Onde as memórias morrem escrita por Ash Albiorix


Capítulo 1
Prólogo




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Prólogo

As pessoas de Green Village não têm mais medo de espíritos, essa só pode ser a única explicação. Fazem décadas desde que não recebo mais nenhum sacrifício e eu estou solitário e entediado, vivendo sozinho no fundo de um vulcão. Eu já tive uma vida boa, há alguns séculos atrás quando eles acreditavam. E tinha tanto medo que eu explodisse toda a vila que, uma vez por ano, sacrificavam uma pessoa a mim, ás vezes até mais do que isso! Os humanos não gostavam muito daqui, talvez por causa do calor, talvez por medo. Mas eu amava humanos, me lembro de cada um deles que já viveu aqui. Me apaixonei por alguns deles, os mais corajosos, mas era deprimente os ver envelhecendo e morrendo. Os sacrifícios ao Deus do Vulcão, como me chamavam, eram uma tradição antiga e que, como me contaram, voluntária. Alguém se sacrificava pelo bem da vila, e essa pessoa seria adorada para sempre. Eles só nunca esperavam encontrar um ser imortal disfarçado de um adolescente ruivo.

Eu deixava os humanos livres aqui em baixo. Podiam fazer o que quisessem, contanto que me fizessem companhia. Contando que interagissem entre si e me dessem algo para observar, algo para fazer. Eu amava observar suas vidas, seus sentimentos. Sempre me perguntei se eu os tinha também, e talvez tivesse, porque agora tenho certeza estar sentindo o que eles chamam de solidão. Tédio. Tristeza.

Fazia mais de 100 anos que eu não via um humano. Minha única tarefa consistia em explorar o pequeno reino embaixo do vulcão, minha casa. O teto é feito de lava, e as paredes de fogo, e o pequeno espaço com pedras e cavernas. Um humano uma vez me ensinou o que é uma cama e, embora eu não durma, fiz uma com fogo. Eu podia manipular o fogo em qualquer coisa, então aos poucos fui construindo coisas humanas que me pareciam interessantes: a cama, um pente de cabelo, um sofá. Tudo isso ficava na minha caverna, e tinham as cavernas dos humanos, com pequenas lembranças dos humanos que se foram. O laço de Margareth, a gravata de William, pequenas coisas que não sumiam com seus corpos, e que eu comecei a acreditar que era proposital para fazer eu me sentir nostálgico.

No início, nem parecia uma maldição. Mas agora os tempos mudaram e as pessoas não temem mais espíritos, tudo que elas sabem sobre mim é a velha lenda de um ser amaldiçoado que vive aqui e, por isso, nem chegam perto. Eu já nem sabia mais o que era ouvir uma voz humana, não até aquele dia, em que um bando de adolescentes resolveu se reunir no topo do vulcão. Eu conseguia ouvir claramente, como se fosse aqui do lado, as risadas masculinas.

—Você vai pagar pelo que fez com a gente! – Um deles disse. Tinha um tom agressivo.

—O que vocês vão fazer? Me jogar? – Foi a resposta.

Eu queria poder sair dali e ver o que estava acontecendo. Deduzi que eles estavam se juntando contra um outro garoto, por vingança ou algo assim. Planejavam jogar o garoto vulcão abaixo.

—Vocês não podem fazer isso! – O garoto gritava, desesperado – Me soltem!

—Você vai ter o fim que merece, devorado pelo Deus do Vulcão.

Tiveram mais alguns gritos desesperados, que logo foram calados. Eu sabia pela agitação na lava o que tinha acontecido: eles tinham o jogado.

Alguns segundos depois, com um barulho, um garoto loiro com roupas de colégio se estabanou no chão da caverna.

—Argh! – ele gritou. – Eu odeio eles! – então se virou pra mim – É você a porcaria do espírito ou eu morri e estou no inferno? – ele deu um soco no chão, e depois outro. – Será que tem como você me responder?

Eu não conseguia pronunciar nenhuma palavra. O choque inicial de ter um humano novamente foi trocado por espanto: desde a criação da humanidade, não houve nenhum deus, nenhum espírito, nenhuma criatura cuja beleza se assemelhava ao garoto na minha frente.


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