Não conte a ninguém escrita por StellaHime


Capítulo 3
Um acidente e um salvador


Notas iniciais do capítulo

Este capítulo será narrado em duas partes: uma pela percepção do Seiya e outra pela percepção da Serena, em eventos acontecendo simultaneamente. Vocês notarão que existe uma frase em itálico "repetida" no texto. Essa frase é o encontro das duas narrativas (Seiya e Serena) e, após ela, a história volta a acontecer de apenas um ponto de vista.
Boa leitura.



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Seiya acordou na manhã seguinte sentindo um pouco mais frio que de costume e constatou que o seu cobertor fora jogado no chão, devido aos sonhos turbulentos que teve. Mas não somente isso, o tempo estava atípico, a temperatura estava bastante abaixo do normal para a época do ano.

Como de costume, acordou antes de o despertador tocar e ficou na cama até às seis horas. Logo que levantou, inspecionou rapidamente os corredores do orfanato e sorriu, pois estava tudo quieto desta vez, as crianças dormiam e o silencio reinava por onde ele passava. Finalmente, ele tomou seu banho e se arrumou.

Antes, porém, de partir, ele avistou alguém familiar. Uma presença inconfundível, serena e terna como a cor dos cabelos da mulher.

— Bom dia, Seiya.

— Bom dia, Kakyuu. Estou indo à padaria, você quer algo de lá?

— Você não precisa fazer isso todas as manhãs. Posso pedir para uma das crianças... - ela respondeu, com sua calma de sempre.

Seiya notou que o rosto da mulher estava um pouco mais abatido que o normal, devido à doença que a consumia. Ele desejou do fundo do coração poder fazer algo para aliviar as dores dela por pelo menos uma noite, já que acompanhou a trajetória dela desde a descoberta da doença.

— Você sabe que eu sempre faço isso. Não gosto de acordar as crianças para uma coisa que eu possa fazer facilmente - ele respondeu rapidamente. Quer algo? - e insistiu.

— Não, obrigada – ela respondeu com um sorriso gentil. Quando ele estava virando-se para ir embora, ela prosseguiu: - Seiya, atravesse as ruas com cuidado.

Seiya riu com a advertência da mulher. Vez ou outra ela fazia algumas "previsões" e quando ela o alertava, geralmente acontecia alguma coisa, boa ou ruim. Kakyuu era uma mulher sensitiva e gentil, por quem ele e seus irmãos tinham um carinho imenso. Ela não merecia passar por aquilo.

Era assim todas as manhãs: ele se levantava às seis, se arrumava e ia a uma padaria que ficava a trinta minutos a pé. Era um pouco longe, talvez, mas era uma terapia para ele, já que assim o tempo passava um pouco mais rápido e ele tinha tempo para refletir sobre o que acontecia em sua vida. E, além disso, o pão das crianças era sempre por conta da casa.

Makoto, uma jovem empresária, dona da padaria, fazia questão de oferecer o pão às crianças todas as manhãs. Era sempre assim: dezenove pães por conta da casa e mais cinco que Seiya pagava. Os primeiros eram para as crianças que lá moravam e os outros para os funcionários.

Após sair da padaria, ele agradeceu novamente a Makoto e se dirigiu de volta ao orfanato.

Ele caminhava com as duas sacolas de pães nas mãos quando avistou alguém trajando um casaco de onça cobrindo seus cabelos e corpo passar correndo por ele. Uma voz masculina cansada e com um sotaque americano gritou de longe:

— Senhorita, por favor! Espere!

~~

Serena quase não dormiu à noite. Os seus pensamentos a estavam torturando desde a madrugada quando voltaram do leilão. Ela ainda estava com raiva por tudo o que estava acontecendo; por tudo o que os pais dela disseram e, principalmente, fizeram.

Ela suspirou pesadamente ao ver que ainda era tão cedo, pouco mais de seis e quarenta da manhã quando acabou de se vestir e escovar os cabelos.

Novamente, uma onda de pensamentos inundou sua mente quando ela se olhou no espelho. Os fios loiros e lisos estavam bem escovados e nutridos, mas seus olhos azuis estavam cansados da noite mal dormida e um pouco inchados.

Ela pegou o casaco de onça que ganhara mês passado e o colocou sobre suas roupas. O dia estava mais frio que de costume e, por isso, ela tinha que estar bem aquecida senão poderia pegar um resfriado.

— Bom dia, senhorita Serena. Você acordou cedo. Vai sair?

 Bom dia, Naru. Vou só ali à esquina tomar um ar.

— Está um dia frio para sair. Mas vou chamar Artemis – a empregada disse, virando-se de costas.

— Ainda não são sete horas – Serena disse rapidamente. – E eu não demorarei, fique tranquila.

— Tudo bem.

Serena suspirou e sorriu ao ver que tinha conseguido se livrar de Naru. Como seus pais só levantariam às oito, ela tinha esse tempo para pensar e ficar um pouco sozinha.

Ela não notou quanto tempo havia se passado por causa dos pensamentos; apenas viu que já estava muito além da “esquina” que pretendia. Estava ventando um pouco, mas estava confortável graças ao casaco. E então, ela seguiu em frente, distraída.

Eu não posso fazer isso! Eu não o conheço. Eu não o amo. Eu tenho o direito de escolher, de tomar as minhas próprias decisões. Eles não podem me privar isso. Não podem me forçar a isso só porque a família está quase falida. E eu nem me importo com isso, na verdade. Não quero dinheiro, não quero status, eu quero me sentir feliz. Quero ser livre para tomar minhas decisões.

— Senhorita Serena! - A voz longe de Artemis a tirou de seus pensamentos.

Ele ainda estava relativamente distante e não poderia alcançá-la agora. Nem ela queria que o fizesse. Ela queria se sentir livre ao menos uma vez, já que desde que seu pai se elegeu governador ela não pôde mais fazer quase nada sem estar vigiada por seguranças.

A voz do segurança estava cada vez mais perto e a cada som Serena apressava o seu passo, até que ela começou a correr, ainda sem saber o motivo daquilo tudo.

— Senhorita, por favor! Espere!

Seiya viu um vulto passar correndo por ele. Os gritos do segurança o alertaram e o fizeram olhar na direção que o vulto passou, fazendo-o constatar que era uma garota que corria. Ele sentiu uma sensação estranha, um arrepio percorrer sua espinha, o que durou milésimos de segundos, mas foram suficientes para que ele corresse na direção da garota para pará-la de seja lá o que ela estivesse fazendo.

Serena apenas corria, sem olhar para os lados nem para frente, apenas para o chão para que não tropeçasse. No entanto, depois de alguns segundos, o seu peito começou a arder devido ao ritmo intenso e o ar começou a faltar, mas ela não parou de correr. Queria sentir-se livre mais uma vez.

De repente, ela ouviu o barulho forte de uma buzina perto demais dela e olhou para o lado, arregalando seus olhos ao ver que um carro vinha em sua direção. Ela fechou os olhos e tentou se proteger com as mãos, foi quando sentiu um vulto empurrá-la e segurá-la logo depois, caindo junto com ela.

Tudo durou cerca de vinte segundos, desde a última frase de Artemis até eles caírem ao chão. Felizmente, Serena não estava ferida, apesar de sentir o chão sob ela. Mas, alguma coisa havia amortecido a sua queda. Ou melhor, alguém.

— Senhorita, você está bem? – Artemis gritou desesperado do outro lado da pista, esperando o sinal abrir para que ele pudesse atravessar.

Serena, porém, não ouvia uma palavra de lugar algum. Ela ainda estava tonta devido ao rápido acontecimento, seu peito ainda ardia um pouco e seu coração estava acelerado demais. Era muita informação para processar em tão pouco tempo.

Ela sentiu algo se mover debaixo dela e então se deu conta de que havia alguém ao seu lado e embaixo dela, e também de que esse alguém a havia salvado de um terrível acidente. Os dois se sentaram ao mesmo tempo e ela se virou rapidamente para ver seu salvador, fitando duas pedras azuis escuras que reconheceu imediatamente.

— Você está b...? – Seiya falou um pouco atordoado devido à queda. – Serena? – Ele se espantou ao reconhecê-la.

— Seiya! – Ela respondeu estranhamento feliz, com um sorriso leve e um olhar arregalado. - Eu... Bem... - Ela tentou dizer, em vão.

— Senhorita! Você está bem? Pelo amor de Deus, o que você fez? – Artemis disse desesperado. – O senhor Kenji vai me matar. Eu estou demitido! – E dizendo isto, ele pôs as duas mãos na cabeça.

Após as palavras de Artemis, Serena abaixou a cabeça, sentindo-se culpada pelo ocorrido, e permaneceu cabisbaixa por um tempo. Ela fora imprudente e isso colocaria ela e Artemis em apuros com seu pai.

— Desculpe, Artemis. Eu só... - ela finalmente disse, e cerrou os dentes - Eu só queria me sentir livre outra vez - ela cerrou os punhos dessa vez e apertou os olhos. - Sem ninguém me vigiando... Eu sinto muito.

Artemis ficou sensibilizado com a última frase da loira e então sorriu, aliviado e feliz por ela estar bem. Fazia pouco mais de dois anos que ele era o segurança dela, mas era como se eles fossem ótimos amigos desde sempre. Seiya, porém, ao passo que Artemis falava, se levantou e logo estendeu sua mão para a garota, que aceitou e se levantou.

— Vamos para casa, senhorita. Temos que voltar.

Seiya notou que Serena estava hesitante e então tomou a palavra:

— Bem, se vocês não se importarem, eu posso levá-la para casa daqui a pouco. Depois do susto, andar um pouco pode fazer bem a ela. A propósito, sou Seiya, Seiya Kou.

— Seiya Kou? O anfitrião do leilão de ontem? Mas que coincidência! – O segurança disse sem esperar uma resposta e então sorriu. - Muito prazer, fico feliz que você tenha ajudado minha querida Serena - ele prosseguiu e se curvou diante do rapaz, num gesto de agradecimento. - Muito obrigado.

— Não precisa agradecer, eu só fiz o certo - ele respondeu, sem graça, e prosseguiu: - Eu prometo que até ela estará em casa ainda hoje pela manhã

— Certo, senhor. Eu a deixarei sob seus cuidados. Obrigado novamente. Eu voltarei agora e reportarei o ocorrido ao senhor Kenji.

— Não faça isso, Artemis - Serena interferiu, falando um pouco alto, e logo retornou ao tom original. - Por favor. Ele vai ficar furioso se descobrir.

— Mas, senhorita...

— Por favor, Artemis... - Ela insistiu e então o segurança suspirou, sorriu e assentiu. - Por favor, esteja em casa logo. Confiarei em você, Seiya.

— Obrigado, Artemis. Fique tranquilo, vou protegê-la - Seiya respondeu e apertou a mão do segurança, sorrindo e piscando para a garota com um dos olhos em seguida, recebendo um sorriso gentil em agradecimento.

Seiya seguiu o segurança com o olhar até perdê-lo de vista. Ele olhou para o chão do outro lado da rua e viu os pães que tinha comprado caídos no chão, suspirando em seguida.

— Você pode me acompanhar até a padaria? Eu preciso fazer uma coisa antes de levar você - ele pediu gentilmente à garota.

— Claro - Serena respondeu e olhou para aquela quantidade de pães, curiosa.

~~

A padaria ficava a poucos metros dali. Makoto estranhou a entrada repentina de Seiya e questionou o ocorrido ao rapaz, que deu uma desculpa qualquer e comprou a mesma quantidade de pães. Serena até se ofereceu para pagar, afinal, a culpa teria sido dela, porém, Seiya recusou.

— Por que você fez aquilo? - Serena questionou o moreno assim que saíram da padaria.

— Salvar você? - Ele riu.

— Não - Serena riu também. - Despachar Artemis, mesmo sem me conhecer.

— Eu não sei - ele respondeu, sincero e sorriu levemente, olhando para a garota. - Eu achei que era o que você queria. Você não parecia muito feliz ontem. E de repente hoje isso acontece...

— E não estou - ela sussurrou, lembrando-se de toda a situação com seus pais e Darien. E prosseguiu: - E estes pães? Você tem uma família grande?

Seiya sorriu novamente e deu uma leve gargalhada, deixando Serena sem entender. Ele respondeu com uma única palavra, olhando para ela, enquanto aguardavam o sinal abrir.

— Caridade.

A loira questionou sobre o que se tratava, mas Seiya se recusou a falar sobre isso até que chegassem à casa da garota, deixando-a um pouco irritada. Lá, ele cumprimentou Artemis e Naru, que já sabia do ocorrido e olhava Serena com reprovação, mas com alívio. 

— Seiya - Serena iniciou de repente -, eu acabei não agradecendo. Muito obrigada por me salvar. Eu poderia não estar mais aqui se não fosse por você.

— Não precisa agradecer - ele respondeu com um sorriso e um olhar fixo à garota, fazendo-a ruborizar novamente. - A gente se vê por aí. 

— Ei - Ela disse quando o rapaz ia se virar de costas, curiosa e um pouco irritada. - Você ainda não me respondeu sobre os pães...

— São para as crianças. Elas precisam tomar café - ele respondeu, sereno e logo sorriu sem jeito, fazendo um aceno de costas. - Por falar nisso, eu estou atrasado.

— Crianças? - Ela repetiu a si mesma. – Você disse que não era casado.

— E não sou – ele completou, ainda de costas. - Até logo, Bombom. - Ele disse e acenou com a mão.

— Bom... Bombom? Que intimidade toda é essa? - Ela disse, ruborizada e chateada enquanto o via se afastar. Ninguém nunca a chamara por apelido algum, muito menos um estranho. - Volta aqui que eu estou falando com você! - Ela quase gritou. O moreno, porém, acenou novamente e sumiu de sua visão, deixando-a irritada. - Quanta audácia!

Artemis e Naru riram da situação, fazendo com que Serena se irritasse mais. Mas, afinal, ela não tinha direito de se chatear com ele, pois ele acabara de salvar sua vida. Mas, talvez, ela só quisesse saber um pouco mais sobre seu salvador.

Quando Seiya finalmente voltou ao orfanato, já eram quase nove horas e já se passara bastante tempo da hora do café-da-manhã das crianças. Porém, nenhuma delas ousou questioná-lo, apenas o receberam como de costume: com muitos sorrisos e alguns abraços. Em seguida, todos agradeceram, se sentaram à mesa e começaram a comer.

Seiya ainda sentia o braço doer devido à queda, porém, uma felicidade muito maior o tinha atingido simplesmente por ver aquela garota novamente e por conseguir arrancar um sorriso dela.

Pouco depois das onze da manhã, Seiya estava fazendo alguns cálculos em seu escritório quando Kakyuu bateu à porta e anunciou que ele tinha visita. Ele pediu para que entrassem e se surpreendeu quando duas pessoas conhecidas entraram naquela sala: uma delas era a jovem de longos cabelos loiros e olhos azuis que ele acabara de salvar e o outro, o governador.


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Notas finais do capítulo

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