LUZ

Abro os olhos pela milésima vez, olho pro teto que está com uma mancha escura, os vizinhos do andar de cima reformaram o banheiro que acabou infiltrando na laje. Preciso dar um jeito nisso. Ainda está escuro, olho para o celular que marca 5h da manhã, isso significa que estou horas deitada e ainda não consegui dormir, daqui 1h preciso levantar para trabalhar e passarei o dia exausta no escritório, ter encontrado a Lara no supermercado foi uma infeliz coincidência, o que ela disse ainda ecoa em minha mente: “ – O Caleb está voltando para o Brasil amanhã, no primeiro horário seu voo deve pousar no aeroporto. Vamos fazer uma pequena reunião a noite na casa dos pais dele para comemorar, você será bem recebida se decidir ir, sentimos sua falta.” Essas foram as palavras que fizeram meu coração parar por um instante, já se passou tanto tempo desde que nos falamos pela última vez e exatamente 4 anos que não nos vemos. Ir nessa reunião é algo que não pretendo nem pensar em fazer. Decido levantar, tomar um banho e ir para o escritório, deixar minha mente ocupada ajudará a fazer com que esse dia acabe logo.

CALEB

Avisto meu pai no momento em que saiu pela porta de desembarque, nada mudou, seu cabelo continua arrumadinho, está vestindo uma de suas usuais camisas sociais e calça jeans. Vejo que mostra seu grande sorriso ao me ver, caminho em sua direção e quando chego perto sou surpreendido pelo seu grande abraço, e ficamos ali abraçados por vários segundos, sem trocar nenhuma palavra, em um silêncio que eu tanto senti falta, então nos soltamos, meu pai me olha e quebrando o momento começa a falar:

— Sua mãe está preparando lasanha para o almoço, se nos atrasarmos e a comida esfriar eu ouvirei poucas e boas, então acelera o passo filho. Não pude deixar de rir de seu comentário, com certeza nada tinha mudado por aqui.

— Pelo visto dona Luiza continua a mesma pontual de sempre, sendo assim, vamos depressa, não quero levar bronca no meu primeiro dia em casa.

Pego a única mala que trouxe comigo e caminhamos em direção a saída para o estacionamento. Observo as pessoas indo e vindo quando minha atenção é roubada por um casal abraçado, a garota está chorando enquanto o rapaz parece consola-la, isso me faz lembrar de um momento que vivi anos atrás. “Entre soluços ela disse:

— Eu vou sentir tanto a sua falta Caca. - Eu também vou amor, você vai ver, o tempo vai passar tão depressa que já já estarei de volta pra você- Eu respondi isso tentando acreditar em minhas próprias palavras, ficar longe de casa seria difícil, mas ficar longe da Luz seria uma dor duplicada

— Você sabe que estou indo por um bom motivo né?

— Sim, eu sei. Jamais te pediria pra ficar, é só que...vai ser difícil sem você aqui. Mas vai dar tudo certo, não é mesmo?- Ela disse me olhando preocupada.

— Sim minha Luz, tudo vai dar mais do que certo e nos falaremos sempre que possível. O telão mostra que meu voo sai dentro de minutos.

— Eu preciso ir.

— Só um último abraço. Nos abraçamos, eu olho pra ela, seco as suas lágrimas, lhe dou um beijo na ponta do nariz e então eu caminho para a fila de embarque. Quando estou distante ouço Luz me chamar, de forma muda ela diz:

— Eu te amo.

Meu coração é confortado por aquelas palavras e quando vou responde-la já não a vejo mais, ela se foi.” Esqueço as lembranças e entro no carro, vou a viagem até em casa observando as ruas que me eram tão familiares, até que meu pai estaciona em frente a nossa casa, a casa de portão amarelo. Antes de sair ele me olha e diz:

— É bom te ter aqui de volta filho.

Não respondo de imediato, me lembro de todas as coisas que vivenciei nos últimos anos, com um sentimento já de saudades mas de dever cumprido, sei que não sou mais o mesmo, tudo mudou. E então com esse sentimento eu respondo:

— É bom estar em casa pai.

20h da noite

O fuso horário está me matando, preciso ir para a cama mas meus pais não me deixam dormir, estão agindo estranhamente, me fazendo responder perguntas das quais tenho certeza que já respondi. A campainha toca, essa seria a minha deixa para sumir dali se no segundo seguinte meus amigos não tivessem invadido a casa com confetes e balões que juntos formavam a frase BEM-VINDO CACA. Todos estão me abraçando calorosamente, vejo esses rostos tão familiares para mim, mas sinto falta de um em especial.

— E ai cara, está bronzeado, pelo que sei você estava perdido na África e não curtindo uma praia no Havaí – Todos riem, eu também.

— É bom te ver também maninho, está crescido. Acho que já consigo ver uns pêlos no seu queixo- Respondo descontraidamente.

— Esse rostinho de bebê aqui é meu charme caros amigos. Arraso o coração das meninas.

— Se liga Lorenzo- disse Joaquim empurrando o amigo – A única que te dava bola era a Maria, e você conseguiu afastar a garota com seu chulé- todos caem na gargalhada enquanto Lorenzo fica sem graça.

— Pelo que vejo muitas coisas aconteceram enquanto estive fora. - Não se preocupe que eu e a Lara te contaremos tudo- disse Katrina.

— Farei questão de contar tudo que esses dois aprontaram na sua ausência- falou Lara empolgada.

Meus planos de ir para a cama cedo foram quebrados mas era tão bom estar ali com eles, passamos horas conversando, por vezes me veio a mente perguntar sobre a Luz, mas achei melhor não tocar no assunto. Quando já era muito tarde e todos estavam se despedindo, Lara me puxou de canto com o semblante sério.

— Está acontecendo algo?- perguntei.

— Está mas não comigo, na verdade não sei se deveria estar te contando isso mas eu convidei a Luz pra vir hoje e como você pode perceber, ela não veio. Depois do que aconteceu ela se afastou de tudo Caleb, não anda mais com a gente, nem sei seu endereço. Eu tenho tentado manter contato mas ela se fechou no mundo dela. Desculpa se toquei num assunto que você quer esquecer mas Caca... ela era nossa amiga, odeio vê-la se perder assim, você conhece ela melhor do que qualquer um, talvez ela ouça você.

Lara não me deixou responder, só me abraçou e foi embora deixando esse turbilhão de informações na minha cabeça, acho que essa noite não dormirei.