TRAGA-ME A MEMORIA escrita por Cleids


Capítulo 3
NÃO Pode Ser VOCÊ




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LUZ

Foram 3 dias exaustivos acompanhando o Dr. Télis em uma Conferência de médicos em Brasília da qual eu não entendo nada, tudo o que quero é chegar em casa tomar um banho, colocar meu pijama, comer a lasanha congelada que está na geladeira e dormir, só posso agradecer pelo fato de que amanhã não é meu dia na recepção da pediatria então poderei finalmente pintar meu quarto. Estou abrindo a porta do apartamento e meu celular toca, mensagem da Mariáh perguntando se eu já havia chegado em casa, respondo que sim e em menos de segundos ela me liga.

— Fala Mariáh, hoje eu não estou com nenhuma vontade de ouvir suas reclamações sobre os pacientes- digo impaciente

— Nossa Luz, quem escuta você dizer isso pensa que é só o que eu sei fazer- disse ela fazendo voz de inocente.

— Como se não fosse Mariáh. Seja breve!

— Caso você não tenha reparado pela minha voz, eu peguei uma virose, tive que sair mais cedo hoje, Dr. Télis não está sabendo disso, você precisará cobrir meu horário amanhã no atendimento cirúrgico.

E lá se foram todos os meus planos.

— Não sabia que os atendimentos na cirurgia já haviam voltado ao normal.

— Dr. Télis contratou um novo médico para a pediatria cirúrgica, vocês passaram 3 dias juntos e ele não te contou?

— Não. Foram dias cheios, ele deve ter se esquecido.

— Então prepare seu coração Luz, o médico contratado é um deus grego as enfermeiras estão brigando para decidirem qual delas irá ajudá-lo no pré e pós -cirúrgico, é uma pena eu ter pegado essa...

— Mariáh, eu realmente não estou interessada em saber quão bonito esse doutor é, se não tem mais nada a dizer, vou desligar, melhoras.

Desliguei o celular sem esperar resposta, dois minutos depois ele volta a tocar.

— Será que eu posso tomar meu banho em paz Mariáh?

— Oi Luz, é a Rosa, desculpa te ligar essa hora, posso retornar amanhã se você preferir.

— Oi Tia Rosa, não, pode falar, desculpa o jeito que atendi, é que tem uma amiga do trabalho que me tira do sério.

— Se acalme minha menina, estou ligando para lembrar que vamos começar os preparativos para a festa anual do Orfanato, gostaria de saber se você virá no sábado para nos ajudar.

— Claro, vou sim. Pode contar comigo- As atividades no Orfanato eram meus melhores momentos nos últimos tempos, e ajudar com os preparativos era muito divertido.

— Vou te esperar então. As 9h já estaremos de pé.

— Tudo bem tia, até sábado.

   Desligo o celular só por precaução caso mais alguém ligue me procurando, vou até meu quarto empurrando a mala já sabendo que ela ficará sem ser desfeita até domingo. Coloco o celular na mesa de cabeceira, pego o retrato que ali estava, sento na cama e fico ali o olhando, tudo o que resta é uma saudade sem fim e um odeio mortal.

— Eu não vou chorar, não essa noite- digo quase que inaudível.

CALEB

   Mariáh já era para ter chegado meia hora atrás, tenho três cirurgias para hoje e preciso que os pais preencham a ficha de autorização, sem essa ficha assinada não posso entrar na sala de cirurgia, ligo mais uma vez para ela que finalmente atende.

— Mariáh, cadê você? Os pais das crianças estão reclamando da demora, já era pro primeiro paciente estar na anestesia.

— Desculpa Dr. Macnall. Ainda me sinto indisposta, mas liguei para a outra recepcionista me cobrir, já era para ela estar aí - Eu bem que deveria ter desconfiado que Luz ia aprontar uma dessas comigo.

— Eu não sei o que fazer, nem sei onde está a papelada Mariáh.

— Vá até a recepção Doutor, eu vou te falando o que fazer, procura na segunda gaveta, a chave dela deve estar no vasinho em cima da mesa.

— Vasinho... não estou vendo nada aqui...- Foi então que do nada saiu uma garota do elevador tropeçando nas pessoas com o macacão listrado abotoado errado, só pode ser a recepcionista irresponsável, eu já ia chamar a atenção dela quando a mesma levantou o rosto e meu mundo parou de girar.

— Desculpa doutor, eu desliguei meu celular, acabei perdendo a hora, vim o mais rápido que pude mas tinha um imenso buraco na avenida principal que me fez atrasar mais ainda. Mas aqui estou, já vou preencher a ficha dos pacientes pode ficar tranquilo.

   Era ela com certeza, um pouco mais magra do que me recordo, seus cabelos ruivos não são mais longos, agora estão na altura de seus ombros, se não fosse pelo que vi dentro dos seus olhos eu diria que era a mesma Luz que me despedi naquele aeroporto. Ela está olhando para mim fixamente como se esperasse uma resposta.

— Doutor, está tudo bem? Dentro de instantes mando seu primeiro paciente com a ficha.

   Ela não está me reconhecendo? Como assim? Será que o sol da África me mudou tanto? Todos me reconheceram, foi então que colocando a mão no rosto entendi o motivo. Eu estava já com o macacão cirúrgico, touca e claro, a máscara no rosto, esse é o motivo dela não ter me reconhecido, sem dizer uma única palavra acenei positivamente para ela e sai dali, preciso de ar, o que ela estava fazendo ali? Dr. Télis não havia dito nada sobre isso. Passei o dia evitando encontrar com a Luz, graças à Deus as três cirurgias ocuparam meu dia todo, duas retiradas de apêndice e um transplante de rim, todas realizadas com sucesso, se na Etiópia eles tivessem os mesmos recursos que temos aqui muitas pessoas não morreriam por doenças totalmente curáveis. Volto para o meu escritório para pegar minha bolsa e avisto um bilhete na mesa.

DOUTOR,

   MAIS UMA VEZ LHE PEÇO DESCULPAS PELO ATRASO, ESPERO NÃO TER DEIXADO UMA MÁ IMPRESSÃO DA MINHA PESSOA. TE DESEJO BOAS VINDAS AO HOSPITAL.

PS: FIQUEI ESPERANDO A SUA ÚLTIMA CIRURGIA ACABAR PARA LHE DIZER ISSO PESSOALMENTE PORÉM UMA DE SUAS ENFERMEIRAS DISSE QUE AINDA DEMORARIA, POR ISSO, TOMEI A LIBERDADE DE ME DISPENSAR JÁ QUE O EXPEDIENTE HAVIA TERMINADO.

ASSINADO LUZ.

   Se existia alguma possibilidade de tudo isso ser um sonho esse bilhete acabou de deixar as coisas bem reais, ela estava ali, bem na minha frente, não consigo esquecer seus olhos tão profundamente tristes e distantes, só quem realmente a conheceu antes sabe que isso não combina com ela, mas eu entendo, deve ter sido tão difícil para ela, não quero pensar que faço parte do motivo de sua tristeza.

LUZ

   Estou torcendo para que depois do Doutor ler meu bilhete de desculpas ele não conte nada disso para o Dr. Télis, se ele ficar sabendo hoje provavelmente foi meu último dia no hospital. Achei esse médico estranho, não fala nada e está sempre de máscara, seus olhos me lembraram alguém que não consigo dizer quem é, talvez seja um dos médicos que já passaram por ali. Meu celular vibra, é o detetive Willy perguntando se podemos nos encontrar.

 EU: NOS PRÓXIMOS DIAS NÃO SERÁ POSSÍVEL, É URGENTE? DESCOBRIU ALGO?

WILLY: LUZ TENHO ALGO IMPORTANTE PARA CONTAR, ALGO QUE MUDA O CAMINHO DAS NOSSAS BUSCAS.

   Estou esperando ouvir algo novo fazem meses, Willy nunca trouxe nenhuma novidade que fosse relevante mas agora ele descobriu algo e eu não posso nem acreditar nisso.

EU: VOCÊ NÃO PODE ADIANTAR NADA?

WILLY: NÃO LUZ, O QUE TENHO PARA DIZER DEVE SER DITO PESSOALMENTE.

EU: TUDO BEM ENTÃO, PASSE NO HOSPITAL SEGUNDA-FEIRA NO FINAL DO DIA E PODEREMOS TOMAR UM CAFÉ ENQUANTO VOCÊ ME CONTA.

WILLY: EU HAVIA PENSADO EM SAIRMOS PARA JANTAR, PODERÍAMOS IR NAQUELA CANTINA QUE EU SEI QUE VOCÊ GOSTA.

EU: WILLY, NÓS JÁ CONVERSAMOS SOBRE ISSO, VOCÊ TEM SIDO UM ÓTIMO AMIGO PARA MIM, NÃO VAMOS MUDAR ISSO, POR FAVOR.

Esperei por vários minutos até que sua mensagem chegou.

WILLY: EU REALMENTE NÃO TE VEJO APENAS COMO AMIGA LUZ, MAS SE ASSIM VOCÊ QUER, NÃO POSSO FAZER NADA. SEGUNDA-FEIRA PASSO NO HOSPITAL.

   Eu e Willy nos conhecemos no final do ano passado através de Mariáh em uma festa que ela me arrastou para ir, à partir de então nos tornamos amigos, ele é sempre gentil comigo e já demonstrou interesse em ter mais do que minha amizade, mas para mim ele é apenas um amigo, uma vez e outra preciso lembrá-lo disso, por vezes me sinto culpada pois ele tem me ajudado muito nesse ano, já até pensei em lhe dar uma chance, só para saber se daria certo mas ele é muito bom para merecer uma pessoa quebrada como eu, então é melhor que continuemos assim só na amizade, além disso ele está trabalhando para mim como detetive particular, não podemos misturar as coisas, existem assuntos mais importantes para mim nesse momento do que qualquer outra coisa, e eu não vou descansar até resolve-las.

SÁBADO

   O dia está ensolarado e com o céu sem nuvens, estou chegando no Orfanato um pouco mais tarde do que gostaria, o pessoal já deve estar com a mão na massa, entro pela porta da frente, nenhum sinal das crianças, vejo a tia Rosa cortando corações de papel e sigo em sua direção.

— Bom dia Tia.

— Bom dia querida, que bom que você chegou, cortar todos esses corações sozinha está acabando com meus dedos.

— Não seja por isso, estou aqui agora. Onde estão as crianças?

   Antes que a tia respondesse pude ouvir o som delas cantando na sala de música, toda festa anual eles cantam para os convidados vestidos com becas azuis, os meninos usam gravata e as meninas um laço no cabelo.

— Tia estou procurando há horas o violão e não encontro em lugar nenhum, você sabe onde pode estar? - Disse alguém vindo apressadamente até o salão principal, acontece que eu conheço essa voz perfeitamente, meu coração acelerou tanto que acho que estou morrendo, não sei nem se estou respirando, eu não consigo me mexer, não consigo olhar para trás, eu simplesmente não consigo.


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