Entre Páginas escrita por Raíssa Duarte


Capítulo 4
Capítulo 4


Notas iniciais do capítulo

Oie! o/
Capítulo fresquinho da tarde! Aproveitem e comentem ;)



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Luísa e Melissa foram muito bem recebidas pela irmã da mãe, que sentia falta de energia na casa, já que seus gêmeos estavam na faculdade, longe dela. O marido era um homem gentil que as acolhera como se fossem suas próprias sobrinhas.
   Após uma pequena apresentação pela cidade, elas logo se estabeleceram no casarão, á espera do começo da temporada carioca.
   Sendo uma família influente, seus tios sempre recebiam inúmeros convites de amigos, aliados ou conhecidos. Seria a brecha perfeita.
   E a anfitriã logo tratou de deixar as meninas cientes de tal fato, encorajando-as o máximo possível.
   -Será o grande momento de vocês! – Sonhou Amália Tavares. – Ah, Luísa, você está um sonho! Que estréia! Quantos rapazotes você vai encantar!
   Melissa colocou as luvas, sem limitar-se a corar como a irmã. Já tinha plena ciência dos próprios encantos. Não precisava de elogios, precisava de um marido. E era exatamente para aquilo que estavam ali.
   -E você também, Melissa! Já está madura o suficiente!
   O choque fez Melissa interromper sua atividade. Os braços erguidos no ar.
   -Eu disse alguma coisa errada? – Perguntou para Luísa, que sentiu a tensão.
   Após ser abandonada pelo namorado por causa de outra garota, a última coisa que Melissa necessitava, era ser chamada de ‘madura’. Um claro lembrete de que já deveria estar casada.
   ‘Madura’, pensou irritada. Como se fosse uma solteirona acumulando pó em uma estante esquecida.
    -O que eu disse, é que você é uma mulher, digo... – Corrigiu-se - moça refinada e encantadora. Vai arrasar corações á torto e a direita! Nem vai mais se lembrar daquele sujeitinho.
   -Titia! – Luísa interrompeu a tia antes que ela causasse mais algum estrago com seus discursos tão delicados quanto uma bola de canhão. – O que acha dessa cor em mim? Mamãe disse que agora posso tentar outras cores além do rosa.
   -Fica lindo em você, realça seu cabelo...

                       ♤♤♤

Ao chegarem ao baile dos Nogueira, Melissa imediatamente teve um balde de água fria jogado em sua cabeça...

—Como eu imaginei. Uma enorme concorrência. – Comentou de maneira azeda.
   O amplo salão estava repleto de rapazes. E para cada rapaz, havia uma ou duas donzelas casadouras disponíveis cercando-os.
   -Ah, mas você é novidade. – Sua tia animou. – Eles virão até você como abelhas para flor. Essas garotinhas não têm chance. E você...
   -Sou mais velha e com o mesmo dote. – Murmurou enquanto seu sorriso elegante não vacilava como seu melhor cartão de visitas. – Meu pai não tem mais um título para me fazer a melhor opção.
   Abelardo Tavares logo foi cumprimentado pelos donos da recepção, para logo em seguida dispersarem-se em diálogos com todos os convidados, como a etiqueta ordenava.
   -Luísa, pare de apertar as mãos assim. Faz um barulho insuportável e demonstra o quão nervosa você está. – Ralhou Amália. – Seja o mais simpática possível.

O baile teve seu início.
   De fato, Mel e Lu eram carne nova.
   Foram convidadas para dançar e travaram conversas civilizadas com todos. Para os cavalheiros, todo o brilho e carisma que conseguissem expressar. A auto-confiança e beleza de Melissa eram um imã natural para atenção masculina. Luísa embora não fosse tão segura de si, seguiu as instruções da Sra. Tavares, conseguindo seu quinhão de atenção também.
   Dançaram a noite toda, até a hora de voltar.

—Nada mal para a primeira noite, não é? – Brincou Lu quando a carruagem os levava de volta em um solavanco suave. – Particularmente, acho que me saí muito bem. Alguns cavalheiros pisaram no meu pé. Ai... Consigo sentir até agora. – Relaxou no banco, cansada.
   -Vamos ver como saem as outras. Se algum deles se interessarem por vocês, vão bater á porta de nossa casa amanhã... ou um dia depois. Não é, querido? – Perguntou Amália, entusiasmada.
   Mas o senhor seu marido já cochilara deixando-as conversando.

                        ♤♤♤

Em uma semana, no entanto, as meninas não receberam nenhuma visita.
   O humor de Melissa estava azedo desde o fim de seu namoro, mas ultimamente ela estava intragável. Sentia que todos ao seu redor tinham medo de falar a coisa errada, como se ela fosse uma peça de porcelana prestes a se quebrar. Ou uma tola apaixonada de coração partido prestes á romper em lágrimas. Ambos os conceitos eram desagradáveis em demasia. Ela não queria pena de ninguém. E não estava triste. Estava zangada.

—Dêem tempo ao tempo, minhas queridas. – Amália posicionava um arranjo de crisálidas em um vaso perto da janela ao seu próprio gosto. – Mas que aguaceiro. – Referiu-se a forte chuva que caía do lado de fora.
   Abelardo adentrou, encharcado, retirando o chapéu e o paletó.
   -Que temporal! Pegou-me completamente de surpresa.
   Amália chamou a empregada, que logo veio buscar as roupas molhadas.
   -Ah, Melissa, tenho uma boa notícia para você. – Beijou a esposa respeitosamente. – Um conhecido meu vem nos visitar semana que vem. Ele é solteiro.
   -Ah, é o Sr. Castro? – Indagou Amália, desinteressadamente. – Melissa pode conseguir coisa melhor.
   -É assim tão ruim? – Riu Luísa, com o rosto enterrado em um livro, encolhida em uma poltrona.
   -Ele é um burguês. – Afirmou Amália.
   -Todos somos agora. - Abelardo opinou.
   -De forma alguma. – Empinou o nariz. – Nós temos nobreza, embora não mais títulos. Dizem que ele era filho de um padeiro.
   -Querida, vivemos em uma república agora. Homens como ele agora têm a vantagem. Melissa faria bem em se casar com alguém assim.
   Melissa, que até agora estivera lendo uma magazine de moda, empertigou-se no sofá.
   -Como ele é?
   -Tem trinta e quatro anos. Possui uma fábrica aqui até onde sei e vêm se dando muito bem nos negócios em que investe. 
   -Velho e grisalho? – Sugeriu Luísa.
   -Nada disso. – Negou Camargo. – Eu tenho meus cinqüenta e tantos e estou muito bem, não estou, querida?
   Amália o ignorou. Ou não ouviu a pergunta.
   -A questão é; acho que devemos esperar até que Melissa encontre um rapaz como nós. Bem nascido, estudado, rico...
   -Mas não faz mal ter uma carta na manga, não é? Melissa, quando ele vier, toque um pouco de piano, sorria bastante, essas coisas...
   -Só porque está solteiro, não significa que esteja procurando uma esposa. Eu não o vi em nenhum baile ou evento. Ou vi?
   -Não. Ele é um pouco... recluso. E é solteiro.
   -Interessante. – Relaxou no acolchoado e pegou sua revista de moda francesa novamente.
   -Não quer saber se ele é bonito? – Questionou Luísa em um sussurro conspiratório para a irmã.
   -Já sei que é solteiro. E não comparece a eventos sociais, o que significa que está longe de predadoras. É ótimo. Para uma segunda opção, é claro. – Reformulou-se ao notar a insatisfação no rosto da tia.
   -Para uma última opção. – Pontuou Amália.

                       ♤♤♤

—Estava uma delícia, menina. Você tem mãos de fada. – Sorriu o homem. – Se continuar cozinhando assim, ficarei obeso.
   Amanda sorriu cordialmente;
   -Obrigada. – Recolheu os pratos.
   -Fique com a gorjeta. Você merece. – Tirou um maço de réis e depositou na mesa. O outro estendeu para Amanda.
   Amanda apanhou o maço e percebeu que havia muito mais do que um quitute de bar realmente merecia.
   Instintivamente, estendeu de volta.
   -É muita bondade sua, senhor, mas não é necessário.
   -Aceite. Compre um agradinho. Mande meus cumprimentos ao seu patrão.
   Amanda respirou fundo.
   Não era um elogio ao seu talento. Era uma proposta.
   Uma que ela jamais aceitaria.
   -Eu agradeço, mas não. – Colocou o dinheiro sobre a mesa e deu as costas ao cliente antes que ele dissesse mais alguma coisa.
   Outra coisa da qual seu pai queria protegê-la.
   Homens como aquele.
   Homens que viam em uma garota como ela um convite ao prazer.
   Amanda sabia que era muito bonita.
   Mais do que isso; ela era exótica.
   Um homem freqüentador da alta sociedade costumava ver jovens cobertas de roupas e recato, a pele pálida, os olhos baixos e tímidos. Mais do mesmo.
   Mas uma como Amanda? Alta, esguia, pele escura e com ‘recheio’ nos lugares certos, com os cabelos cacheados quase soltos? Ela era uma beldade, uma obra de arte. Uma iguaria a ser degustada. Sendo negra e pobre, ela obviamente estava desesperada por sustento. E segundo o que pensavam, cheia de lascívia.
   Ele claramente não esperava por uma recusa.
   Levantou-se, ajeitou o casaco, e abandonou o recinto, frustrado.
   Amanda passara tempo suficiente sendo chamada de bastarda para entregar-se por tão pouco. E sua mãe e avó tinham experiências de vida o bastante para deixá-la a par do que a sociedade reservava para mulheres como ela. Seu pai já mandava uma boa quantia para emergências, e mesmo se não o fizesse, ela nunca se entregaria á um homem que lhe pagasse para tal. Um homem que a quisesse embaixo dos lençóis, mas não ao seu lado. Aquele senhor era evidentemente casado.
   -Tudo bem? – Seu Manoel perguntou enxugando copos.
   -Tudo. – Respondeu calmamente. Apenas esperava que aquela fosse a última vez que tivesse de lidar com tal cliente.
   Mas ela estava enganada.

                        ♤♤♤

No início de fevereiro, o tal cavalheiro colega de seu tio veio visitá-lo em um jantar. As damas se preparavam na sala. Luísa estava com raiva;
   -Insípida! – Indignou-se ao lembrar-se do que ouvira de alguns rapazes em uma festa. – Eu tenho me saído muito bem! E se ninguém veio, é porque acreditam que estamos apenas de passagem.
   -Nós estamos de passagem. – Murmurou Melissa empoando minimamente o colo. – Eles preferem as meninas daqui. Já estão acostumados com elas. Deixamos de ser novidade e agora somos artigo deixado de lado.
   -Mamãe tinha boas esperanças ao nos mandar para cá... Como explicar na próxima carta que somos um fracasso ambulante? – Fechou o rosto em uma careta.
   -Cada dia aqui é um tapa a mais que devo dar em um certo alguém. Eu não estaria passando por isso agora. Bastardo. – Guardou a almofada redonda de maquilagem.
   -Você tem mais chances com o velho Sr. Castro. Urgh. Vou virar uma ermitã. Você e Leo carregarão o sobrenome da família. Desisto. – Atirou-se sobre a cama de uma maneira nem um pouco delicada.
   -Luísa, você acabou de começar. Pare com o drama. E levante-se agora mesmo, ou vai amassar sia anágua. – A morena aplicou bálsamo de rosa nos lábios, usando a ponta dos dedos.
   -Essa temporada social não é nada como eu imaginei. Apenas um monte de pavões pavoneando-se pelo 'pavoeiro'. Uma chatice sem igual.
   -Se o ‘velho’ Sr. Castro for minha única opção, então vou agarrá-la. Não quero dar a satisfação de Júlia Martins ver minha derrota. Não mesmo.
   -Ela também era uma solteirona.
   -Era. E você acha que isso é um consolo para mim? Muito obrigada, irmãzinha. – Lavou as mãos na tigela de porcelana no quarto e então enxugou-as.
   -Meninas, desçam. – Sua tia surgiu pela porta, toda arrumada. – O burguês está aqui, o tio de vocês já está todo cheio de cordialidades para cima dele... – Rolou os olhos rapidamente. - Ah, nos tempos do Império, não precisaríamos da atenção de um comerciante... – Ela logo saiu em um farfalhar de saias.
   -Então vamos. – Luísa aprumou sua saia de seda e o laço da cintura.
   Melissa olhou-se no espelho uma última vez, conferindo o cabelo escuro preso em cachos.
   Também mal acreditava que agora era ela quem corria atrás de alguém quando sempre fora o contrário.
   Respirando fundo, acompanhou a irmã para fora do aposento. Mesmo se nunca se casasse com o colega de seu tio, não admitiria estar menos do que deslumbrante.


   As irmãs Albuquerque desceram a escada. Luísa tolamente tentou esticar a cabeça para enxergar o desconhecido e recebeu um puxão na saia de seu vestido. Melissa manteve a altivez tão natural a ela.
Sob a luz das velas do lustre, não era possível distingui-lo com clareza. Mas era evidentemente alto. Melissa era uma moça mais alta do que a maioria e ainda assim calculou que ele seria quase uma cabeça mais alta do que ela.
   Ele a cumprimentou primeiro, de modo desajeitado, errando ao apertar sua mão ao invés de levá-la ao rosto, de acordo com a etiqueta. Mel teve de contribuir ao cumprimento após o desencontro de mãos. Luísa foi a próxima, e tivera de controlar o riso de nervoso. Julgara muito mal o cavalheiro a sua frente.
   Henrique Castro não era um velho, todavia também não era um jovenzinho com ares poéticos ou intelectuais. Era sério demais para parecer jovial, e rígido demais para ser acessível. Os olhos eram frios, porem observadores. E a boca fechada em uma linha firme dizia que não era simpático.
   Após um breve diálogo de apresentação e entrosamento, foram á sala de jantar.
   Melissa foi colocada ao lado dele, naturalmente.
   Depois da refeição, as garotas tocaram um pouco, a pedido de Abelardo.
   No entanto, Henrique escutou por apenas vinte minutos, senão menos. Ele e Abelardo foram discutir negócios no escritório. E bem na vez de Melissa tocar. Ela ficou bem irritada. Luísa sabia disso porque sua irmã era uma pianista irretocável, mas pesou demais o dedo em uma nota quando ouviu os passos de Henrique e seu tio deixando a sala.
   Quanto a Melissa, desde o jantar, ela percebeu que convidar tal homem fora um erro.
   -Titia estava certa! – Reclamou ela mais tarde tirando os brincos. – Ele não tem o menor senso de etiqueta. Que tipo de cavalheiro abandona o cômodo quando há uma dama se apresentando?!
   -Talvez ele estivesse com pressa. Titia disse que ele quer comprar algumas terras do titio para montar uma ferrovia ou algo do tipo. – Lu desamarrou sua faixa de seda.
   -Pouco me importa o que ele faz com o dinheiro! Ele é um bufão! Não soube me cumprimentar, e não sabe apreciar Chopin. Estou assim tão em maus lençóis para considerá-lo um marido em potencial? – Guardou as jóias dentro de sua caixa de mogno.
   -Não. Titia disse que o rapaz certo vai aparecer. Mas caso demore, tenha um Castro na manga. Você vai poder ensiná-lo boas maneiras. – Riu.
   Melissa apanhou a almofada mais próxima e arremessou na jovem, que riu mais ainda.
   -Pelo menos ele é bonito. – Afofou a peça com as mãos. – Eu confesso que estive errada. Ele é um senhor garboso. Perfeito para...
   -Uma desesperada como eu?
   -Eu ia dizer dama. Vocês podem se complementar muito bem.
   Luísa bufou e sentou-se no banco acolchoado da janela.
   Melissa suspirou enquanto desfazia o penteado;
   -Ele não está interessado em uma esposa. Tive a certeza disso assim que ele saiu da sala. Enquanto você tocava, Lu, ele parecia tão entediado e sem paciência. Quase a ponto de abrir a porta e sair. Ele poderia ter um título dado pelo próprio Imperador e ainda assim saberiam de onde veio em segundos. Titio fez papel de bobo. – Jogou os grampos sobre a penteadeira e massageou o couro cabeludo. – E eu também. Oferecendo-me á um homem que sequer consegue manter uma conversa. Se não estou no fundo do poço, certamente estou mais próxima do que nunca dele.
   -Ele prestou atenção em você.
   -Ah, sim. – Ironizou. – Imaginou quanto tempo estava perdendo comigo. Tempo que poderia estar utilizando em prol de aumentar sua extensa fortuna. – Gesticulou com a mão, zombeteiramente. – Titia tem razão.
   -Você não esticou a cabeça como eu para vê-lo. Se não, teria visto que ele prestou muita atenção em você enquanto estávamos descendo a escada. – Retirou os sapatos e as meias.
   -Achar-me bonita... muitos cavalheiros já o fizeram. Onde estão eles quando realmente preciso? Papai recusou todos porque estavam abaixo de nós. Agora devem estar rindo ás nossas custas. Deveríamos ter ido para Inglaterra. Mas isto teria parecido ainda mais desespero. É claro, sempre há a possibilidade de me comprometer em um jardim... ou nosso pai me comprar um marido. – Ambas riram. – Mas por agora, vamos tentar maneiras mais convencionais.


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Notas finais do capítulo

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