Entre Páginas escrita por Raíssa Duarte


Capítulo 21
Capítulo 21


Notas iniciais do capítulo

Oiê o/
Espero que gostem do capítulo fresquinho ;)



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Quando familiarizou-se com a rotina da pensão e de sua patroa, Amanda passou a fazer ela mesma as compras quinzenais para manter a dispensa do lugar cheia para o preparo das refeições. Com uma lista dos mantimentos, ordenava em um mercadinho e ainda comprava verduras e legumes nas feiras. Quando não podia carregar tudo sozinha, o rapazinho que ajudava o dono do estabelecimento trazia o resto das compras mais tarde enquanto ela já organizava o que trouxera em seus devidos lugares.
   Enquanto cozinhava o ensopado do jantar, percebeu que sua patroa tinha dificuldade com o livro de receitas. Ela preparava um bolo cujo preparo não tinha memorizado. Manda cortou tiras finas de pimentão vermelho, deixando-as caírem sobre a panela com o caldo borbulhante. Com o canto do olho percebeu a mulher lutar com os próprios óculos em busca de uma percepção maior.
   Amanda passou o avental amarrado em sua cintura nas mãos, para limpá-las, extinguindo o pequeno espaço que havia entre ela e a patroa.
   -Posso ler a receita. – Esticou-se para espionar a página do livro.
   A mulher idosa torceu a boca em uma linha zangada;
   -Eu consigo fazer. Estou muito bem.
   Amanda revirou os olhos, aproveitando que o olhar dela continuava sobre as linhas escritas.
   -A senhora pode cozinhar, eu apenas leio. Já está quase na hora do jantar. A clientela vai descer e não tem comida pronta... Ou se a senhora quiser, eu posso avisar que o jantar ainda vai demorar.
   Ela soltou um resmungo contrariado, entregando o livro para Amanda, que o apanhou e o leu perfeitamente em voz alta enquanto retornava para seu próprio prato. Mexeu sua panela com uma colher de madeira enquanto lia o livro segurado em outra mão.
   Se sua patroa ficou impressionada por sua leitura completa sem hesitações ou erros, não deixou claro. Dedicou-se apenas a fazer seu bolo de carne.
   Água mole em pedra dura... Pensou Amanda.

                       ♧♧♧

Luísa pegou em suas mãos enluvadas um exemplar de O Morro dos Ventos Uivantes. Era um clássico que Lu já lera vezes sem conta. A história angustiante do casal era fascinante. Pensou se Sofia gostaria. Certamente renderia um excelente debate.
   -Emily Bronte... – Uma voz masculina chamou sua atenção atrás dela.
   -Sr. Medeiros... – Levantou o livro para que ele enxergasse melhor a capa. – Já leu?
   -Não. – Respondeu. – Mas já ouvi muito a respeito. E a senhorita?
   -Sim.
   -É bom?
   Luísa tentou segurar a onda de empolgação que a acometeu. Geralmente sua família tinha pouquíssimo interesse em ouvi-la falar de suas aventuras literárias.
   Tentando não soar ridiculamente animada, iniciou sua resenha crítica;
   -É um romance que conta a história de um casal que se conhece desde a infância. Eles têm uma série de desencontros que torna o amor deles quase que sufocante. É muito bom. Recomendo fortemente. – Poupou os maiores detalhes e resumiu o máximo que pôde para não entregar demais a trama.
    Roberto franziu o cenho, pensativo.
   -Queria comprar para sua irmã... – Explicou diante do silêncio dele, desconfortável.
   -Não sei se será o tipo de livro favorito dela... ela gosta de coisas mais chocantes.
   -Bem, achei que valeria a tentativa. – Colocou o livro na prateleira da livraria.
   Ele o tomou de volta;
   -Sendo assim, eu o lerei e veremos o bom gosto da senhorita.
   Lu sorriu animada;
   -Veremos em mais um daqueles chás inúteis de sua mãe e minha tia. Até lá, então...
  Ambos separaram-se para suas respectivas compras na loja.

                       ♧♧♧

A vida de casada vinha sendo extremamente prazerosa para Melissa.
   E ela tinha jeito para isso.
   Henrique a tratava como uma rainha. Ele a deixara redecorar a casa por inteiro á seu gosto. E até mesmo comprara um piano para ela, que chegou poucos dias depois de seu casamento, como uma surpresa. Suas roupas chegariam logo da modista e ela precisaria de um guarda-roupa inteiro para elas. Decidiu que um dos quartos da ampla mansão seria necessário para comportar suas roupas.
   Suas noites também haviam encontrado seu ritmo. Melissa começava a tornar-se segura o bastante para fazerem amor com as luzes acesas. Seu marido era um amante paciente e habilidoso em fazê-la se sentir bem consigo mesma.
   O único ponto em que Melissa não estava totalmente segura, era sua sogra.
   Carolina.
   Como lidar com ela sem saber o que esperar das duas? E como sentir-se a vontade com seu marido com ela morando no mesmo ambiente? Provavelmente nunca conseguiria ter tal conversa com Henrique.
   As duas semanas de lua de mel estavam prestes a terminar, e Henrique voltaria para seus negócios, e ela desempenharia o papel de senhora da casa... com outra senhora desempenhando o mesmo.
   Estava organizando seus trajes e idealizando que móveis e papel de parede ficariam melhores em seu quarto de vestir com Adélia quando uma comoção foi ouvida abaixo.
   -Que algazarra é esta? – Perguntou baixo para si mesma, passando por todos os baús de roupas segurando a saia do vestido para apressar o passo.
   Seriam já seus móveis?
   Ao chegar a escadaria, viu Carolina sendo cumprimentada por todos os empregados da mansão, que falavam com ela entusiasmados.
   Desceu as escadas para encontrá-la.
   -Olá. – Saudou sem saber como chamá-la. Sra. Castro? Carolina? Um parecia formal demais, o outro, íntimo demais. – Espero que tenha feito boa viagem.
   Os olhos amistosos de Carolina estavam calorosos;
   -Eu fiz... E espero que você esteja se habituando bem...
   -Muito. – Assegurou.
   Diante do óbvio silêncio entre as duas, Melissa resolveu retornar para sua atividade;
   -Bem, eu vou deixá-la descansar. Henrique está na fábrica. Com licença.
   -Na verdade... – A voz da mulher a fez virar-se na escadaria para encará-la. – Vim apenas recolher o restante de meus pertences...
   Melissa tamborilou os dedos no corrimão de mogno bem polido.
   Tinha entendido errado ou Carolina estava indo embora?
   Por isso tinha vindo naquela hora? Por saber que o filho não estaria em casa?
   Seu marido sempre deu a entender que deveriam viver juntas.
   Desceu alguns poucos degraus;
   -Henrique sabe disso?
   Ela apertou a pequena bolsa em mãos, calmamente;
   -Vai saber, assim que chegar em casa.
   Melissa mordeu o lábio, pensativamente.
   Em outro momento teria ficado aliviada em ter a mansão apenas para si. Entretanto, sabia que seu esposo ficaria contrariado. Era um filho dedicado, afinal.
   -Eu acho melhor que conversem á respeito. Por que não descansa um pouco? Mandarei que sirvam uma merenda...
   -Ah, Melissa... – Aquela era a primeira vez que usava seu nome. – Não é necessário. Eu não quero me demorar.
   Melissa desceu até ficarem frente a frente sobre o piso.
   -Tenho certeza de que Henrique ficará transtornado ao saber que se mudou sem sequer avisá-lo. Ele a quer junto dele.
   Para seu desagrado, ela balançou a cabeça em negativa, com os alguns cachos louros sobre o rosto.
   -Sendo mais direta, a última coisa que desejo é atrapalhar a privacidade conjugal de vocês. Formarão a própria família agora, e não precisam de um terceiro envolvido.
   -A senhora faz parte da família. Insisto para que fique ao menos para conversar com ele.
   Carolina ajeitou as mechas claras atrás das orelhas enfeitadas por delicados brincos em forma de pérolas pequenas.
   -Então deixarei meu novo endereço. Tenho certeza de que me acertarei com ele. Importa-se se eu subir para apanhar minhas coisas no quarto que freqüentava?
   -Não sinta-se uma estranha aqui, por favor. – Afirmou Melissa insatisfeita. – Faça como lhe aprouver. – Argumentar com ela seria inútil.
  Carolina apertou seu antebraço carinhosamente, os olhos verdes calorosos;
   -Quero que vocês sejam muito felizes...
   E então subiu a escadaria.
   Efigênia aproximou-se;
   -Deseja alguma coisa?
   Melissa cruzou os braços de modo impaciente;
   -Auxilie a Sra. Carolina com as bagagens. Chame Geraldo para carregar em seguida.
   A empregada acenou respeitosamente e obedeceu, seguindo a antiga patroa.
   Melissa bufou, irritada.
   Era só o que lhe faltava. Henrique ficaria chateado com a mudança. Pensaria que abriu mão de uma mãe por uma esposa.
   Melissa esperou fazê-lo não se arrepender da troca.

                        ♧♧♧

Amanda raspou as cenouras da cesta sobre o balcão com cuidado. Logo elas iriam juntar-se a carne cozida na grande panela negra sobre o fogão rústico. O cheiro de hortelã e especiarias despertou seu estômago. Uma pena que toda a refeição era destinada apenas aos clientes.
Uma batida na porta dos fundos a fez abandonar a atividade temporariamente.
Limpou as mãos no avental amarrado na cintura enquanto cobria a distância entre a cozinha e a porta dupla de madeira.
   Abriu ambas e encontrou um rosto conhecido;
   -O senhor! – Reparou nas sacolas pesadas que ele carregava. Abriu espaço perguntando-se onde estaria o rapazinho habitual.
   -Finalmente consegui um emprego fixo. – Explicou com dificuldade, levando as mercadorias até o balcão que ela lhe apontou. O rosto claro estava vermelho pelo esforço. – Pelo que pode ver... – Uma risada desajeitada.
   Ele estava sem paletó naquele dia. Usava uma camisa simples e um colete de tecido grosso e áspero. A mesma boina masculina que o vira usando da última vez que se encontraram estava sobre seu cabelo castanho claro.
   Na verdade, na primeira vez em que o vira, ele usava roupas melhores. Talvez porque estava saindo com os amigos em um passeio até o bar...
   De qualquer modo, não era de sua conta.
   -Isso é ótimo... – Sorriu cordialmente. Ficara um tanto aliviada de saber que o rapaz não teria mais de se preocupar em como pagaria suas contas.
    -Puxa vida... a comida cheira tão bem... – Elogiou olhando as panelas. – Acho que o bar perdeu muito quando a senhorita saiu.
   -Senhorita... – Riu ela. Quase ninguém a chamava assim. – Muito obrigada...
   Ele abanou-se um pouco com uma das mãos.
   Parecia exausto.
   -Aceita um copo d’água? – Perguntou. – Você parece estar precisando.
   Ele aceitou com um aceno de cabeça enfático.
   Amanda logo encheu um copo simples com água e entregou-lhe, que bebeu ávidamente.
   Devia estar trabalhando pesado em alguma coisa para estar tão exaurido.
   Mexeu o conteúdo da panela para evitar que queimasse.
   -Fico feliz que tenha encontrado emprego também. – Disse ele levando o copo até a pia e deixando-o ali após agradecê-la. – Quando não a vi mais no bar...
   Amanda olhou-o alerta.
   -Não que seja da minha conta, é claro. Eu apenas... fico aliviado de vê-la trabalhando... – Ajeitou a boina desconfortável.
   Amanda acenou, tampando a panela.
  -Bem, obrigada por preocupar-se. – Indicou a porta sutilmente com os olhos. – É melhor eu não prendê-lo aqui, com certeza tem mais entregas para fazer.
   Ele piscou e então pareceu lembrar-se de que não era pago para bater papo.
   -Tenha um bom dia. – Tocou a aba da boina e levou as sacolas vazias embora após descarregá-las.
   Amanda não queria nem pensar em como Emengarda ralharia se a visse de conversa fiada com um rapaz ao invés de estar cozinhando.
   Corpo mole era rua.
  Estranhamente, ‘corpo mole’ era exatamente o que o rapaz que acabara de sair parecia fazer.

                       ♧♧♧

Otávio não conseguia parar de gargalhar.
   Carlos apenas o olhava incrédulo;
   -Você pagou um vintém para um moleque apenas para entregar sacolas? Isso é ridículo. – Ele bufou incomodado.
   -Cuidado. – Alertou Otávio quando conseguiu parar de rir aos poucos. – Essa garota vai acabar saindo mais cara do que uma amante. – E então riu novamente.
   -E deixe-me ver se entendi. – Falou Carlos. – Você sequer a conquistou. Ela botou você para fora.
   -Era horário de trabalho. – Leonardo esticou os pés sobre a almofada macia de sua cama. Estava deitado relaxadamente, com sua roupa já devidamente trocada por uma a sua altura. – Logo vou chamá-la para passear comigo.
   -E ela vai recusar, naturalmente. – Afirmou Carlos.
   -Ora, Carlos, você está me irritando com toda essa falta de ânimo. Está azedo como um limão. Vocês deveriam me dar apoio, como meus amigos e não rir.
   -Me desculpe, mas é impossível. – Otávio tinha um risinho nos lábios e os olhos marejados de humor. – Não acha que está ultrapassando os limites do bom senso e ridículo ao fazer isso? Digo, existem moças por aí...
   -Os limites do ridículo já foram deixados para trás há muito tempo, Otávio. O que vemos é um homem decadente. É patético.
   Leonardo sentou-se, segurando outra almofada;
   -Vocês não entendem. Ela é ainda mais linda de perto. E me olha como se eu fosse um inconveniente. Mas também me olhou com pena uma vez. É esperta, ainda falta um pouco para convencê-la. Uma boa adversária.
   -Leonardo é maluco de querer uma mulher dessas. Nunca vai consegui-la. – Contrariou Carlos.
   -É claro que vou.
   -Duvido disso.
   -Ótimo. Então façamos disso um desafio.
   Otávio e Carlos entreolharam-se.
   -Fala sério? – Indagou Otávio.
   -Terei a moça e vocês engolirão suas piadinhas á respeito de minha habilidade.
   -Essa eu quero ver. Aposto cem réis que ela o deixará a ver navios. – Desafiou Otávio.
   Leo e ele olharam para Carlos.
   -Cento e cinqüenta. Apenas porque será divertido vê-lo cair do cavalo. - Disse.
   -O que nos dará em troca quando perder? – Perguntou Otávio.
   -Cento e cinqüenta réis para cada um. E... – Fez um pequeno suspense. – Aceito cortejar a primeira dama que a senhora minha mãe ordenar, como prova de que reconheci minha inabilidade com as mulheres.
   Daquela vez, os dois amigos dele riram.
   -Sinto vontade de dobrar a aposta. Agora sinto uma verdadeira empolgação para participar. – Afirmou Carlos.
   Leo riu;
   -Era disso que estava falando.


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Notas finais do capítulo

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