TRAGA-ME A MEMORIA escrita por Cleids


Capítulo 4
É Real




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  - Hmmm... vou ver se ele está na sala de teatro, as crianças pegam as coisas e deixam por todos os lugares - Tia olhou para mim e depois para a pessoa atrás de mim- Vejo que vocês ainda não se encontraram, aproveitem esse tempo! - disse ela caminhando para o corredor e nos deixando ali sozinhos nesse silêncio esmagador.

   Percebo que ainda estou imóvel, com muito custo me levanto e olho para trás, sabe aquelas cenas de filme em câmera lenta? Foi assim esse momento para mim, quando eu virei me deparei com Caleb em uma camisa preta, bermuda jeans e chinelo nos pés, seus músculos agora estavam definidos, sua pele bronzeada, seus cabelos exatamente como me lembrava, olhei para seu rosto, uma barba por fazer emoldurava sua face e então olhei para seus olhos, sim, continuam os mesmo olhos que parecem te olhar além do que é visível, solto a respiração que não percebi estar segurando, acho que vou desmaiar.

   - Está tudo bem Luz? - pronunciou ele vindo e me segurando pelo braço, senti arder a região.

— Sim, estou! É só uma tontura - Respondo tirando suas mãos de mim.

— Talvez você deva comer algo.

— Farei isso - disse me retirando para a cozinha.

— Achei o violão, estava atrás do sofá da sala de TV. Luz espere, você pode ir até o centro de flores para fazer a encomenda para a festa? Caleb pode te acompanhar.

— Não será necessário tia, faço isso todos os anos sozinha, sou capaz de fazer mais esse ano - fiz questão de dizer isso em um tom bem frio, tudo que eu não preciso nesse momento é ter que comprar rosas com o Caleb.

— Aqui está a lista com as flores que precisamos.

   Pego da mão dela e sem mais nenhuma palavra saio dali o mais rápido possível, entro no carro e então deixo as lágrimas caírem, choro até não ter mais liquido dentro de mim, 4 anos longe e agora ele estava aqui tão perto, Deus só pode estar brincando comigo novamente, seco minhas lágrimas ao pensar isso e digo:

— Se esse é mais um dos seus joguinhos estúpidos com a minha vida, saiba que eu estou caindo fora dele senhor to-do po-de-ro-so. Estou cansada de você, cansada de fazer parte dos seus planos idiotas. Você quer brincar com os sentimentos dos outros? Saiba que eu não estou mais disponível para suas brincadeiras.

   Assim finalizo a discussão, ligo o rádio e dirijo até o centro, moramos em uma cidade no interior de São Paulo chamada Holambra, somos a cidade das flores, pessoas do país inteiro vem até aqui para conhecer o lugar, temos vastos campos floridos, lagos lindos onde as pessoas podem pedalar, em todos os lugares podem ser vistos casais de mãos dadas fazendo fotos e se beijando. Chego no centro e vou então atrás das flores que estão na lista, vou procura-las lentamente, não pretendo voltar tão cedo para o Orfanato.

 

CALEB

   Fui chamado pelo Dr. Télis para uma cirurgia de emergência, parece que um garoto de 4 anos engoliu 5 moedas de 10 centavos, isso daria um episódio de Greys Anatomy, Luz estava dizendo a verdade quando disse que a avenida principal estava com um buraco, um grande buraco na pista, sábado ela simplesmente ignorou minha presença, se pode ser dito que houve algum momento de contato entre nós isso se deu quando ela precisou de durex e ele estava comigo, portanto, ela teve que vir até a mim pedir, pude perceber que seus olhos estavam vermelhos quando voltou do centro, quis perguntar se estava tudo bem mas achei melhor ficar na minha. Ela não estava na recepção quando cheguei, fui direto para a sala do Dr. Télis para saber sobre o garoto das moedas, antes de bater na porta, ouvi uma conversa acalorada na sala, era o doutor e a Luz discutindo, resolvi ficar ali esperando mas não pude deixar de ouvir a conversa.

— Doutor o que significa isso?

— Isso significa que eu contratei um novo médico para a pediatria senhorita Luz.

— Isso eu já sei Doutor, o que eu estou tentando entender é porque o nome de Caleb consta como o novo cirurgião dessa pediatria, isso é algum tipo de brincadeira?

— Luz, eu contratei sim o Caleb, ele é um ótimo cirurgião, sabe lidar com as crianças como ninguém, possui um currículo impecável. Não vi motivos para não contrata-lo, algum problema quanto a isso?

— Eu pessoalmente tenho sim, mas não adianta lista-los não é? Parece que o senhor já tomou sua decisão.

— Pare com essa infantilidade Luz, você já tem 28 anos, é uma mulher!

— Agora eu sou...

   Resolvo bater na porta, já ouvi o suficiente e os ânimos parecem exaltados – Bato e entro

— Com licença Doutor, já cheguei para a cirurgia.

— Então você é o médico estranho da semana passada, que não se deu ao trabalho de dizer um oi, sua educação ficou na África Caleb?

—Por favor Luz, Caleb venha, vou te acompanhar até a sala e você volte ao trabalho.

   Saímos para a cirurgia e Luz ficou na sala dele. Horas depois já com as moedas retiradas, pego minhas coisas para ir embora, as palavras que ouvi de Luz me magoaram mais do que gostaria de admitir. Como se o clima já não fosse o suficiente ao chegar no elevador lá estava ela esperando também.

— Droga de elevador lerdo! - dizia ela impaciente apertando o botão milhares de vezes.

— Acho que ele não virá mais rápido apertando o botão desse jeito.

— Acho que não pedi sua opinião Dr. Macnall - tão irônica.

— Olha Luz, você tem todo o direito de ter seus motivos para agir assim comigo, mas trabalhamos no mesmo lugar, um pouco de respeito e empatia seriam bem-vindos - a porta do elevador abre e entramos.

— Claro Doutor, você tem toda a razão. Me desculpe por isso- disse mais uma vez de forma irônica, acho que devo me acostumar com isso.

— Podemos começar de novo se você quiser. Que tal um café?

— Eu não acho que isso seja uma boa ideia, além do mais, tenho um compromisso agora.

— Eu sinto muito pelo que aconteceu - digo esperando uma resposta que demora a vir.

— Não sinta, a vida tem dessas - disse ela olhando dentro dos meus olhos, engoli seco.

— Eu não me referia a isso, mas também sinto por isso, se você qui...- a porta do elevador abriu e ela saiu feito um furacão.

   Corri atrás mas me arrependi, vi um cara de terno e gravata lhe entregando flores e deixando um beijo em seu rosto, os dois caminharam até um café próximo e eu fiquei ali colando os pedaços do meu coração que ainda existiam e eu nem sabia.

 

 LUZ

   Estou lendo os papéis que Willy me entregou pela quarta vez e ainda não consegui encaixar as peças.

— Como isso é possível? Eu nunca ouvi falar dessa organização, parece mentira.

— Essa organização é secreta, pouquíssimas pessoas sabem da sua existência e os que trabalham nela assinam um contrato de confidencialidade, deve ser por isso que você nunca ouviu falar.

— Ainda assim é difícil de acreditar. Você acha que isso pode nos ajudar nas investigações?

— Tenho motivos para crer que estamos no caminho, mas precisamos de mais informações, fotos, nomes ou até algum número de telefone pode ser útil, mas confesso que ainda não sei por onde começar Luz.

   Fico pensando, tentando encontrar algo que nos ajude, nada me vem à mente, pensa Luz, onde você poderia encontrar alguma coisa? E então me vem à cabeça o lugar, como eu não pensei nisso antes?

— Willy, eu sei onde procurar.

— Onde?

— No lugar mais óbvio. Está na hora de voltar para casa! – não sei se estou preparada para ir até lá, mas ignoro qualquer tipo de sentimento e foco em usar a mente.

 

3 DIAS DEPOIS

   Estaciono o carro em frente ao orfanato, hoje vamos terminar a decoração, a festa é amanhã e tudo precisa estar perfeito, avisto de longe Caleb e Katrina conversarem sorridentes ao encherem as bexigas, ela sempre gostou dele, antes mesmo de começarmos a namorar era nítido o seu encanto por ele, Katrina é uma menina boa, tem um bom coração, vi nas redes sociais que ela está terminando seu doutorado em veterinária, sua fé sempre foi algo que chamava a atenção das pessoas, talvez seja disso que Caleb precise. Respiro fundo e tento passar pela entrada sem ser percebida o que claro, não deu certo.

— Luz, venha aqui. Que bom te ver! - Me abraçou Katrina.

— É bom te ver também.

— Está um calorão hoje, se eu fosse você tirava essa blusa, não sei como você está aguentando.

   Passo as mãos nos braços para responder.

— Acho que vou ficar gripada, estou com um pouco de frio - minto.

— Eu tenho comprimidos no carro caso você queira- disse Caleb.

— Não é necessário, vou tomar um suco de laranja na cozinha, isso deve ajudar.

— hããã... Mas me diga, como você está? Passei na frente de seu ateliê algumas vezes mas agora é uma padaria no lugar, me passa seu novo endereço estou procurando algo diferente para a clínica e tenho certeza que você terá algo especial.

— Desculpa Katrina, mas eu não tenho mais um ateliê, dei um tempo com isso.

— Como assim? Você amava seu trabalho!

— Talvez eu não gostasse tanto assim.

— Eu acho que não deixamos de gostar de algo tão importante para nós de repente- disse Caleb.

— Mas foi assim que aconteceu!

— Bom, caso você mude de ideia, me avise, irei gostar muito de ver seu trabalho.

— Não espere por isso Katrina. Eu coloquei um ponto final nessa parte da minha vida.

   Logo em seguida me retirei, fui buscar as flores que encomendei, estão lindos os arranjos, ajudei a colocá-lo nas mesas, penduramos as bexigas, fechamos as lembrancinhas e limpamos o salão, enquanto isso as crianças ensaiavam e testavam o som, tudo estava perfeito. Me despedi do pessoal e fui até o carro, só não esperava encontrar meu pneu furado. Mas que raios, eu não tenho um estepe.

— Está precisando de ajuda? - Perguntou Caleb se aproximando.

— Meu pneu furou e não tenho um estepe, vou ter que deixar o carro aqui.

— Eu posso te dar uma carona se você quiser.

— Não precisa se incomodar, vou ligar para um táxi.

— Vamos Luz, deixa de ser chata, não é incômodo nenhum.

— Eu moro do outro lado da cidade Caleb, totalmente fora de mão para a sua casa.

— Não tenho problema nenhum com isso, aproveito e passo naquela padaria que vende os melhores doces da cidade.

Relutante resolvi aceitar, afinal, é só uma carona.

— Tudo bem, então vamos antes que escureça.

   Os primeiros minutos no carro foram desconfortáveis, ninguém disse uma só palavra mas então Caleb quebrou o silencio.

— Por que você fechou o ateliê Luz?

— Eu não sabia que seria interrogada.

— Isso não se trata de um interrogatório, é só uma conversa.

— Eu só perdi o interesse, não estava mais fazendo sentido para mim.

— Claro, e você acha que vou acreditar nessa história? Você até esculturas de graça já fez só pelo prazer de estar ali criando.

— Ok... depois de tudo o que aconteceu eu só parei, trabalhar com arte exige entrega e é algo que eu não poderia mais dar - Por que você está falando essas coisas para ele Luz?

— Você quer falar sobre isso?

— Não, eu não quero.

— Tudo bem então, mas eu me lembro de uma vez você ter dito que arte é emoção e uma forma de libertar seus sentimentos, talvez, mas só talvez, é disso que você precise.

   Eu não respondo, mas confesso que o que ele acabou de dizer mexeu com meus sentidos, talvez ele tenha razão, eu não preciso voltar a fazer como um trabalho, posso fazer só pra mim, como um hobby.

—Luz, já chegamos.

— Desculpa, eu me distraí. Obrigada pela carona.

— Espera, a manga da sua blusa está com sangue. Você se machucou? Deixa eu ver.

— Não - Eu gritei - Não é necessário quando eu chegar em casa eu coloco um curativo, devo ter me machucado em algo e não vi, nos vemos amanhã Caleb.

— Até amanhã Luz.

 

CALEB

— Filho ainda não é seu casamento, seu pai e eu estamos te esperando faz um tempão- disse minha mãe do corredor.

— Já estou indo mãe - Me olho no espelho para dar uma última conferida, barba feita ok, camisa polo azul marinho ok, calça jeans clara ok, só falta o tênis, desço as escadas apressadamente, meus pais já estão no carro, ao chegarmos no Orfanato reparo que vários carros já encontram-se ali estacionados, vamos direto para o salão e nos sentamos próximos ao palco, a noite está agradável meus amigos estão aqui, Katrina não sai do meu lado, ela tem sido uma boa amiga esses dias, estamos nos divertindo muito, temos coisas em comum que até então não havia reparado. Vejo quando Luz adentra ao salão, ela está usando um vestido preto solto porém cinturado que ia até acima de seu joelho e mangas compridas de boca larga, nos pés usa uma sandália de salto fino de tira, seus cabelos estão soltos e em seu rosto só noto um batom, quando nossos olhos se cruzam é como se uma corrente elétrica tocasse meu coração, ela desviou o olhar logo em seguida e eu volto minha atenção para o coral das crianças que se posicionavam no palco, eles cantaram três músicas que foram muito aplaudidas pelo pessoal, em uma das canções eu as acompanhei com o violão, o salão está muito quente só um dos ar-condicionados está funcionando, resolvo dar uma volta no Jardim.

   O céu está estrelado e sem nuvens, as crianças correm de um lado para o outro, fecho meus olhos só por um momento e agradeço por estar ali, agradeço por estar vivo, ao abrir meus olhos vejo uma silhueta atrás de uma das árvores do pátio e ando em sua direção.

— A festa está animada.

— Sem dúvida alguma - respondeu ela.

— hã... Seu namorado não pôde vir? - pergunto já arrependido, temendo a resposta.

— Eu não tenho um namorado. – deu de ombros.

— Que bom - Respondo sem pensar, fica quieto Caleb.

— Você não pode fazer isso Caleb – me disse olhando friamente nos meus olhos.

— Fazer o quê?

— Isso! Agir como se tivesse interessando em mim depois de dois anos que você terminou comigo por uma carta Caleb. Você se lembra disso?

Então finalmente estamos tendo essa conversa, me lembro como se fosse ontem o dia em que sentei em minha cama para escrever a carta que magoaria a única pessoa que amei.

21 de setembro de 2016

Querida Luz,

   Estou te enviando essa carta pois por telefone eu não conseguiria dizer o que preciso. Quero que saiba que te amo e isso nunca vai mudar, nunca serei capaz de amar outra pessoa como amo você. O combinado era eu passar dois anos aqui e depois voltar e então começarmos os preparativos para o nosso casamento. Mas eu não poderei cumprir com minha palavra, sinto que ainda há muito a se fazer aqui, muitas vidas para serem salvas não só fisicamente mas de alma. Eu gostaria que você estivesse aqui para entender minhas razões, mas isso não é possível, então eu quero te deixar livre desse compromisso, você não merece esperar por alguém que está do outro lado do mundo. Eu quero que você seja feliz Luz e quero que viva sem se preocupar comigo. Saiba que vou te amar para sempre e se caso você encontrar alguém que te faça sorrir e queira ficar com ele eu vou entender.

Com carinho,

Caleb.

— Eu sempre vou estar interessado em você - Era a mais pura verdade, sempre irei querer saber mais sobre ela, sobre o que faz, sobre o que a aflige, sobre o que a faz sorrir.

— Acho que você chegou um pouco tarde para isso Caleb – Luz me deu as costas prestes a me deixar ali sozinho mas antes que ela fugisse de mim como faz sempre eu segurei seu braço e ela gemeu de dor.

—Solta o meu braço seu ridículo – gritou ela mas eu não soltei.

— Me deixa ver isso Luz, não é possível que um pequeno corte te faça...- Não, não, não, ela não estava fazendo isso, engulo em seco enquanto ela solta seu braço de mim.

— Luz o que significa isso? - pergunto calmamente passando por cima da minha vontade de gritar com ela.

— Não é nada Caleb.

   Ando de um lado para o outro com as mãos na cabeça absolutamente frustrado com essa situação, tentando entender que razões existiriam para alguém fazer tamanha besteira em sã consciência meu Deus. Paro de andar e olho para aquela mulher em minha frente, onde foi parar aquela garota que conheci, que amava a vida, que sorria para todos, que por onde passava deixava suas marcas de encanto? No que você se tornou minha garota? Fecho os olhos e faço uma pequena oração, então olho para ela de novo.

— Vem comigo!

— eu não vou a lugar algum com você – Gritou ela.

— Eu não te fiz uma pergunta Luz, você vem comigo agora! – segurei seu braço mais em cima para não machuca-la e saímos dali.


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