TRAGA-ME A MEMORIA escrita por Cleids


Capítulo 2
Meu Lugar




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/771696/chapter/2

LUZ

“ Fazia algum tempo que não ria tanto com o pessoal. Ficar dias sem conseguir falar com o Caleb me tira o sono, ele me disse que o lugar em que se encontram é de difícil conexão, só quando acontece deles irem para a cidade que conseguimos nos falar. Mas não pensarei sobre isso, sei que ele está bem, quero acreditar que esteja. Estaciono o carro na garagem, pego minhas coisas no banco de trás, sobrou poucos doces da festa, as crianças se divertiram tanto, ver o sorriso delas não tem preço. Caminho até em casa, a porta está destrancada, minha mãe nunca tranca a porta, não adianta quantas vezes eu fale que é perigoso. Entro e fecho a porta...” Acordo assustada, olho para os lados, acabei dormindo no sofá, percebo que lágrimas caem dos meus olhos, estou chorando compulsivamente, gostaria tanto que esses sonhos me deixassem em paz, eu só queria que parasse de doer tanto.

 

CALEB

Estamos eu e meus pais sentados na mesa do café da manhã, fazia muito tempo que não via uma mesa tão farta, tem até waffer.

— Então filho, quais são os planos pra sua volta?- perguntou minha mãe.

— Tenho pensado sobre isso e a princípio gostaria de retomar as atividades que deixei aqui quando fui para a África, começando por ir visitar as crianças do orfanato ainda essa semana e o Dr. Télis me disse antes da viagem que poderia procura-lo quando voltasse para conversarmos sobre eu trabalhar com ele e é isso que farei ainda hoje.

— Pelo visto você já tem tudo planejado- respondeu meu pai.

— Na verdade não tenho mas preciso voltar para a minha vida aqui.

— Você quer que eu faça os biscoitos amanteigados que costumava levar para as crianças? Tenho certeza que elas vão ficar radiantes em te ver de volta, principalmente os meninos, eles vivem dizendo que o futebol sem você não é o mesmo. Sorrio lembrando como era fácil fazer aquelas crianças sorrirem.

— Quero sim- levanto com a xícara de café na mão - Já vou indo quero conversar com o Dr. Télis o mais rápido possível. Posso pegar o carro pai?

— Pode, vou passar o dia no escritório preparando o sermão de hoje á noite.

— Vou pegar minha bolsa, você me deixa no supermercado que eu vou comprar os ingredientes para os biscoitos- disse mamãe já tirando a mesa.         Esperei 30 minutos no carro antes de minha mãe entrar, dei a partida e saímos em seguida.

— Como você está filho? Minha mãe perguntou me olhando seriamente.

— Um pouco cansado ainda, a viagem foi muito longa e acabei não dormindo direito.

— Não é isso que estou te perguntando Caleb, eu quero saber como está seu coração disse ela com uma voz doce. E lá estava a pergunta que eu mesmo não sabia responder, quantas vezes ela tinha me feito essa pergunta nos últimos 2 anos? Eu diria que quase todas as vezes em que conversamos. Fiquei em silêncio pensando em uma resposta que convencesse.

— Não se incomode em pensar em uma desculpa, todo esse tempo eu relevei porque você estava distante mas agora você precisa me responder como você está filho.

— Esse é um assunto que realmente não quero conversar mãe, pelo menos não agora. Tudo que posso dizer é que o amor de Deus e as atividades na Etiópia me mantiveram bem- o semáforo fecha e eu aproveito para olhar nos olhos dela- Ei... eu estou bem – tento acalma-la.

— Eu só gostaria de ver aquele brilho em seus olhos novamente.

— A realidade na África nos muda mãe, eu fui com uma ideia do que encontraria mas vivenciar o que eles vivem é totalmente diferente, isso nos muda, eu mudei.

— Espero que seja só isso filho.

O semáforo abre e voltamos ao silêncio em que nos encontrava.

 

LUZ

— Já é a quinta vez que você chega atrasada em um mês Luz, nossa empresa tem regras.

— Eu lamento por isso, prometo que não acontecerá novamente. - Essa é a última advertência que te dou, a próxima infelizmente terei que te mandar embora.

— Obrigada por isso Dr. Télis, isso não se repetirá.

— Estou preocupado com você Luz, se você está precisando de ajuda, por favor, não exite em me falar. O Dr. Télis tem sido muito bom pra mim, se não fosse por ele, não sei o que faria.

— Não se preocupe Doutor, eu não tenho dormido direito mas estou bem, acredite!

— Bom... se é assim, voltemos ao trabalho, preciso que você vá buscar uns utensílios que estou precisando. Eu mesmo iria mas como você sabe minha agenda está cheia amanhã, o Eduardo vai te acompanhar, aqui está a lista.

— Como você quiser Doutor, se não precisa de mais nada, já vou indo, licença.

CALEB

Saio do elevador e encontro á recepção do consultório, a decoração é diferente do restante do hospital, as paredes são azuis com texturas que me lembravam o céu, as cadeiras tinham formas de nuvens, a mesa da recepção era redonda e parecia uma lua. Nessa mesa estava sentada uma moça de cabelos longos e castanhos, quando ela levantou o rosto pude perceber que seus olhos eram acinzentados, está vestindo um uniforme que também não era o convencional, um macacão branco com listras da cor do arco-íris, tinha provavelmente uns 25 anos.

— Bom dia, gostaria de falar com o Dr. Télis.

— Você tem hora marcada?

— Não, mas acredito que ele irá me atend...

— O Doutor está tendo um dia cheio, acredito que ele não poderá lhe atender hoje.- Interrompeu ela sem nem olhar para mim.

— Entendo mas imagino que ele me atenderá assim que souber quem gostaria de falar, se possível, avise que Caleb Macnall está aqui. Ela olhou para mim, depois de um tempo pegou o telefone e ligou.

— Doutor, Caleb Macnall está aqui e gostaria de falar com o senhor, já expliquei que hoje sua agenda está lotada e...- Ela fica em silêncio por um instante- ok, farei isso- desligou o telefone já levantando. - Se o senhor puder me acompanhar, o Dr. Télis irá recebe-lo. Eu sou Mariáh, muito prazer- Ela estende a mão para um cumprimento- Desculpe a falta de atenção, nós aqui do hospital já ouvimos falar muito sobre você, Dr. Télis é um admirador do seu trabalho- andamos por um corredor em direção a sala ao fundo, Mariáh bate na porta e abre- licença Doutor, Senhor Caleb, entre por favor.

— Obrigado.

A sala era toda branca como deveria ser entretanto os móveis possuíam formas de animais, um era um macaco, outro um urso, a cadeira do Doutor era um leão e a mesa um elefante. Segurei o riso achando tudo aquilo muito engraçado, Dr. Télis veio me abraçar.

— Que alegria vê-lo novamente.

— É bom te ver também Doutor. Dr. Télis tinha quase 2 metros de altura, possuía uma barriga avantajada, uma pequena barba, seus cabelos pareciam ter alguns fios grisalhos á mais do que conseguia me lembrar.

— Vamos nos sentar. Escolho sentar na cadeira com forma de macaco. - Então me conte, quando você chegou de viagem?

— Ontem de manhã.

— Falei com seu pai esses dias e ele não me contou sobre a sua volta. - Ele não sabia ao certo quando eu chegaria, entre uma conexão e outro que pude avisa-lo.

— Entendo... me conte como foi lá, estou curioso.

— Doutor você ficaria espantado com a quantidade de doenças que pude me deparar lá, são muitas pessoas com HIV, rubéola, febre amarela, fora a desnutrição, mas podemos falar mais profundamente sobre isso em outro momento, sei que está ocupado, não quero atrapalhar, hoje eu vim por outro motivo.

— Então diga meu filho.

— Antes de partir daqui o Doutor disse que ao voltar eu poderia procura-lo caso me interessasse trabalhar com você, então aqui estou, pedindo um emprego.

 

SÁBADO – DIA SEGUINTE

O céu está azul e sem nuvens, um belo dia para passar com as crianças, estou a caminho do Orfanato Raio de Sol e empolgado para vê-los. Já consigo avistar o casarão de longe. “- Guerra de bexiga com água em 3,2,1, meninas pra um lado e meninos para outro Gritei.

— Vamos ganhar de novo de vocês, seremos tetracampeãs- disse Luz cantarolando.

— Você sabe que só ganham porque somos muito cavalheiros, então deixamos as damas ganharem. Uma bexiga explode no meu peito.

— Você pediu por isso – disse rindo de mim.

— Ah, é assim que se resolve as coisas?- disse com um olhar desafiador caminhando em sua direção.

— Não Caleb, nem pense nisso. Enlacei Luz entre meus braços e gritei: - Crianças, guerra de bexigas na tia Luz. Todas elas vieram correndo com bexigas na mão, houve explosões de água por toda parte, ninguém saiu ileso.     Depois que acabaram as bexigas e todos estavam jogados no chão, Luz olhou para mim na tentativa de parecer brava:

— Você acabou com a brincadeira Caleb, isso não se faz!

— Olha para as crianças, estão todas rindo, isso foi divertido, confesse!

— Sim, foi. Mas era para isso ter sido uma competição.

Me aproximo dela – Você anda muito competitiva ultimamente.

— Está é a ideia de uma competição, ser competitivo.

— Semana que vem fazemos sua competição- Ela sorriu e eu delicadamente pousei um beijo em seus lábios. - Eu te amo rabugenta.

— Eu te amo mais- respondeu ela.”

Sou acordado dos meus pensamentos pela tia Rosa que bate no vidro do carro.

— Você vai ficar aí por mais tempo ou vai descer me dar um beijo? Saio do carro imediatamente, rodopiando tia Rosa no ar.

— Me solta Caleb, será que você nunca vai parar de fazer isso comigo menino?

— Não tia, eu nunca vou parar com isso- Disse em seu ouvido sedutoramente para depois solta-la – Você continua uma gata tia, espero não ter perdido meu posto nesse tempo de ausência - Tia Rosa é rechonchuda, baixinha e seus cabelos já estão todos grisalhos.

— Seu sedutor de quinta categoria, vamos entrar de uma vez.

— Trouxe biscoitos, está no banco de trás, vou pegar.

— Tio Caleb, que saudades - uma menina de uns 10 anos me abraçou, era a Lisa, minha princesa de olhos verde e pele morena, pego ela no colo.

— Princesa como você cresceu, não se casou ainda né? - Seu bobo, eu tenho 10 anos, não poderia ter me casado.

— Acho ótimo assim. Vamos entrar ver o resto do pessoal.

Quando entro na sala todos estão lá, a maioria dos rostos são familiares, todos cresceram bastante, parece até que passei uma década fora. Abraço todos, conversamos, rimos e depois fui com os meninos pro campo jogar bola. Foi uma tarde agradável, prometi voltar todas as semanas, assim como fazia antes. Em seguida fui até a sala da tia Rosa me despedir.

— Estou entrando tia- Anuncio

— Um homem desse tamanho todo suado e com pé preto- riu ela- Você não vai crescer nunca Caleb.

— hahaha... estava com saudades minhas que eu sei tia.

— Estava mesmo. Você é especial filho, a forma como você trata as crianças e como elas correspondem a você é maravilhoso, ninguém consegue fazer isso como vocês fazem.

— Vocês? - Sim. Você e a Luz. Um sentimento estranho dentro de mim fez meu coração acelerar.

— Ela continua vindo aqui tia? A Lara disse que ela se afastou de todos.

— Realmente, ela se afastou de todos, mas aqui no Orfanato ela nunca deixou de vir, as crianças a amam.

— Ela vem sempre? Quais dias ela costuma vir?

— Ela normalmente vem toda a semana, as vezes no sábado outras no domingo. Você já encontrou com ela?

— Não tia, ainda não. Só de pensar nessa possibilidade meu coração age estranhamente, será que estou preparado para vê-la? Será que ela quer me ver? O que é o certo a se fazer Deus?


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "TRAGA-ME A MEMORIA" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.