Aracnídeo: Sangue Perdido escrita por Gabriel Souza, WSU


Capítulo 3
Capítulo 2


Notas iniciais do capítulo

É um capítulo mais curto porém essencial à história.



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O gosto do café era desagradável, porém Jonas fingia que gostava, saber que estava envolvido em uma revolução corrompida, assim tão de repente, o pegou de surpresa.

— Como eu dizia — Bernardo, conhecido também como Padre Bernardo ditava sobre seus ideais, sua revolução e o objetivo dela — Desde minha infância soube que era diferente, tudo começou com meus pais é claro, o meu poder me dava influência sobre eles, não que eu soubesse disso na época, mas sempre me achei diferente das outras crianças, só depois de um tempo que fui perceber que eu tinha o poder de influenciar as pessoas, que se eu me esforçasse bastante eu poderia fazer mesmo que, de leve, você desejar o que eu quero, eu te induziria a isso e que se eu conseguisse lhe tocar, meu controle sobre você aumentaria. — Seus olhos claros refletiam a luz ambiente

— Admito que usei isso a meu favor, principalmente nos meus anos vivendo praticamente sozinho e abandonado, quase me perdi, é verdade — Bernardo olhou para Andressa que mantinha seus olhos na caneca de café em suas mãos, lembranças de um passado sofrido passavam por sua cabeça — Andressa que me salvou, então hoje eu quero salvar o meu povo, os reprimidos, os odiados, os corrompidos, eles merecem mais do que a miséria e vim aqui ajuda-los a sair de seus esconderijos, se é que você me entende – olhou para Jonas analisando suas feições, ele queria ter certeza de como o Aracnídeo reagiria e qual seria sua resposta antes mesmo dele dá-la — Você não se escondeu muito depois que descobriu seus poderes.

— Não, não me escondi — Jonas deixava de lado a caneca, não queria e nem podia mais beber café, o assunto em discussão não deixava — Eu não sabia sobre o que acontecia com os corrompidos, eu nem sabia de sua existência, foi mais fácil desse jeito colocar uma fantasia idiota e me chamar de herói.

Bernardo sorriu atraindo o olhar de Andressa que estava sentada do outro lado do sofá.

— É claro que não sabia, quem pode culpá-lo? Nos escondemos e somos escondidos — Bernardo levantou-se e foi em direção à um Jonas que estava desconfiado das intenções do homem à sua frente — É por isso que quero falar com você, assim que Andressa nos apresentou eu percebi que era hora.

— Hora de que?

— Hora de se juntar a nossa revolução, de nos ajudar a tomar para os corrompidos aquilo que lhes é de direito.

Jonas olhou para a garota de longos cabelos negros a alguns metros a sua frente, ela desviara o olhar imediatamente.

— Quem decide o que nos é de direito?

Bernardo mostrou um sorriso no rosto, deu um giro e bateu uma palma logo após completar a volta.

— Aí é que tá — sorriu — Nós decidimos. Quem mais sabe o que lhe é de direito senão si próprio?

— Tem uma frase, acho que vem de antigos filósofos gregos... — Jonas se levantou ficando frente a frente à Bernardo — Não sei... — coçou a nuca e fez um sorriso fraco — Não sou muito bom no colégio, algo que pretendo mudar, mas se não me engano ela diz o seguinte, nossa liberdade acaba aonde a do outro começa, você respeitaria esse limite?

— O conceito de limite é relativo. — Bernardo respondeu.

Jonas cerrou seu punho, por algum motivo ele sentia vontade de bater na pessoa à sua frente, ele sentia que ele não merecia sua ajuda, não era digno disso. Então postou-se formalmente e começou a movimentar seus lábios dando início à uma resposta que fora interrompida.

Um choro acompanhado de gritos do lado de fora e a atenção dos três é arremessada para longe da discussão que tinham na sala da casa de Andressa, saíram ligeiramente e se depararam com um multidão correndo, muitos corriam em direção ao trio, mais precisamente à Bernardo.

— Padre! — Um homem calvo na casa dos 50 anos gritou — A praça, ele está na praça.

— Quem está na praça Edgar? — Bernardo perguntou calmamente pondo ambas as mãos sobre os ombros do senhor que ficava cada vez mais calmo.

— O homem do capuz, ele matou Afonso e sua família. Foi horrível, ele ainda está lá. — Sua voz era trêmula, o terror estava o dominando.

Bernardo agradeceu e os três jovens correram em direção à praça mais próxima, a única da região, um marco para aquela comunidade corrompida, o lugar central onde todas às noites eles se reuniam para contar histórias e tentarem se desvencilhar de suas complicadas vidas.

Na praça, um homem envolto em um capuz negro segurava o corpo de uma criança, Andressa reconhecera-os na hora, o homem que a surrara na noite anterior e Emanuel, filho mais novo de Afonso, o garoto nem era corrompido, somente sua mãe, da família de cinco pessoas que tinha alguma habilidade especial.

Andressa partiu para cima do encapuzado, parte de si queria vingança pela surra da noite anterior, mas essa parte era mínima, o que predominava em si era ódio, ódio pela morte de pessoas inocentes, pessoas que ela conhecia muito bem; crianças que gostavam de chutar uma bola remendada na parede descascada, pessoas queridas e inocentes que estavam mortas por conta de algum maníaco fanático preconceituoso. Andressa odiava a palavra preconceito e tudo o que ela simbolizava.

Ergueu suas mãos e canalizou o máximo de energia que pôde, ela podia sentir a eletricidade pulsando, claro, para os leigos, tudo e todos têm cargas elétricas o tempo todo, o diferencial é que elas não estão em atividade, não estão se manifestando, Andressa não se importava com isso, liberou energia o suficiente para canalizar e eletrizar todas as cargas existentes entre a palma de sua mão e o peito do homem encapuzado, uma corrente elétrica surgiu e atingiu em cheio seu inimigo que caiu no chão rolando duas vezes.

Andressa correu em direção ao adversário caído, Bernardo e Jonas foram ao seu encalço.

Jonas sabia que ali ele teria que ser cuidadoso, não estava fantasiado como Aracnídeo e só parte de seu uniforme estava sob a farda do colégio, o restante estava dentro da mochila que ele esqueceu na casa de Andressa na correria para o lado de fora pouco antes.

— Andressa! — Seu grito foi em vão, uma ensandecida garota corrompida ignorava a tudo e todos, juntou energia térmica e cinética em suas mãos, vibrou então as moléculas ao redor de suas palmas fazem com que a energia entrasse em movimento, em trânsito, gerando calor e consequentemente fogo. Ergueu o encapuzado, o fogo queimou parte da veste negra de seu adversário.

— Seu bastardo filho da puta! — O calor incandescente em suas mãos viajou rapidamente, atingindo o rosto coberto, uma, duas, três vezes — Você sabe quem você matou? Você sabe o nome deles, seu doente? — Andressa gritava desesperada, Bernardo só observava enquanto Jonas se viu forçado a saltar para perto de Andressa.

— Andressa, calma... você não quer matar esse homem.

Ele se aproximou lentamente da garota que socava furiosamente o encapuzado, as feridas em seu corpo já não doíam mais, o ódio apagara a dor física.

Bernardo ficava a alguns metros observando a cena, aquela Andressa era diferente da qual ele conhecia, era mais violenta.

— Andressa! — Uma teia prendeu o braço direito de Andressa, o braço que ela usava para socar, o esquerdo segurava o homem que agora tinha seu rosto exposto, porém quase irreconhecível devido à queimaduras na face.

Andressa cessou e largou o homem no chão, virou-se lentamente em direção à Jonas e desabou no chão. Jonas a abraçou, envolvendo seus braços sobre o corpo fragilizado e dolorido de uma garota que retornava a consciência, acumulando a dor física, mental e psicológica.

— Está tudo bem. Você pegou ele, agora ele não poderá matar mais ninguém.

— Tem razão — Bernardo se aproximou — Não poderá — pôs sua mão dentro de um bolso lateral de sua calça e retirou um objeto fino e prateado, uma espécie de navalha. Levantou a cabeça do homem, deixando seu pescoço exposto, — Nunca mais — a navalha cortou o ar e a garganta de um outrora assassino, sangue jorrou e melou os três de vermelho-vinho.

— O que você... — questionou um Jonas horrorizado ainda abraçado à Andressa.

— Apenas fiz o que meu senhor quer, vinguei os corrompidos mortos.

Jonas encostou a cabeça de Andressa em seu ombro.

— Você é doente.

— Não, apenas fiz o meu dever, na guerra um soldado deve estar pronto para matar.

Jonas observou o rapaz loiro.

— Então é isso, você faz o papel de Robespierre e da guilhotina?

— Garoto, me responda — Bernardo ignorou o último comentário de Jonas — Se juntará a revolução?

— Não, encontrarei outra forma de resolver os problemas de meu povo.

— Seu povo? — Bernardo exclamou largando o corpo no chão — É a primeira vez que vem aqui, como pode chamar essas pessoas de seu povo?

Jonas abaixou a cabeça, observou a garota recostada em si e conseguiu coragem para responder.

— Ainda que seja a minha primeira vez vendo essa realidade, sei o quanto esse lugar é importante para essas pessoas, isso se chama empatia pelo próximo, acredito que você não tenha.

— Olha só, temos um sentimentalista — caçoou Bernardo — O que você quer então?

— Eu só quero paz. — respondeu o jovem de cabelos castanhos.

Bernardo sorriu, se aproximou de Jonas balançando a navalha ensanguentada em frente ao rosto do adolescente.

— Gosta de história não é? Já ouviu a expressão “Se queres paz, prepara-te para a guerra”, então, esse é meu lema, devemos ir à guerra primeiro se quisermos alcançar a paz.

— Isso é o que você pensa. — Jonas respondeu novamente olhando para Andressa que agora estava mais controlada, ela se recompôs.

— Vamos embora Jonas, não o trouxe aqui para brigarem. — A garota estava preocupada, sua intenção nunca fora de fazer ambos discutirem, ela queria que os dois se unissem, pois para ela, ambos eram de alguma forma heróis, cada um à sua maneira, e isso poderia ser o que os corrompidos precisavam.

— Tem certeza? — Jonas pôs-se de pé ao lado da garota de cabelos negros.

— Tenho — virou-se para Bernardo, fitou a navalha em sua mão e logo em seguida para o corpo no chão — Gente demais já morreu hoje.

Bernardo sorriu, aquela era a Andressa que ele conhecera quando criança, a que se passava de durona, porém odiava ver gente morta, ela, de alguma forma fora uma das responsáveis para Ricardo chegar onde chegou, estar vivo e ser conhecido como o Padre pelos corrompidos de Recife. Os sermões dela sempre foram melhores do que os dele, mas a influência que ele poderia exercer sobre o povo o ajudaram a criar, lentamente, a figura de uma divindade que significa-se esperança para seu povo, ele não teria feito isso se não fosse por Andressa.

— Tudo bem — Bernardo largou a navalha — Ela está certa, estamos exagerando aqui. Foi um prazer Jonas — apontou dois dedos para o garoto uniformizado com o uniforme do colégio gênese — Espero que se junte a revolução, seria de grande ajuda para nosso povo.

— E eu espero que você clareie essas ideias, você não é Moisés, muito menos Jesus, para guiar o povo para a salvação, ou seja lá o que você pensa que fará.

Jonas apoiou Andressa em seu ombro, ele sabia que ela se desgastava quando usava seus poderes, efeito colateral de sua habilidade, parte da energia que ela libera vem de si mesma, ela gasta muito energia para usar seus poderes, em outras palavras, o cansaço físico é imenso e ela sempre tem que comer algo pesado para se recompor.

— É engraçado isso vindo de você, achei que você o cara que se acha o centro de tudo, Jonas Ferreira, o egocêntrico, não?

Jonas caminhou alguns passos antes de responder.

— Eu não sou mais assim.

 

 

 

***

 

O quarto de Jonas não estava mais desocupado, entres as paredes verdes e brancas, representando o Boston Celtics, duas pessoas jaziam sentadas numa cama de solteiro, Andressa Neves e seu hambúrguer do Subway, era o segundo que ela comia àquela tarde e Jonas Ferreira, provavelmente o cara que mais falta aula em todo o planeta.

— Você está melhor? — perguntou o garoto preocupado, ele percebera no caminho de volta que ela quase desmaiara dentro do carro do motorista de Uber, usar seus poderes quando já estava ferida não foi uma boa ideia.

— Se eu disser que estou, você sai de cima de cima de mim? Não gosto quando as pessoas ficam tão grudadas.

Jonas se afastou.

— Desculpa.

Andressa ignorou e abocanhou seu hambúrguer, estava faminta.

— Então, Bernardo.... ele não parece um cara legal.

Andressa encarou Jonas.

— Claro, dá pra ver que vocês se entenderam muito bem. — Ironia se encontrava em sua voz.

— Olha, não tenho culpa se aquele cara tem complexo de Messias, ele realmente acha que vai guiar os corrompidos? Quem acredita nessa revolução dele?

Andressa fitou Jonas novamente que percebeu o recado daquele olhar.

— Desculpa. — Ele sabia que Andressa o levara lá para conversar com o suposto padre, ela acreditava naquela revolução.

— Olha só Jonas, eu preciso descansar, pode me dar um tempo?

O garoto se levantou da cama onde estavam sentados, pegou a mochila preta na cadeira onde ele se sentava para jogar vídeo game e se dirigiu à porta do quarto.

— Claro, o que você quiser.


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Notas finais do capítulo

E aí o que acharam do Padre Bernardo?



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