Onde as memórias morrem escrita por Ash Albiorix


Capítulo 2
O Trato




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Eu nunca tinha visto um humano como aquele. Não só pela sua beleza, mas por toda a raiva que emanava dele. Geralmente, a primeira reação das pessoas que chegavam aqui era medo. Choravam, imploravam por suas vidas. Ele não.
O garoto socou as paredes, e mal pareceu notar que, apesar de serem feitas de fogo, não o queimavam. Nada aqui podia o machucar e eu estava procurando a brecha pra o dizer isso enquanto ele gritava comigo.
 

— Hã...com licença, garoto humano, tem como você parar de bater na minha casa?

 Ele olhou pra mim, espumando de raiva.

 — Sua casa? Que porra é essa? Eu quero uma explicação! — então soltou um grito aleatório. Seus ombros tremiam, mas não era de medo.

 — Eu explico, eu já disse. — falei, tentando manter a calma. — Você só precisa parar de fazer isso e prestar atenção em mim.

 —Eu preciso voltar e me vingar! Me manda de volta, anda!

Ele avançou até mim, como se fosse me bater. Eu segurei seu braço, controlando minha força para não o machucar.

 — Ai! — ele gritou. — Isso dói!

Eu abaixei o olhar. Não foi proposital.

 — Me desculpa. — murmurei. Reparei que seus punhos estavam machucados de tantos socos  — Eu posso consertar isso, vem comigo.
 

Ele cruzou os braços.

 — Não.

 —Eu nunca tive um humano tão insolente quanto você.  — reclamei. — Sorte que é bonito.

Materializei um sofá e o coloquei na frente  dele.
 

—Anda, senta aí. Não vai te queimar.

Ele sentou, desconfiado, ainda com a cara fechada. Estalou a língua.

  — Posso começar a explicar?

Ele balançou a cabeça positivamente, e então fez sua primeira pergunta:

 — Onde eu estou?

 — No vulcão, oras. Ou melhor, embaixo dele. Meu nome é Uriel, aliás. — estendi o braço, mas ele ignorou.

 — E o que vai acontecer? Eu vou ser devorado? Eu não recomendaria. — falou, me desafiando.

 Eu soltei uma gargalhada.

 — Não, eu não devoro humanos. Não vai acontecer nada. Essa é sua nova casa agora, bem vindo. Qual seu nome?

 — Não importa o meu nome, eu quero sair daqui! Você não é tipo um deus? Não deveria saber de tudo?

 Carinha engraçado esse. Eu queria apertá-lo porque algo naquela raiva compactada em um ser tão pequeno era engraçado. Ele batia, mais ou menos, no meu peito. Era pequeno e frágil e, no entanto, agia como um valentão.

 — Eu sou um espírito. — expliquei. — Eu só sei o que vocês me contam.

—Pois de mim, não vai saber nada.
 Eu respirei fundo, perdendo a paciência.

 — A gente vai conviver juntos aqui pelo resto da sua vida, tem com você cooperar?
 

Pensei ter visto um mínimo indício de medo em seu olhar, mas ele era bom em disfarçar.

 — Pelo resto da minha vida? — questionou.

 Eu balancei a cabeça positivamente. Os sacríficios costumavam ser voluntários então ninguém nunca havia reclamado.
Tudo que o garoto fazia era murmurar "não, não, não!".

Eu não sabia o que fazer, então apenas observei, com medo. Depois de alguns segundos surtando, ele me olhou, os olhos azuis determinados, e apontou uma mão pra mim.

 — Você vai me tirar daqui!

 Queria eu saber como. Vinte minutos com esse humano e eu já preferia a solidão eterna.

 —Eu vou perguntar de novo: qual é o seu nome? — falei, mudando de assunto.
Ele me olhou como se eu tivesse falado o maior absurdo do mundo.

 — E eu vou falar de novo: me tira daqui!  Então tomou uma decisão nada racional: começou a gritar por socorro.

Eu estava cansado daquele humano, então virei as costas e saí andando.

 — Onde você está indo, monstro do fogo?

 — É Uriel. — corrigi, ainda andando pra longe.

 Ele veio correndo e bateu de cara com a barreira de fogo que eu tinha criado.

 — Você não está cooperando. — falei — Então que fique aí sozinho.

 — Não, espera! — ele bateu na parede improvisada. — Uriel! Argh!
 

O deixei sozinho por uns trinta minutos, pra ver se aquela raiva e impulsividade se acalmavam. Quando voltei, o loiro estava sentado no chão, encostado na parede. Suas duas mãos estavam caídas entre as pernas e seus ombros balançavam. Estava chorando.

Fui correndo até lá, e ele levantou os olhos. Limpou as lágrimas e mudou a expressão tão rápidamente que eu mal poderia dizer que estava chorando há dois segundos atrás.

 — O que você quer? — perguntou.

 — Você estava chorando. — falei, baixo. Estiquei o braço até o rosto dele, mas ele afastou minha mão bruscamente.— Eu fiz alguma coisa? 

 Ele soltou uma risada irônica.

 — Além do fato de me manter preso aqui?

 — Ei, não fui eu que te joguei!

 — Então me deixa ir embora. — ele pediu, quase implorando, o tom meio choroso.

 —Tá bom, eu vou te contar uma coisa e você tem que prometer me ouvir.

 — Por que eu faria isso?

 — Porque é pra te ajudar. É pra te tirar daqui.
 

Ele ajeitou a postura, interessado.

 — Muito bem — comecei — eu moro aqui há mais ou menos 500 anos. Mas eu não vivo aqui porque quero, eu fui amaldiçoado pelos deuses por fazer algo que eles não gostaram. Aí me prenderam aqui. Eu não sei como sair, o que significa que eu também não sei como te tirar daqui. Entende?

 Ele balançou a cabeça, frustrado. Ficamos em silêncio por alguns segundos, então ele respirou fundo e disse:

 — Ash. Meu nome é Ash.

 Eu abri um sorriso triste.

 — Prazer em te conhecer, Ash. Espero que se acostume com aqui.

 — Mas é que... — ele disse, aumentando o tom — Eu preciso voltar! Eu preciso vingar! — lá estava ela novamente, a raiva. Eu olhei pra seus punhos fechados, eles estavam realmente muito machucados.

Eu odiava ter que ver um humano tão frustrado. Queria ajudar, mas não entendia de sentimentos. Eu poderia contar toda a história do mundo e dos seres sobrenaturais que existiram, mas não sabia nada sobre o que fazer pra acalmar um ser humano.

Então tive uma ideia.

 — Ei, Ash! — falei, sorrindo e levantando num pulo. — E se a gente se ajudar?

 Ele pareceu confuso.

 — Se descobrirmos uma forma de quebrar a maldição, eu posso te tirar daqui! - falei. 

 

Ele soltou uma risada irônica.

 — Como eu vou confiar em você?
 Eu dei de ombros.
 

— É a única opção que você tem. — estendi o braço — Trato feito?

 Ele pensou por uns segundos, mas depois um sorriso determinado, quase raivoso, se abriu em rosto. Apertou minha mão, me olhando como se estivesse prestes a descobrir todos os segredos do universo.

 — Trato feito.


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