Entre Páginas escrita por Raíssa Duarte


Capítulo 8
Capítulo 8


Notas iniciais do capítulo

Boa Tarde!
Capítulo fresquinho nessa tardinha chuvosa :3



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/771172/chapter/8

 

Luísa estava absolutamente chocada.
O Cortiço não era um romance ao qual estava habituada. Nunca lera nada parecido. Por mais chocante que fosse, ela não conseguia desgrudar os olhos da leitura. Era fascinante.
   O enredo retratava tal acomodações de maneira degradante, expondo tanto o lugar quanto personagens á um retrato nada romântico.
   Seriam todos os cortiços assim?
   E se eram de fato, que tipo de vida levavam os escravos que foram libertos?
   Ela nunca pensara sobre aquilo. Ficara feliz ao saber que ninguém jamais seria forçado a trabalhar ou apanharia nas fazendas de seu pai ou qualquer um. Mas não pensara em mais nada depois daquilo.
   Haviam cortiços no Rio? Certamente...
   O barulho da porta interrompeu sua linha de pensamentos.
   -Luísa! – Sua irmã voltava da cozinha, com sua garrafa de vidro cheia de água. – Ainda acordada?! Largue este livro e vá dormir!
   Lu rapidamente fechou o livro e o guardou sob o travesseiro, preparando-se para deitar. Duvidava se sua própria irmã já tivesse lido algo semelhante. Embora também lesse romances, Melissa preferia muito mais gazetas de moda e etiqueta, entre outras atividades, sem grande interesse em histórias de amor. 

Depois de um tempo, o sono a pegou.

                       ♡♡♡

Helena trouxe a trouxa de roupas lavadas com extremo zelo até a casa de seu cliente. Bateu na porta dos fundos, esperando que algum empregado viesse atendê-la, pagá-la e então dispensá-la.
   -Pode entrar. – Disse o mordomo, abrindo e mantendo-se formalmente ao lado.
   -Eu vim apenas deixar a encomenda.
   -O amo insiste. - Gesticulou pedindo que entrasse.
   Franziu o cenho, e permaneceu no mesmo lugar.
   Seja lá o que fosse, Helena não estava gostando. Se o tal ‘amo’ acreditava que ela estava ali para mais do que lavar a roupa, estava muitíssimo enganado.
   Bateu com o pé no chão, impaciente.
   -Está tudo aqui como pedido, veja as peças se quiser, mas meu trabalho está feito. – Estendeu a trouxa.
   -Eu nunca duvidaria de você, Helena.
   A voz a fez gelar e quase derrubar o embrulho.
   O mordomo tirou a encomenda dela e deixou-os a sós.
   Ninguém jamais associaria Heitor Passos e insegurança na mesma frase, mas ali estava ele, como se quisesse dizer algo, mas não soubesse.
   Helena se recusou a olhá-lo. Não imaginou que ele tivesse se mudado para a cidade.
   -Por favor, entre.
   -O que você quer? – A pergunta soou mais áspera do que ela tinha intenção. Mas tampouco gastaria mais palavras pedindo desculpas.
   -Eu só... – Tomou uma respiração profunda. – Queria falar com você... Ouvir sua voz de novo.
   -É sobre a Amanda? – Seus cachos escuros forneciam um quase abrigo que a manteve firme. Não queria que ele visse seus olhos ou qualquer parte de suas feições que entregasse o quão abalada com aquilo ela estava.
   -Não, eu... – Aproximou-se, saindo de perto da porta.
   -Então não temos nada para falar. – Cortou-o, seca.
   Virou-se e preparou-se para deixar aquela propriedade o mais rápido possível.
   -Lena... – Ele a seguiu.
   Não, por favor, não...
   -Eu só contratei seus serviços porque sabia que você nunca viria até mim se eu pedisse.
   -E está certo. – Apertou o passo.
   -Apenas fale comigo...
   -Eu já disse que não temos nada para falar.
   -Eu discordo.
   Ele a alcançou.
   -Eu esperei por você. Um ano. Mais até.
   Helena manteve a expressão neutra.
   -E por que você achou que eu viria?
   -Você sabe. Nós sabemos.
   -Não existe ‘nós’.
   Ele abriu a boca, para contra argumentar.
   -Apenas me deixe ir embora... – Suplicou.
   Ele não se atreveu a impedi-la.
   Helena atravessou o portão e então saiu da propriedade correndo, sem nem sequer receber seu pagamento.

                      ♡♡♡
   A família Camargo tomava seu desjejum em uma mesa soberba, repleta de bolos, torradas, pães, chá, sucos e café, quando a empregada trouxe em uma bandeja de prata, uma correspondência endereçada á Amália.
   A senhora da casa a leu sem demora.
   -Hum... – Murmurou desinteressada. – Parece que Melissa fisgou o burguês.
   -O quê?! – Melissa arquejou, quase engasgando com o suco de laranja.
   -A mãe dele, Carolina Castro quer fazer-nos uma visita. – Dobrou a carta e entregou-a para a moça. – Acontece que ela não visita ninguém daqui. Coincidentemente ela resolve aparecer aqui depois de Castro ter feito visitas á você. Ela diz que adoraria tomar um chá comigo se possível, mas pode-se entender com você. E é claro que eu não poderei recusar. Responderei a nota depois. Está pronta para conhecer sua futura sogra?
   Melissa abaixou os olhos para seu prato com torradas cobertas por mel, subitamente perdendo a fome. A carta pendia em sua mão.
   Seria mesmo verdade? Henrique iria pedi-la em casamento? Aquele pesadelo chamado Rodolfo e Júlia finalmente teria fim?
   Preferiu não criar esperanças. Já fora chamada de ‘filhinha’ por Lorena, e agora estava na rua da amargura por conta de seu filho canalha.
   Arriscou um olhar para a irmã, que continuava a comer sem o menor interesse no diálogo. Em outro momento, ela teria vibrado por ela. Agora simplesmente limitava-se a olhá-la com repreensão como se quase tudo que fizesse fosse errado. Ajudar Bianca não estava sendo o suficiente para apaziguar Luísa.

                       ♡♡♡

Carolina Castro veio ás quatro da tarde em ponto, trajada tão refinada e ricamente quanto qualquer mulher da alta sociedade. Sua postura, pórem denunciava sua origem humilde. Ela não possuía a altivez inata de sua tia, tampouco a elegância natural de sua mãe. Ela era, no entanto, muito gentil.
   Olhou Melissa, ou melhor, analisou-a da cabeça aos pés, o mais discretamente que pôde.
   -Carolina! – Saudou sua tia, abraçando e beijando-a nas bochechas rapidamente. – Finalmente aceitou meu convite feito eras atrás!
  -Espero não estar incomodando... – Retirou o chapéu verde, que combinava com seus olhos, entregando-o á Márcia. – Eu deveria ter mandado a nota para o dia seguinte.
   -Imagine! As meninas e eu sentimos falta de companhia. A temporada está quase acabando com a chegada do inverno, é ótimo tê-la aqui. Sente-se. – Acenou para sua criada, sinalizando a exigência de chá e quitutes.
   Luísa sentou-se ao lado de Melissa, inexpressiva.
   -Eu imaginava que suas sobrinhas fossem bonitas, mas ainda assim fiquei surpresa. – Sorriu. As maçãs do rosto de Lu ficaram avermelhadas e ela sorriu de volta, timidamente. Melissa ofereceu um sorriso confiante e agradecido. – Estão gostando do Rio?
   -Muito. Fiquei apaixonada pelas roupas que encontrei em uma loja do Ouvidor. Tão bonitas quanto as de São Paulo.
   -Nota-se. Seu vestido é lindo.
   -Muito obrigada. – Alisou a saia de cetim cor clara.
   -Luísa, também anda muito pela Ouvidor?
   -Ah, eu... eu sou mais caseira, mas sempre que posso, saio um pouco.
   -Eu sempre digo, mas essa menininha parece uma ostra de tão fechada. – Amália deu um risinho amoroso, alisando uma mecha de cabelo de Lu. – Mas é uma pérola.
 

A conversa se manteve por uma hora ou mais. Melissa teve a certeza de que Carolina estava avaliando-a em cada pergunta que dava. Ao fim da visita, Mel perguntou-se se havia passado no teste.
   -Mas é claro que passou. – Afirmou Amália quando a sobrinha mais velha colocou sua dúvida em palavras. - Ela era esposa de um dono de armazém, se ainda estivéssemos no Império, ela jamais teria a oportunidade de ter uma nora como você.

                       ♡♡♡

Com a chegada de maio, o casamento mais desprezível da nação aconteceu, em uma cerimônia luxuosa, porem, na opinião de Amélia Albuquerque, sem o menor bom gosto. Tudo era exageradamente extravagante, como se estivessem desesperados para mostrarem á São Paulo o quão ricas as famílias eram.

Entretanto, a notícia das bodas não conseguiu ofuscar outro evento de igual importância.
   A sorte de Melissa finalmente parecia mudar.
   Em uma manhã, quando Henrique veio vê-la, e pediu por um passeio no jardim. Ela aceitou, e Luísa os acompanhou a alguns metros de distância.
   -Espero que sua tia não se ressinta por ter deixado a casa antes do chá.
   -Nem um pouco. Está mais fresco aqui.
   -Eu queria o mínimo de pessoas possível para esta conversa.
   Um sorriso ameaçou despontar nos lábios de Melissa, que o segurou firmemente. Já caíra do cavalo antes e não pretendia repetir a experiência.
   -Imagino que sua irmã não possa se afastar mais.
   -Não, eu receio.
   Como um homem reservado, era visível que preferia que estivessem a sós. No entanto, ele mantinha a calma inata.
   -Srta. Melissa, acho que já nos conhecemos o suficiente para termos uma opinião a respeito um do outro.
   -Sempre há mais a se descobrir. Mas não entendo onde o senhor deseja chegar. – Ela na verdade sabia muito bem, entretanto, queria ouvi-lo dizer com todas as letras.
   -Quero saber se acha que formaríamos um bom par. – A expressão dele continuava neutra. Bem diferente dos rapazotes que gaguejavam e se atrapalhavam quando a pediam em corte ou casamento.
   Um sorriso deliciado escapou.
   Peguei.
   -Não posso oferecer uma certeza. Me conhecendo, sabe como sou, mas arrisco dizer que mesmo com todo o tempo passado juntos, o senhor ainda é um mistério.
   -Muito justo. – Acenou com a cabeça. – Eu não sou muito fácil de lidar. Minha mãe com certeza lhe diria isso. Sou muito ocupado, fico inquieto se ocioso. Não gosto de perder tempo com frivolidades e muitos me tomariam por sem sentimentos. Ainda não sei quanto disso é verdade. E o mais importante antes de chegar a uma conclusão; não estou procurando uma esposa por amor. Apenas desejo construir uma família. A senhorita me pareceu uma excelente opção desde o início.
   A melhor de todas. Mas não a única? Pensou.
   -Se nos casássemos, eu não poderia prometer amá-la. Mas prometo respeitá-la e nunca traí-la. Aceitaria isso?
   Melissa refletiu, embora já soubesse a própria resposta.
   -O que espera de uma esposa? – Indagou.
   -Meus pais não tiverem um bom casamento.
   Pela primeira vez em semanas, desde que se conheceram, aquela era a primeira vez que ele revela algo tão íntimo sobre si mesmo. Melissa ficou atentíssima.
   -Nem sei ao certo se o que tiveram pode-se chamar de casamento. Desde então eu decidi que aspiraria algo diferente. Quero sinceridade em meu casamento. Respeito. Exijo honestidade. Podemos nos apoiar em uma vida juntos, é tudo que eu espero.
   Mel ficou em silêncio, fingindo pensar sobre a situação.
   -Se eu o aceitasse, precisa saber que sou extremamente mimada. Gosto das coisas do meu jeito, e faço de tudo para conseguir. Também não estou procurando amor ou um romance de tirar o fôlego. Eu o apoiaria e me esforçaria ao máximo para ser uma boa esposa e mãe. Posso dizer que sou tão ambiciosa quanto o senhor. O que acha?
   Henrique parou e ficou a frente dela;
   -Srta. Melissa, aceita casar-se comigo?
   Melissa sorriu, vitoriosa;
   -Deve pedir ao meu tio e meu pai primeiro. – Corrigiu. – Mas de minha parte, tem um sim.
   Castro apanhou sua mão em um aperto suave e levou até o rosto.
   -Penso que deveríamos voltar para o chá, agora. – Sugeriu. – Talvez queira discutir com meu tio a respeito.
   Ele concordou com a cabeça.
   Juntos, os três adentraram a residência.

                        ♡♡♡
   -Eu não acredito que você fez isso conosco! – Reclamou Amália depois da visita de Henrique. – Melissa! Pare de rir! Seu futuro foi estragado! Ele vai arrastar você para as profundezas da ignorância! Você é muito melhor do que alguém como ele jamais poderia ter!
   -Querida... Melissa está de acordo. Não está? – Camargo a olhou risonho, e então deu-lhe uma piscadela conspiratória.
   -Sinto muito, titia.
   -Esta família, nossa família vêm trabalhando há gerações para ocupar o lugar que ocupa! Tantas décadas de serviços prestados á Família Imperial! E agora, temos um burguês em nosso meio! O filho de Melissa será neto de um padeiro!
   -E neto de um ex-barão. Não é uma mistura interessante? – Gracejou o marido.
   -Camargo, estou á um passo de perder toda minha boa educação. Não faça troça desta situação.
   -Não é troça, tia, pelo contrário. Levo isto muito a sério. Por mais que tenha lamentado, precisamos reconhecer que a monarquia acabou. Henrique é rico e está do lado certo. E o nome do meu pai vai abrir portas para ele em meio aos ex-nobres. É hora de deixar o passado para trás.
   Camargo aplaudiu seu argumento.
   -Escute a Mel, Amália. Os tempos dourados do Império se foram. Estes são os tempos da República. Não se agarre ao passado.
   Luísa permanecia em silêncio, sentada em um dos sofás, sem expressão alguma. Melissa estava relaxadamente semi deitada em um canapé, saboreando sua conquista.
   -Minha irmã terá uma síncope. E ouça bem, mocinha, se acha que este compromisso sairá das meras palavras, está enganada! Seu pai certamente não enlouqueceu como meu marido. Duvido que a entregará para um padeiro.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Será que Melissa vai conseguir tudo que queria?



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Entre Páginas" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.