalski perguntou, cobrindo o ferimento com o lenço, o qual já estava vermelho, como se tentasse esconder uma bagunça.

“Foi só uma cobra. Venha.”

Jacob carregou a maleta e o casaco do bruxo enquanto eles caminhavam até um beco mais calmo. Ele observou o magizoologista abrir e entrar na mala encantada, apenas para voltar com alguns frascos e ataduras depois de alguns minutos.

“Como você conseguiu se livrar da cobra?” o trouxa perguntou, se ajoelhando no chão quando o outro fechou a maleta e se sentou sobre ela. “Alguém o viu?”

“Ela soltou sozinha. Era uma mulher,” ele explicou, enfileirando os frascos no chão e entregando as ataduras para o amigo. “Vou precisar de um pouco de ajuda.”

“Claro, claro, mas... como assim uma mulher?”

Scamander permaneceu em silêncio durante um tempo, enquanto usava a mão não machucada para alcançar algodões e gesticulava para Jacob os embeber com uma poção verde clara com cheiro mentolado. O ardor da poção de limpeza doeu mais que a mordida em si.

“Ela é uma maledictus, uma pessoa que nasceu amaldiçoada,” o bruxo explicou, terminando de limpar as feridas e descartando os algodões utilizados ao lado da maleta. Ele indicou outro frasco, o qual Jacob apanhou e abriu, entregando a tampinha com um conta-gotas para Newt. “Ela não tem muito controle sobre se transformar em uma cobra, talvez apenas o necessário para usar essa... essa habilidade para ganhar a vida em um circo. Eu a assustei, por isso ela acabou se transformando.”

Kowalski ficou em silêncio, observando com atenção enquanto o magizoologista pingava uma gota da poção em cada ferimento causado pelas presas de Young-Sook. A pele formigou nos locais onde o líquido começou a fazer o seu efeito e Newt indicou as ataduras, esticando o braço para o trouxa.

“E não era venenosa? Ou bruxos não conseguem se transformar em bichos venenosos?” Jacob perguntou, começando a enfaixar o braço do outro.

“Oh, conseguem, mas aquela era uma cobra constritora, provavelmente uma Boa constrictor,” Scamander explicou. “Elas não matam envenenando, mas sim cortando a circulação. Vão se enroscando na presa e parando a distribuição de sangue pelo corpo delas. Os dentes machucam mais porque elas são grandes e eles parecem ganchos, pra segurar e não deixar a presa escapar.”

“Muito animador,” Jacob murmurou, enroscando a atadura no braço do amigo. “Isso acontece com frequência? Pessoas amaldiçoadas?”

“Bom, quando se tem magia, é muito fácil usar ela para punir alguém,” disse Newt. “Alguns bruxos preferem fazer justiça pelas próprias mãos e coisas assim acabam acontecendo: maldições que duram anos e se estendem por várias gerações. Quando se pensa nisso, dá pra ver que a Maldição da Morte não é tão ruim assim.”

“Maldição da Morte?”

“Um feitiço que mata em um piscar de olhos,” o bruxo explicou. “É uma das três maldições imperdoáveis de acordo com as leis bruxas.”

Mais uma vez, Kowalski pareceu pronto para falar alguma coisa, mas acabou por engolir em seco e apenas continuar a prestar atenção nas ataduras.


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Notas finais do capítulo

Se Ron consegue fingir falar ofidioglossia e Dumbledore entende, não vai Newt Scamander que vai deixar de aprender, não é?



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