Não conte a ninguém escrita por StellaHime


Capítulo 2
Um leilão e um telhado




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Agosto de 2005

 

O leilão estava sendo um sucesso. Já se havia arrecadado mais de um milhão de dólares e as obras ainda estavam na metade. O dinheiro arrecadado seria destinado a fundações carentes: asilos, abrigos e, principalmente, a orfanatos. Afinal, Seiya crescera em um.

Ele era o anfitrião da festa e estava cumprimentando a todos quando avistou fios negros e lisos muito conhecidos, seguindo na direção do governador da cidade.

— Kenji, como é bom revê-lo! Vejo que desta vez trouxe a família – ele disse, olhando para a esposa do governador e beijando-lhe a mão: - Senhora.

— Esta é Ikuko, minha esposa. Já Serena, nossa filha, deve estar bebendo algo.

— Muito prazer – Ikuko respondeu educadamente.

— Aproveitem a festa. Com licença - Seiya disse e dirigiu-se a outro casal que estava acabando de chegar e os cumprimentou.

Por volta das dez horas, a segunda parte do leilão começou e as peças mais caras seriam leiloadas. E enquanto todos estavam sentados dando seus lances, Seiya resolveu tomar um ar, subindo ao telhado daquele hotel luxuoso.

Quando terminou de subir as escadas, observou uma moça usando um vestido preto um pouco acima do joelho, parada de costas para ele, observando o céu. Ela não parecia ter notado a presença dele ao abrir a porta, já que não se moveu. Ele olhou mais atenciosamente e analisou os fios longos, lisos e loiros soltos e caindo sobre o vestido.

A garota observava o céu, que estava estrelado e com uma lua cheia bem à frente do prédio, como se quisesse ser contemplada. Seiya sorriu levemente e se aproximou da garota, dizendo:

 Com licença, senhorita.

A garota deu um sobressalto ao ser flagrada naquele lugar e então se virou devagar e fitou os olhos azuis escuros de Seiya. O rapaz ficou paralisado por um instante e sentiu uma sensação de euforia percorrer todo o seu corpo quando seus olhos encontraram os olhos azuis claros da garota. Por alguns instantes, talvez milésimos de segundos, ele ficou parado, contemplando a beleza dos olhos e do rosto da garota, e somente recobrou o controle da situação quando sua taça de vinho quase caiu de sua mão.

— Sim? – a garota disse num tom sutil e sorriu levemente.

— Meu nome é Seiya. Sou o anfitrião desta festa.

— Muito prazer – ela respondeu, agora com um sorriso mais largo e gentil, porém, ele notou que seus olhos não acompanhavam seu sorriso. Aquela garota tão encantadora não deveria ter motivos para estar triste. – Serena. Serena Tsukino. - Ela disse, por fim.

— Filha de Kenji Tsukino – ele completou e sorriu levemente, reconhecendo o ilustre e raro sobrenome daquela região.

— Sim — ela deu um sorriso amarelo, que ofuscava o brilho incomum daquela garota. E aquele fato estava começando a incomodar o moreno.

— O que você está achando? Digo, sobre o leilão, a decoração... A bebida – só então ele percebeu que ela tinha uma taça na mão.

— Está tudo muito bonito. O senhor está de parabéns – o comentário da garota o fez rir um pouco alto, deixando-a sem entender.

— Então eu estou tão velho assim? – Ele disse num tom baixo e brincalhão e prosseguiu, com um sorriso gentil: - Por favor, me chame de “você” ou de Seiya. Não tenho idade nem sou comprometido para ser chamado de senhor.

— Desculpe - ela riu sem jeito e abaixou o olhar a sua taça. – Se você veio até aqui, provavelmente o meu pai deve estar me procurando. Tenho que voltar agora. Com licença – ela concluiu, fechando seus olhos e voltando ao salão.

Seiya acompanhou a garota com o olhar e constatou que ela não deveria ter mais que vinte e dois anos, apesar do rosto infantil. Assim que ela fechou a porta e desceu as escadas, ele olhou para o céu estrelado e sorriu levemente.

Que sensação estranha foi aquela? Eu nunca tinha sentido algo parecido.

~~

— Filha, eu te procurei por todo lado. Por onde você esteve? Estão todos perguntando por você.

 Kenji apareceu de repente para a filha. Ele era o governador da cidade e nas próximas eleições se candidataria novamente, pelo menos era o que dizia a todos. Quando disse a Seiya, o jovem desejou fortemente que ele não ganhasse, afinal, sabia o tipo de homem que o pai de Serena era.

A última obra a ser leiloada era um quadro antigo de um falecido pintor francês. O último lance foi de Kenji. Duzentos mil dólares.

— Pelo menos uma pequena parte do dinheiro roubado será devolvida aos que merecem... – Seiya ouviu uma voz masculina sussurrar atrás de si e riu. Taiki estava certo.

Ao final do último quadro, Seiya foi chamado ao centro e discursou o que tinha ensaiado, agradeceu a todos, citou os patrocinadores e instituições as quais receberiam o dinheiro. Logo depois, a terceira parte da festa foi iniciada: os garçons surgiram com mais bebidas e comidas e uma música começou a tocar para divertir os convidados.

Seiya estava distraído, gerenciando o andamento da festa e falando sempre com Michiru, caso ela precisasse de ajuda. Ele notou quando um rapaz alto, de cabelos negros e lisos se aproximou da família Tsukino e foi bem recebido.

— Serena, quero que conheça Darien – Kenji disse à filha. – Ele é aquele rapaz que lhe falei.

— É um prazer conhecê-la, Serena. Ouvi muito sobre você. Meu nome é Darien Chiba – ele disse educadamente e com um sorriso gentil, pegando a mão da garota e a beijando delicadamente.

— O prazer é meu – ela respondeu, com um sorriso gentil e hesitante.

Darien não deveria ter mais que vinte e oito anos. Tinha um corpo atlético e cerca de 180 centímetros de altura. Ele tinha olhos e cabelos negros e usava um colete escuro, com uma camisa azul clara por dentro. Kenji já havia comentado a Serena sobre ele, um possível pretendente para casar-se com ela.

— No próximo domingo faremos um almoço para comemorar o aniversário de Serena, gostaríamos muito que você estivesse lá, se possível. – Desta vez foi Ikuko quem falou.

— Sim, claro! Com certeza irei. Estou ansioso para conhecê-la um pouco mais – Darien respondeu ansioso e piscou para Serena, que deu um sorriso amarelo. – Com licença. — Dizendo isso, ele se virou de costas e saiu.

— Serena, domingo eu quero que você esteja impecável! Afinal, ele deve fazer o pedido. – A mãe da garota disse novamente, com um sorriso alegre à filha.

— Eu já disse que não aceitarei – Serena disse, firme e cerrou os punhos. – Não me casarei com Darien. Eu mal o conheço.

Seiya observou o desconforto da loira de longe e ficou curioso para saber o que havia acontecido, já que não conseguia escutar nada em decorrência do barulho da festa. Decerto, esta noite não estava sendo uma das melhores para a garota.

~~

— O leilão foi um sucesso, Louis. Arrecadamos cerca de cinco milhões.

— Ótimo! – Disse o homem de cabelos grisalhos, sentado em uma cadeira de rodas. Ele tinha olhos escuros marcados pelo cansados. – Faça conforme combinamos. Pague os empregados, tire a sua parte e doe todo o resto.

— Doar todo o resto? – Seiya disse com certo espanto. Ele pensou ter ouvido errado. - Mas e você?

— Eu não preciso de mais dinheiro, Seiya. Sou um velho rico à espera da morte.

 Entendo. Obrigado, Louis. Muito obrigado. Por tudo. – Seiya respondeu, resignado, e virou-se de costas.

— Ah, eu já ia me esquecendo. – Louis disse e prosseguiu: - Mande lembranças a Kakyuu. Estimo sua melhora.

— Eu mandarei. Obrigado – ele respondeu e lembrou-se de sua grande amiga, que, de fato, não estava muito bem naquele dia, e a cada dia que se passava, parecia aos poucos piorar.

— Mais uma vez: obrigado, Seiya. Não tenho como lhe agradecer pelo que está fazendo por mim.

— Não precisa agradecer. É o mínimo que posso fazer por você, para retribuir tudo o que o senhor fez e continua a fazer por mim.

~~

Após todos os convidados irem embora e a limpeza do salão ter sido feita, Seiya se dirigiu a um dos garçons:

— E aí, como foi?

— Tudo saiu impecável

— Que bom! - Seiya sussurrou e suspirou aliviado. - Falei com Louis há pouco. Ele mandou lembranças e melhoras a Kakyuu.

— Agradeça a ela na próxima vez que o vir.

— Eu faço isso todas as vezes, Taiki.

— Vamos pra casa. O pessoal está limpando o que falta e eu estou cansado – o moreno disse e então os dois se dirigiram ao elevador, indo ao térreo e entrando em um carro de passeio.

O carro parou em uma área perto da periferia da cidade, mais especificadamente na porta de um orfanato. Era lá que Seiya, Taiki, Michiru e a maioria dos funcionários do evento moravam.

Ao descer do carro, Seiya foi direto a um quarto no qual havia uma mulher de cabelos longos e ruivos deitada e lendo um livro, ela também tinha olhos cor de mel e uma serenidade invejável.

— Com o dinheiro de hoje vai dar para manter as coisas boas por mais alguns meses - Seiya disse animado. – Como você está?

— Fico feliz pelas crianças - a mulher disse sorrindo. – Estou bem.

— Louis desejou melhoras, Kakyuu. E você não deveria estar acordada a essa hora. Vá dormir - Seiya disse num tom baixo a gentil à mulher de trinta e três anos.

— Agradeça a ele por mim. Por tudo... - ela sussurrou e então fechou seus olhos. - Boa noite, Seiya.

Seiya olhou a diretora do orfanato fechar os olhos e suspirou. Logo depois, ele se dirigiu ao seu quarto, mas antes encontrou Chibi Chibi, uma menina de três anos que vinha lhe desejar boa noite todas as noites. Ela sabia que algumas vezes ele chegava muito tarde, como hoje, mas sempre o esperava, ainda que dormindo em sua cama.

Ele desistiu de contar as vezes que aquela garota o alegrou e deu-lhe forças para não desistir. Aquelas crianças. Todas elas dependiam das doações de pessoas ricas, como Louis, e também dos esforços de Seiya e Kakyuu, os diretores de lá. 

Apesar de tudo, ele não tinha obrigação alguma de continuar ali, afinal, já tinha vinte e quatro anos e era formado em administração. Ele poderia ter ido embora há muito tempo, assim como seus irmãos. Mas, principalmente ele, ainda estava ali por amor àquele lugar, àquelas crianças que o consideravam um grande irmão mais velho, às vezes, pai e também por àqueles funcionários que sempre os trataram tão bem e os acolheram.

Ele cresceu naquele orfanato desde que seus pais morreram em um acidente. Lá, ele conheceu Taiki e Yaten, os quais considera irmãos, além de Kakyuu. O conforto daquele lugar e o sorriso daqueles cuidadores foram tudo para eles por todos esses anos e continuam sendo para as crianças que estão ali. O amor daquelas pessoas e daquelas crianças os salvaram. E agora ele tentava fazer o mesmo.

Após desejar boa noite à pequena Chibi Chibi e tomar um banho, Seiya deitou-se em sua cama. Ele fechou os olhos e, então, a imagem de Serena irrompeu em sua mente. Ele abriu os olhos, sorriu com o pensamento e então os fechou novamente, ainda intrigado com a sensação que percorreu seu corpo quando a viu.

Aquela garota nunca poderia ser para ele. Eles vivam em mundos completamente diferentes: ela era uma garota rica e com tudo, enquanto ele, bem, como ele poderia se definir? Um charlatão? Um ninguém? Alguém que usava o sobrenome e dinheiro de Louis, um homem de saúde frágil, para concretizar os objetivos dele? Alguém que não tinha ninguém além daquelas pessoas daquele orfanato, um plebeu fingido de rico, um impostor? Eram tantos adjetivos que ele não poderia escolher um.

Todas as noites após se passar pelo bem sucedido Seiya Kou, ele pensava sobre a sua vida dupla. Era isso mesmo o que ele queria para si? Bem, não importava. Ele sabia que tinha que fazer o possível e o impossível para manter aquele orfanato de pé, pelo bem daquelas crianças e dos seus amigos. E Louis era a chave disso, pelo menos por enquanto.

Antes de adormecer, a imagem de Serena invadiu novamente sua mente. Ela parecia tão angelical olhando para o céu, mas, ao mesmo tempo, tão triste. O que será que havia acontecido para deixá-la assim?

Ele não teve tempo de concluir suas hipóteses, porque já eram quase três e meia da manhã e no dia seguinte sua rotina continuaria às seis. Assim, ele adormeceu em meio a pensamentos sobre cabelos loiros, céu estrelado e olhos azuis claros.


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Notas finais do capítulo

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