Entre Páginas escrita por Raíssa Duarte


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Boa Noite!
Começando uma nova história, espero que gostem ;)
Comentem, favoritem e deixem-me saber o que estão achando!
Boa Leitura!



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Sábado, 16 de Novembro de 1889.

Amélia Albuquerque, Baronesa do Café deixou imediatamente de lado seu desjejum naquela manhã para focar-se no jornal que tinha em mãos. Conforme os olhos passeavam pelo papel, seu cenho franzia.
   Suas filhas perceberam a mudança em sua postura, pois logo a mais nova a chamou;
   -Mamãe?
   Após mais alguns segundos de leitura rápida, abaixou o papel e informou ainda um tanto longe;
   -Se minha visão quanto ao teor da matéria de hoje não me enganou, o Império não mais existe.
   -O quê? – Ambas estavam ainda mais confusas do que antes.
   -Posso ver a notícia? – Pediu Luísa, erguendo o braço. Sua mãe entregou o periódico, com o olhar distante.
  -Agora somos uma república... – Informou Luísa, lendo rapidamente. – Marechal Deodoro da Fonseca... Benjamin Constant... foram até o gabinete Imperial... – Sua boca abriu-se ligeiramente em choque. – A Família Real será deposta...
   -Mas como? – Melissa permanecia atordoada pela notícia. – o Marechal era tão amigo do Imperador...
   -Seu pai também era. – Afirmou sua mãe, retomando o café da manhã, quando a empregada trouxe uma bula de chá fumegante e o despejou na xícara de porcelana delicadamente pintada. – Certas coisas prejudicam irremediavelmente até mesmo amizades. Aparentemente o Marechal não esperava por um mandato de prisão.
   -Luísa, passe-o para mim. – Melissa estava um pouco impaciente. A irmã mais nova imediatamente a atendeu.
   -Lorenza, mande Antoni comprar todas as edições de jornal disponíveis. – Ordenou Amélia. A expressão em seu rosto era pensativa, enquanto girava distraidamente um de seus anéis.
   A criada acenou positivamente e retirou-se tão silenciosa como viera.
   -O pai de vocês vai querer saber tudo sobre esta nova república.
   -O título de papai e da senhora... – Melissa franziu a testa.
   -Não vejo onde haveria lugar para eles em uma república. Esses republicanos tanto fizeram até conseguirem. Quanta determinação. – Apanhou um croassaint recém saído do forno.
   -Não apenas os títulos. – Continuou Melissa. – Mas e quanto á nós? Que lugar ocuparemos nisso tudo? – Dobrou o jornal e o soltou sobre a mesa, em choque.
   -Não se preocupe com isto, Melissa. –Acalmou. - Seu pai e eu cuidaremos de tudo, como sempre. Nada muda.
   Melissa suspirou e recostou-se sobre a cadeira.
   -O que será da Família Real? Mandados embora, assim... – Disse Luísa.
   As damas tentaram manter a normalidade durante a refeição, mas vez ou outra voltavam a comentar o assunto. A surpresa era enorme demais para ser ignorada. Para evitar um nervosismo aparente, Amélia logo exigiu que nada mais falassem sobre aquilo.

                                           ♡♡♡

Amanda estava bem próxima de levar uma bronca.
      Mas não conseguia evitar.
   Arriscava-se a dar olhadelas em jornais dos fregueses e ouvir conversas.
   Todos falavam sobre a mesma coisa.
   A proclamação da República.
   Embora aquilo pouco afetasse diretamente sua situação, não conseguia desviar o interesse, e quase derramara café fora da caneca. Felizmente o servido não prestara atenção, absorto demais no tema tão discutido durante a manhã. Até mesmo seu patrão lia o próprio material, abandonando-o apenas quando se fazia necessário.
Ao que parecia, aquilo seria o assunto de semanas. Meses.
   Em sua situação, não era afetada diretamente, mas seu pai sim.
  Com o canto de olho, percebeu um rapazinho fora do bar, observando-a e então saindo de seu campo de vista.
   A presença do garoto já era familiar ao ponto de ela não se importar mais.

Trabalhar em um bar não era exatamente o emprego dos sonhos de uma moça, mas fora o melhor que Amanda conseguira.
Era difícil mesmo comparar a garota que vestira roupas caras e comia refeições luxuosas em uma soberba sala de jantar com a funcionária de tal estabelecimento. Talvez a única coisa de que pudesse se regozijar fosse a ausência da anágua pesada e as várias saias. E também o espartilho. Sim. Era um alívio.
   Apesar de a presença de Cândido sempre revelar a preocupação de seu pai, ela o vira pela última vez há alguns meses, e sentia saudade. Sabia que havia uma certa animosidade, uma rusga em seu relacionamento, que começara no ano passado, após a abolição.
   Amanda nunca fora uma escrava.
   Mas sua mãe e avó, sim. O que implicava que com o fim da escravidão, não tinham rumo nem destino certo. Assim como Amanda.
   Como uma bastarda, e ainda por cima mestiça, tivera de escolher entre permanecer na Casa Grande com o pai, cercada de mimos e conforto, ou desbravar uma nova vida com Helena e Zilda.
   Escolhera a mãe.
   Não foi uma decisão fácil de modo algum. Amava ambos, mas não poderia pertencer a dois mundos. Heitor de alguma maneira parecia em melhor posição do que sua mãe, que tinha apenas ela e Zilda. Na verdade, magoava-a um pouco imaginar que seu pai estava tão aborrecido que preferia não visitá-la.
   As primeiras semanas foram extremamente trabalhosas para ela. Não estava acostumada a trabalho pesado, e muito menos a viver em um único cômodo. Mas nunca se queixara. Helena já assumira tal papel com perfeição, sempre insistindo que ela deveria morar com o pai. Todavia, sua vida já estava refeita. Seu emprego era digno, ela estava bem, e o mais importante de tudo; as mulheres de sua vida eram livres.

                                            ♡♡♡


   Quando o ex-Barão Conrado Albuquerque retornou para casa, após algumas horas passada no campo de sua fazenda, encontrou a esposa, que lhe entregou o jornal silenciosamente, parecendo inquieta.
   -Você me parece calmo. – Ela notou, quando o marido lançou o papel casualmente sobre uma mesinha perto dos sofás após a leitura.
   -Era questão de tempo. D. Pedro não tinha aliados. –Apanhou outro jornal da pilha e o leu com rapidez.
   -Tem idéia de que este é mais um golpe para nossa posição social? – Amélia brincou com seu longo colar, deslizando-o entre os dedos, pensativamente. – Primeiro os escravos, e agora... Nossos títulos. Não temos amizade com nenhum desses republicanos. Sabe como eles chamam vocês. Vamos ter de escalar para chegarmos alto de novo.
   -Então é isso que faremos. Ainda somos tão necessários quanto antes – Conrado perdeu o interesse nos textos e voltou-se para a esposa. –. Onde estão as meninas?
   -Foram á loja de tecidos. Vão fazer vestidos novos. O que me lembra; Luísa debutará no ano que vem. Poderia até mesmo ter sido apresentada á Família Imperial. Agora... Vamos apresentá-la ao Marechal e seu batalhão?
   -Luísa não se importa com isso, e agora... – Olhou o relógio de bolso, constatando a hora. – Se não se importa, estou enlameado, preciso de um banho.
   Beijou a bochecha da esposa e a deixou na sala, com todos os móveis e jornais cujas manchetes falavam sobre a derrocada de um Império.

                                            ♡♡♡


   -Mal posso esperar para voltar á cidade... –Suspirou Melissa, investigando um rolo de seda. – O marasmo do campo não combina comigo.
   -Nem me fale... – Luísa soltou um gemido sôfrego. – A alta sociedade me aguarda ano que vem.
   -Não seja dramática. – Largou o tecido e focou-se na renda, colocando uma parte sobre o próprio corpo, como se já visualizando um vestido para si. – Rosa vai cair melhor em você... – Colocou o pano sobre a irmã. – Já deveria estar escolhendo para seu aniversário.
   Calmamente, uma jovem entrou na loja, como se fosse dona da mesma, andando e passeando o olhar pelo estabelecimento, depois de ter cumprimentado o dono do local, que estava preso nas notícias do dia. Aproximou-se das irmãs Albuquerque;
   -Meninas... Boa Tarde. – Os lábios suavemente pintados com flores curvaram-se para cima. – Ah, Melissa... Esta cor ficaria... interessante em você. Devia mesmo tentar a renda francesa... é a última sensação no exterior. Voltei há pouco de lá...
   Melissa sorriu docemente;
   -Obrigada pelo conselho. Vejo que está tentando trazer os chapeis com penas á moda novamente... Um clássico, não é?
   As maçãs do rosto da moça avermelharam-se;
   -Bem... Os clássicos nunca envelhecem. É o que dizem. –Ela simulou um muxoxo. – Fiquei sabendo sobre o escândalo envolvendo a realeza. Na verdade, quem não ficou? Mas que reviravolta. Espero que estejam bem.
   Antes que Melissa desse uma resposta afiada, Lu a cortou;
   -Ótimas. E você?
   Com um diálogo cordial forçado e irritante que Mel mal suportou, a jovem retirou-se para outra parte da loja.
   Mel revirou os olhos.
   -Ela não podia deixar passar, não é?
   -E tampouco você. – Reprovou a mais nova.
   -Ela veio até aqui me atiçar. Esfregando em nossa cara o fato de não sermos mais nobres. Mas se ela pensa que isso nos torna iguais, está muito errada. A começar pelo senso de moda. Viu aquele chapéu? – Deu um pequeno risinho. – Parecia um ninho. Dinheiro não é nada sem bom gosto.
   -Vocês parecem duas crianças disputando por um brinquedo.
   -Ora, ela começou.

Na sociedade em que viviam, era necessário manter a cordialidade com todos, e sorrir sempre. Mesmo quando a pessoa para quem o sorriso fosse dirigido não fosse tão querida assim.
Aquele era o caso de Melissa Albuquerque e Júlia Martins.
   Uma morena, a outra loura.
   Ambas ricas e belas.
   Melissa e Júlia eram as pérolas da elite paulista. O centro das atenções em qualquer baile ou evento social. Porem, Júlia não era de nascimento nobre. O pai era um burguês que alcançara fortuna vindo da pobreza.
   Sendo os grandes destaques femininos, a rivalidade estava ali, embora em um nível saudável.
   Mas tudo mudara ano passado.
   Quando o cavalheiro por quem Júlia estava apaixonada preferira Mel.
   O homem fora educadamente recusado. Não era um partido ‘bom o bastante’ para a filha de um barão. No entanto, aquilo foi o suficiente para despertar o rancor e amargura de Júlia, que desde então fazia o possível para superar Melissa, alfinetando-a ou esforçando-se para suprir o vazio que a falta de um título de nobreza de seu pai deixava em sua atratividade.
   O problema era que Melissa tinha natureza competitiva. O que significava que nunca conseguia resistir ás provocações de Júlia.
   Seria épico, se não fosse ridículo, pensou Luísa, que não conseguia compreender por que brigar por tão pouco.
   Depois que escolheram e compraram os tecidos para seus novos trajes, voltaram para casa. Ao entrarem foram abordadas por Lorenza;
   -Srta. Melissa... O Sr. Ramos esteve aqui... Ele não pôde esperar, mas deixou este buquê de flores... – Mostrou o vaso sobre uma mesinha na ampla sala de estar. – Tomei a liberdade de colocá-las ali. – A serviçal apanhou as compras e as levou para guardá-las.
  Melissa cutucou o grande arranjo de pétalas amarelas, desapaixonada.
   - Por que sempre flores? Murcham e perdem a utilidade.
   -Quanta animação.
   -Logo será sua vez. – Zombou. – E então saberá exatamente do que estou falando.
   -Eu já consigo imaginar. – Luísa semicerrou os olhos. – Não gosta dele nem um pouquinho?
   Melissa ponderou por um instante.
   -Nossas famílias fazem gosto.
   -Eu perguntei sobre você. Nunca fala sobre ele, seus olhos não brilham, e você tem tanto ânimo para se encontrar com ele como eu para minha futura temporada.
   -Olhos brilhando? Luísa... – Melissa a encarou como se ela fosse uma criancinha adorável. – Você lê romances demais. Já sabe como funciona para nós.
   -Mas não quer dizer que não possam se amar. Papai e mamãe também não se gostavam quando casaram.
   -Eles estavam em sintonia. Rodolfo e eu estamos em uma relação benéfica.
   -Se não o ama, deveria terminar com ele.
  -E chatear papai? – Perguntou incrédula. -Não. Nossos pais queriam isso desde que ainda éramos bebês... Quem sou eu para desfazer planos de uma vida?

                                             ♡♡♡

—A rua nunca esteve tão barulhenta. – Ironizou Helena, baixinho.- Até o pessoal do cortiço não fala em outra coisa. Foi a melhor fofoca do dia.
   Amanda e sua mãe costuravam um lençol enquanto sua avó dormia calmamente, já tarde da noite.
   -Deveria ter visto o bar do seu Manoel. Um bafafá e tanto.
   -O Império caiu do cavalo, como diria sua avó. – Puxou o fio com força, arrebentando-o ao terminar um ponto. – Faça o nó ou sua linha vai acabar. – Orientou.
   -Acha que vai mudar alguma coisa? – Questionou seguindo a instrução da mãe.
   -O poder sempre para na mão de alguém. Se não for na mão de Dom Pedro, agora é na do presidente e todos os políticos. Agora eles estão no topo. Mas eu sei que esses nobres não vão demorar muito em tentar tirar uma casquinha. De uma hora para outra todos viraram republicanos. – Passou a linha pela fenda da agulha aguçando a visão.
   -Meu pai sempre disse que queriam mais autonomia. Agora teremos um governo como o Estados Unidos. Um mandato curto, e votos.
   -Por falar nele, aquele menino veio te ver?
   Amanda sabia onde aquela discussão poderia levar, então respondeu de maneira desinteressada para logo mudar de tópico;
   -Sim. Foi tudo ótimo no trabalho hoje. Meus pontos estão melhores?

                                           ♡♡♡

A Família Imperial deixou o Brasil rumo á Europa, no dia dezoito de novembro, deixando a nação que governaram por mais de meio século na mão de Deodoro da Fonseca e republicanos. Nas mãos daqueles que buscavam o progresso através da democracia, que dava seus primeiros passos em meio á um governo provisório.

—Quando fui á confeitaria com mamãe, todos só falavam disso. – Comentou Luísa na noite do dia dezenove, enquanto sua irmã mais velha penteava o cabelo cuidadosamente.
   Tendo apenas três anos de diferença entre as duas, cresceram agarradas uma á outra, dividindo até mesmo o quarto, enfeitado com fitas, cortinas, móveis de bom gosto e tons rosa e branco nas paredes. A penteadeira repleta com as bugigangas das duas.
   -Não há nada de melhor para se conversar. – Afirmou Mel, em tom azedo.
   -Ainda está chateada? – Sondou Luísa.
   A escova fazia com que suas mechas escuras deslizassem sobre os ombros.
   -Sim. Porem, uma dama nunca se exalta. Devo sufocar minha decepção. – Escovou as pontas do cabelo calmamente.
   -Mas nós ainda estamos muito bem. – Pontuou ajeitando-se sob as cobertas.
   -Você é romântica, Luísa. – Interrompeu a atividade e virou-se do lado contrário da banqueta acolchoada para olhar a irmã. - Ás vezes, apenas o dinheiro não basta. Qualquer uma pode ser uma Sra. Qualquer Coisa... Mas uma duquesa...Andar com a realeza... Éramos amigos do Império, eu poderia até mesmo ser uma amiga da Princesa. Eu queria que nossa linhagem ficasse na história. Mas agora somos somente mais uma família abastada entre tantas outras. – Retornou para sua penteadeira. - Eu devia ter aceitado aquelas propostas dos lordes ingleses.
   -Eles estavam falidos.
   -Importa? As americanas andam fazendo isso e estão se saindo muito bem. – Suspirou segurando a escova. - Rodolfo deveria ter sido um duque, assim como o pai... e eu seria duquesa... E agora... nada de Inglaterra para mim...
   Luísa ficou em silêncio, sentindo o sono aproximar-se, e então dormiu.

 


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Notas finais do capítulo

U_U



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