A Bela e o Morcego escrita por Valdir Júnior


Capítulo 3
Negociando Vidas




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"Big Lou" Maroni olhava com desagrado para a pasta de documentos que se encontrava na sua mesa. Ele estava em seu escritório no 25º andar da Torre Gotham, um dos muitos que mantinha discretamente na cidade, em nome de um testa-de-ferro. Ele não ficava nunca mais de um dia ou dois em cada um deles. Isto era bom para os negócios e, o mais importante, o ajudava a se manter vivo.

Depois de olhar por mais alguns momentos para a pasta de papel pardo, o gângster levantou-se com ela nas mãos, caminhou até o cofre da parede e a colocou lá, trancando-o. Em seguida apertou o botão que fez descer o painel de madeira disfarçado com a reprodução de uma pintura, ocultando o cofre. Foi até o bar do escritório e preparou uma generosa dose de uísque. “Como as coisas puderam chegar a este ponto?”, pensou, tomando um gole da bebida.

Há três dias recebera um telefonema de um dos seus associados, Charles Lanza, de Nova York, pedindo a sua ajuda. Parece que as digitais de Lanza haviam aparecido na cena de um duplo assassinato, ocorrido uma semana antes e agora ele estava preso, acusado do crime, aguardando julgamento. Mas Charles se lembrara de que, na data em que ocorreram as mortes, ele estava em Gotham City, intermediando para Maroni o transporte de alguns equipamentos de construção civil que seriam enviados para a sucursal de Nova York, acompanhado de Nicolla, que lhe servira de guia e motorista, já que não conhecia a cidade muito bem. Lembrara-se também de que havia feito duas extensas listas dos equipamentos que seriam transportados, datado e assinado tudo. Pedira que Nicolla conferisse as listas e também assinasse, como testemunha, e as encaminhasse Dom Maroni.

Agora estas listas eram primordiais para que Lanza provasse a sua inocência. Assim, ele pedia a Dom Maroni que as entregasse à representante do seu advogado, que iria a Gotham especialmente pra buscá-las. Claro que ele sabia que o Dom era um homem de negócios e que seu tempo e sua atenção a aquele assunto valiam dinheiro. Muito dinheiro.

Naturalmente Maroni se sentiu a vontade para calcular o preço daqueles documentos, que só tinham interesse para Lanza, combinando receber em um dos seus escritórios a senhorita Jessica Jones, representante do seu advogado, que traria o valor combinado e levaria os documentos. O único problema era que as listas ainda estavam com Nick, e "Big Lou" só ia se encontrar com ele na reunião mensal que tinham, quando receberia dele os lucros e as notícias dos negócios que administrava em seu nome na baixa zona leste de Gotham e Maroni lhe passava quaisquer instruções que fossem necessárias.

Na mesma noite em que recebeu o telefonema de Lanza, Dom Maroni ligou para Nick, pedindo  que  ele  recebesse  a  garota  assim que ela chegasse e a acompanhasse a seu escritório na Torre Gotham, trazendo junto também os documentos. Pensando que estava tudo acertado, ele foi cuidar de outros assuntos, até chegar a hora de receber a senhorita Jones.

As coisas começaram a se complicar dois dias atrás, quando recebeu outro telefonema, também de Nova York. Só que desta vez não era Charles Lanza. Era alguém de quem só ouvira falar, mas cujo nome era temido e respeitado em toda a costa leste dos Estados Unidos.

— Boa noite Dom Maroni - disse uma voz grave, que parecia estar mastigando as palavras enquanto falava - Desculpe o incômodo de ligar a esta hora.

— Quem está falando? – perguntou – Como conseguiu este número?

— Meu nome é Wilson Fisk — disse a voz ao telefone - creio que já ouviu falar de mim. Tomei a liberdade de conseguir o seu número com um amigo em comum que temos aqui em Manhattan, pois precisava conversar com você com certa urgência.

 “Wilson Fisk, o Rei do Crime, o maior chefão de Nova York. Claro que já ouvi falar de você”— Pensou Maroni, um pouco preocupado.

— É um prazer falar com você, Sr. Fisk. Posso ajudá-lo em alguma coisa?

— Tenho certeza que sim. Ontem você recebeu o telefonema de um conhecido nosso, Charles Lanza, para falar sobre documentos que estão com você e dos quais ele está precisando.

“Como ele sabe sobre isso?” Pensou Dom Maroni.

— Sim, parece que eles vão confirmar o álibi de Lanza para inocentá-lo de um crime de que ele está sendo acusado. Já tenho uma reunião marcada com a representante do seu advogado amanhã, para lhe passar os documentos.

O telefone ficou mudo por alguns instantes, mas Maroni teve a impressão de ouvir uma respiração pesada, do outro lado da linha.

Quando tornou a falar, a voz de Fisk apresentava um tom um pouco mais duro.

— Dom Maroni, eu gostaria de pedir a você que não entregue estes documentos a ninguém.

A mudança do tom de voz e o pedido de Fisk deixaram Dom Maroni ainda mais preocupado.

— E Posso saber por que não, Sr. Fisk?

O mesmo tom de voz pétreo voltou a ser usado.

— Digamos, Dom Maroni, que tenho interesse que o Sr. Lanza não seja inocentado das acusações. Se as investigações continuarem, podem levar a pessoas que são muito importantes na minha organização. Isto traria enormes dificuldades a meus negócios em toda a costa leste. Eu perderia não só dinheiro, mas principalmente a confiança dos meus associados. E isso eu não posso admitir.

Wilson Fisk fez uma pausa, parecendo que estava bebendo alguma coisa, e continuou, com voz firme:

— Por isso, para garantir que ele seja declarado culpado, providenciamos todas as provas contra ele, desde as suas digitais no local do crime até as testemunhas e documentos de acusação. - Uma nova pausa - mas só ficamos sabendo dos documentos que estão com você esta manhã. E por isso, aqui estamos nós, conversando.  Posso garantir que se chegarmos a um acordo, seus interesses em Nova York seriam grandemente beneficiados.

“Ou grandemente prejudicados, se eu me recusar”, deduziu "Big Lou" Maroni.

Dom Maroni avaliou rapidamente as suas opções. Por um lado, poderia impedir que um homem, que mal conhecia e tinha uma importância bastante relativa na sua organização fosse condenado à prisão perpétua, provavelmente sem direito a condicional. Por outro lado, um dos homens mais importantes no crime organizado dos EUA iria ficar lhe devendo um favor, e possivelmente lhe abriria novas oportunidades de ganhar muito mais dinheiro e prestígio. É, a escolha era fácil.

— Sr. Fisk, considere os documentos destruídos.

Porém, após outra pausa, Wilson Fisk continuou:

— Existe ainda outra questão, Dom Maroni. Os documentos também são de conhecimento de um empregado seu, chamado Nicolla, se não me engano, que inclusive os assinou junto com o Sr. Lanza.

“Como ele sabe estas coisas?”, pensou Maroni.

— Sim, eu sei. É ele que está com os documentos e que iria intermediar a negociação com a representante do advogado de Lanza.

— Isto pode ser uma dor de cabeça. Este é o tipo de situação em que não podemos ter pontas soltas. E o Sr. Nicolla é uma ponta solta.

— E você tem alguma sugestão sobre este assunto, Sr. Fisk?

Maroni ouviu então um riso que parecia vir da garganta de um urso.

— Confio na sua imaginação. Boa noite, Dom Maroni.

E Wilson Fisk desligou. Não havia mais nada a dizer.

“Que pena, eu até gostava do Nick” pensou "Big Lou" Maroni ao desligar o telefone.

Apertou o botão do interfone que se comunicava com a sala ao lado, onde estava seu secretário e segurança particular:

— Alberto, quero que você providencie dois “trabalhadores” da sua equipe na baixa zona leste para realizar um serviço. Venha aqui para eu lhe passar as instruções sobre o que deve ser feito.

 *  *  *

“Como as coisas puderam chegar a este ponto?” tornou a pensar Dom Maroni, terminando seu uísque. “Há dois dias eu achava que as coisas estavam tranqüilas, que eu receberia uma boa grana e até faria uma boa ação, salvando um cara da prisão. Não consegui nada disso e ainda tive de abrir mão de um trabalhador importante na organização. Espero que tenha valido a pena”

Suspirando, "Big Lou" voltou para a sua cadeira e se virou para a janela, a fim de apreciar a vista noturna de Gotham City. E sentiu seu coração dar um salto quando viu a sombra negra do grande morcego, em pé no parapeito, olhando diretamente nos seus olhos.

— Era só o que me faltava! – murmurou Dom Maroni com desgosto.

E acionou o alarme.


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