Entre Páginas escrita por Raíssa Duarte


Capítulo 17
Capítulo 17


Notas iniciais do capítulo

Boa Noite!
Este capítulo eu gostaria de dedicar á Caramelo, que recomendou a fic ♥
Muito obrigada!
Sem mais delongas, boa leitura!



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—Esses biscoitinhos amanteigados são um grande obstáculo para Luzinha... Ela come sempre que pode... Minha irmã avisou-me para manter a vigilância...
    Amália Tavares parecia ter encontrado a missão de sua vida;
    Constranger Luísa.
  Reprimindo o desejo de inflar as bochechas demonstrando seu tédio, manteve a boca ocupada com a limonada gelada. Fazia um belo dia, que estava sendo quase arruinado pela visita dos Medeiros. Bem, Sofia certamente era bem-vinda. Todavia, a intenção das famílias era tão clara que chegava a ser de mau gosto.
   Roberto parecia querer fugir dali de imediato, preso em uma conversa com seus primos gêmeos, Felisberto e Adalberto, recém chegados do exterior. Ela e Sofia estavam sentadas em cadeiras ao ar livre, com uma mesa rodeada de quitutes, com sua mãe e tia preenchendo todo e qualquer espaço para diálogo. Pareciam tão concentradas no papel de casamenteiras, que sequer perceberam que o evento era um completo fracasso.
    Por um momento, quis estar no lugar de Melissa, que estava passeando com Henrique, exibindo-se na Rua do Ouvidor.
    -Você quer sair daqui tanto quanto eu? – Cochichou Sofia, mal movendo os lábios.
   -Mais ainda. – Suspirou Lu, disfarçando com um sorriso.
   -Luísa tem uma silhueta tão graciosa... – Elogiou Sra. Medeiros. – Beliscar um pouco ás vezes não faz mal...
 As jovens damas mantiveram a compostura arduamente, meio dormindo, meio atentas á conversa.
   O chá arrastou-se por mais algumas horas, e quando não havia mais nenhum assunto disponível, as senhoras finalmente decidiram que era hora de dar o lanche por encerrado. Ou de reconhecer a derrota.
   Sofia estava sonolenta sob a aba de seu chapéu, e abraçou-a rapidamente;
    -Dormirei assim que chegar em casa. - Confidenciou exaurida.
   -E eu, assim que entrar no quarto. – Afirmou Lu.
    Naturalmente, ela deveria despedir-se dos convidados. Seus primos contentaram-se com meros cumprimentos e então afastaram-se. Sua tia fazia questão de dar o maior espaço possível para que ela e Roberto conversassem um pouco.
   -Foi tão terrível para você quanto foi para mim? – Murmurou longe do alcance dos ouvidos de sua mãe e da dona da casa.
  -Depende do quanto o senhor queria abandonar a mesa e sair daqui.
   -Desesperadamente. – Confessou. – Lamento.
    Lu balançou a cabeça suavemente;
  -Sem problemas. Minha tia organizou tudo. Eu não vou dizer uma palavra. É melhor que elas pensem que foi um sucesso.
    Ele concordou com um aceno de cabeça.
   -Elas estão apenas começando. – Colocou as mãos nos bolsos do paletó, desconfortável.
    Luísa deu de ombros;
   -Façamos nosso pior, então. Até mais, Sr. Medeiros.
   -Srta. Albuquerque... Sra. Tavares... - Um sorriso cordial e aceno. Quase não parecia o rapaz rude do dia da biblioteca. - O chá foi muito agradável. Agradeço o convite em nome de toda minha família.
    Ao longe, Sofia deixou um bocejo escapar, esperando pelo degrau móvel trazido pelo cocheiro.
    Os Medeiros partiram em sua charrete.
   -Viu só, querida sobrinha? – Cantarolou Amália. – Tudo vai conforme planejamos.
   Luísa já havia desistido de discordar da tia há um bom tempo. Contentou-se em ficar em silêncio.

                        ☆☆☆
     Melissa saboreou uma colherada de torta de melaço, aproveitando o período vespertino.
    Henrique olhou para seu relógio.
    Pela quarta vez.
    -Você deveria provar a de São Paulo também. – Sugeriu. – É ótima. Existem muitas coisas que quero mostrar para você lá.
  -Se o tempo me permitir, - Guardou o relógio em seu colete cinza-escuro. – não vejo porquê não.
    Melissa deixou o talher bem polido sobre o prato, intrigada.
   -Nunca fez nada apenas com o propósito de lazer? – Indagou, curiosa.
   Henrique parecia honestamente surpreso de alguém ter feito tal pergunta.
   Ele parecia o tipo de homem que não se divertia nunca. Ao entrar no estabelecimento cheio de requinte, pedira o mesmo prato que a noiva, mas comera o mais rápido possível, como se fosse uma atividade a ser feita.
   -Eu trabalho desde que me lembro. – Contou. – Quis dar uma vida melhor para minha mãe. E não nasci em berço de ouro, como bem sabe.
     -Entendo. – Melissa mordeu o lábio.
   Carolina Castro tornara-se um tema delicado. Era evidente que Henrique esforçava-se para agradá-la saindo em público, possuindo uma natureza reservada. E sequer mencionara o dia do exame em nenhuma de suas saídas. Nem tentara forçar um encontro entre as duas. Melissa era sinceramente grata por aquilo.
   -Bem... – Afastou a animosidade e trouxe de volta seu charme natural. – Algo que mudaremos quando estivermos casados. Não poderá me negligenciar em nome do trabalho. Posso ficar terrivelmente enciumada.
    Um pequeno sorriso despontou no rosto dele;
    -Acho que ninguém jamais seria capaz de negar algo a você, Melissa.
    Que bom que ele havia entendido.

                       ☆☆☆

Quando Amanda conversou com a dona da pensão, foi interrogada de todos os modos possíveis. Respondeu que vinha do cortiço, mas era uma moça de índole honesta. Precisava de um emprego, e não carecia de determinação e vontade de trabalhar. Era dedicada e esforçada.
   Contudo, o que interessou realmente a senhora idosa, foi a capacidade de Amanda saber ler, escrever, e ainda saber fazê-lo em outros idiomas.
    -Nunca vi uma moça da sua cor saber tanto de letras. – Comentou a mulher, enquanto caminhavam pela pensão. – Sua senhora deve ter sido muito caridosa.
    Manda não sentiu necessidade de explicar sua origem. Ela era apenas mais uma bastarda mestiça entre tantos outros. Não faria diferença alguma comentar como recebera sua educação.
    -Você vai arrumar as camas e varrer a pensão. Se realmente sabe ler, vai me ajudar na cozinha. E vai ler minha correspondência também. Meus olhos não são tão bons como antes.
    -Aceito. – Confirmou Amanda, contendo um pouco a empolgação. Trabalhar para uma senhora, mesmo que ranzinza, era muito melhor do que ser funcionária de um ambiente cercado por homens como aquele que a assediara.
    -Você começa amanhã, então. Vai me dar tempo de pôr as contas da antiga ajudante em ordem.
    -Sim, senhora.
    -Nada de corpo mole, ou é rua.
    Amanda acenou respeitosamente.
 Então... seria apenas esperar que recompensas seu novo serviço traria.

                       ☆☆☆

Melissa tentou reprimir a agitação que a acometeu.
    Para alguém tão pragmática como ela, era simplesmente vergonhoso que seu corpo quisesse dar sinais de animação com pulinhos ridículos.
   Estava finalmente experimentando seu vestido de noiva.
  Bem, ao menos testando moldes e modelos. Seu vestido ainda não estava pronto. E considerando seu gosto exigente, talvez o casamento devesse ser marcado para o ano seguinte.
    -Gostei muito do que estou vendo. – Sua tia, ao contrário dela, estava animadíssima, quase como se ela fosse a noiva. Luísa, sentada na cadeira acolchoada ao lado, dava opiniões positivas a respeito de tudo que a irmã vestia. Como se sua natureza dócil não a permitisse reclamar de alguma coisa.
    Mel, no entanto, não estava nem de longe satisfeita com os últimos resultados.
    -Eu não. – Olhou por sobre o ombro, aproveitando a visão de um grande espelho que permitia uma vista das costas. – Renda demais.
    -Renda é o que está na moda, querida. – Insistiu Amália.
    -Então alguém deveria mudá-la, não é? – Puxou o projeto de saia, experimentando o movimento. – Quase todas as roupas de todas as damas deste país possuem renda.
    -De certo. – Concordou Luísa. – Seu guarda-roupa está cheio dela.
    -Outro motivo do porquê estou mudando completamente meu vestuário para quando estiver casada. – Afirmou Mel, descendo do pequeno palanque.
    A modista retornou, com uma caixa de alfinetes em mãos.
    -Podemos apertar a cintura agora...
    Melissa a interrompeu com um gesto de mão.
   -Não gostei do modelo. Teremos de recomeçar. Do zero.
    A profissional piscou confusa;
    -Que modelo tem em mente?
    Melissa caminhou pela sala, pensativa. Segurava a saia de tule pesada com uma das mãos.
    -Gostaria de algo como no estrangeiro... Ah... – Gemeu, colocando as pontas dos dedos sobre a têmpora. – Minhas magazines estão em casa... Quanto trabalho organizar um casamento...
    -Estamos apenas começando, meu bem. – Amália tinha um sorrisinho conspiratório nos lábios.
    -Você quer encomendar um vestido do estrangeiro? – Indagou Luísa.
   -Não! – A moça mordeu o lábio, tendo uma idéia. – Farei melhor que isso. – Olhou para a modista. – Faremos um vestido inspirado no que há de melhor lá fora. O que há de melhor que quando chega por aqui, já está démodé. – Apertou as mãos da modista, que a observava intrigada. – A senhora é a melhor modista do Rio de Janeiro, segundo o que me disseram, confiarei em seu trabalho, mas quero saber de tudo.
     Luísa revirou os olhos.
   Até o dia do casamento, Melissa colocaria em jogo a sanidade de todos da família.

                       ☆☆☆

O trabalho na pensão era pesado.
    Entretanto, Amanda não teria procurado um emprego se não estivesse pronta para trabalho duro.
     Os clientes eram dispersos demais para elogiarem sua comida, mas tampouco reclamavam. Arrumar camas, polir e varrer eram tarefas que realizava rapidamente.
   A Sra. Esmeralda era difícil, entretanto, aquilo nada mais era do que demonstração de experiência e zelo com seu próprio negócio. Ela não tinha permissão para administrar a banca do dinheiro, mas seus conselhos culinários eram ouvidos e Esmeralda, após provar sua comida, decidiu deixá-la cuidar da cozinha e seguir as receitas do livro que ela tinha dificuldade em ler, vindo apenas para ter certeza de que tudo estava em ordem.
   Após duas semanas, já fazia compras para manter a dispensa da pensão, com a lista da dona.
   A pensão era um pouco longe, o que levou Cândido a buscá-la e levá-la de volta até o cortiço. Sentiria pena dele, se não soubesse que o rapazinho ganhava muito bem para fazer o papel de babá. Seu pai nunca deixaria de certificar-se de que ela estivesse protegida. Era estranho que fizesse parte de uma família tão pouco convencional. Que sua avó detestasse seu pai, seu pai amasse sua mãe, sua mãe amasse seu pai, e mesmo assim ninguém conseguisse se entender.

                      ☆☆☆

O casamento aconteceria em novembro. Os preparativos estavam á todo vapor. Melissa era tão cuidadosa e metódica que até mesmo Amália não conseguia rivalizar com ela, reforçando apenas suas ordens. Luísa apenas divertia-se, assistindo. Listas e encontros com profissionais aconteciam quase todos os dias, em busca do planejamento perfeito.
    Em um dia particularmente agradável para ela, recebeu do noivo um presente; um camafeu ricamente trabalhado.
  -Ao menos ele está tentando. – Resmungou sua tia, a contragosto. Ambas estavam sentadas no sofá da ampla sala de estar, avaliando os melhores tons para a decoração do casamento.
    -O que esperava? – Questionou Melissa, retirando o pendente do embrulho bem feito.
    -Bem... algo vulgar e inadequado, como uma jóia cara e enorme.
   -Apenas quando estivermos casados. – Colocou o objeto contra o pescoço, observando como caía sobre seu colo.
    -Melzinha... – Sua tia agarrou suas mãos. – Pense bem no que está fazendo... Assim que as bodas forem concluídas, não poderá voltar atrás...
    A jovem fechou os olhos, sem dar ouvidos ao que sua parenta vinha dizendo recentemente.
    -Tia. – Cobriu uma das mãos dela com as suas. – Este casamento será bom para mim e nossa família. Fique tranqüila.
     Amália encolheu os ombros.
   -Sinto que falhei com sua mãe. Ela me entregou você e sua irmã, e eu a devolvo para São Paulo casada com um pobre rico.
    -A senhora não falhou. As coisas apenas... não saíram conforme planejamos. Porem, pense em Luísa. Ela está bem encaminhada com o Sr. Medeiros.
    -Isto é verdade... – Bateu desanimadamente na mão de Melissa. – São duas cabecinhas duras, mas eventualmente cairão em si.

 

Enquanto os dias seguiam, manteve a concentração na organização do matrimônio, dando-se conta de como era complicado. Quase ficou com os nervos em feangalhos. Quase.

Em uma noite sem conseguir dormir, conversou com a irmã sob a luz de uma luminária á gás.
     -Eu queria poder ver minha futura casa. – Admitiu. – Não sei como é. A parte ruim é não poder escolhê-la. Henrique já mora lá há anos e não vai querer sair.
    -Por que haveria de querer? – Perguntou Luísa, deitada de lado, olhando-a.
     -Ele me disse uma vez que fica no mesmo bairro que esta casa.
    -Um bairro de classe altíssima, então. – Emendou Lu. – Melhor para você. Qual é o problema?
    Melissa virou-se de lado também, ajeitando os lençóis sobre seu corpo esguio.
    -Para começar, não sei como a casa é por dentro. Pode ser um mausoléu.
    -Você não será a senhora da casa? Vai poder decorá-la ao seu gosto.
     -Então chegamos ao outro problema; Carolina. Nós não conversamos sobre a mãe dele desde aquele dia. Ela mora lá também? E se ele quiser que as coisas continuem como estão?
    -Deixe para pensar nisso quando estiver lá. Duvido que ele discordaria de você.
    -Pode ser... Eu certamente farei minha parte para assegurar isso.

Enquanto matutava a questão, Luísa a pegou de surpresa.
     -Ele já beijou você? – Perguntou baixo.
    -O quê?! - Engasgou. - Luísa! – Encarou-a mortificada.
   -Só curiosidade. Todos sempre dizem como ele é frio e sem emoções. Já pensou nessa parte?
    -E o que a senhorita sabe sobre essa parte? - Ergueu uma sobrancelha.
   -Nadinha. Só o que vi nas fazendas do papai e nos livros que falavam sobre vida animal.
   -Eu certamente não gosto de me comparar com uma égua.
     -Mas não é como os bebês são feitos?
    -Eu saberia se já fosse mãe.
   -Mas você tem mais experiência do que eu. Você acha que o Sr. Castro tem beijos melhores do que Rodolfo?
    -De todas as conversas que já tivemos, essa é a mais estranha. Você está conseguindo me deixar com menos sono ainda. Falar de Rodolfo pode me dar pesadelos.
   -Desculpe. Eu só estava curiosa. – Murmurou, virando-se de frente.
    -Por que está tão curiosa á respeito de beijos? É por causa do Sr. Medeiros?
    -Esqueça. – Foi a resposta ríspida.
     Melissa gargalhou suavemente.
    -Certo. – Suspirou após um momento. – Eu nunca beijei o Sr. Castro. Ele é... muito respeitoso.
     -Você... queria ter beijado?
   -Isso não vem ao caso. Eu jamais me atiraria em um cavalheiro. Hora de dormir, Srta. Descarada.

                     ☆☆☆

   Amanda testou as teclas do piano com a irmã.

Não era uma boa musicista e para piorar estava enferrujada.

—Isso foi horrível. - Declarou Nicole ao terminar sua música.

—Não pedi que se sentasse ao meu lado para opinar, e sim para virar as páginas. - Referiu-se ao livro de partituras.

—Mas você é ruim. - Concordou Inácio lendo seu livro de contos, assistido por Regina.

Certo. Aquilo não ajudava.

—Bem, acho que perdi a prática em... todas essas coisas. - Fechou o instrumento.

O ruído de passos fez com que todos na sala de música virassem a cabeça na direção da entrada do aposento.

—Gostaria de ouvir as duas. - Heitor encostou-se no batente. 

Amanda riu e olhou para a irmã;

—Você toca e eu viro as páginas.

Seu pai a olhou, colocando as mãos no bolso.

—Isto se tornará frequente, presumo.

Amanda franziu o cenho;

—Como assim?

Nicole reabriu o piano e o dedilhou ansiosa para mostrar o talento para o pai.

—Encontrei a solução para você, Amanda. Vai parar de saracotear por aí. Vou reconhecê-la publicamente.

Amanda arregalou os olhos diante da afirmação. Sem palavras.

O único som da sala era o dedilhar de Nicole e o farfalhar de folhas do livreto de Inácio.


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Notas finais do capítulo

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