Meu querido sonâmbulo escrita por Cellis


Capítulo 3
Meu querido Louboutin


Notas iniciais do capítulo

Chegueeei! Nos 45 do 2º tempo de 2018, cá estou eu. Obrigada por me esperarem pacientemente e por estarem acompanhando a história, queridos ♥

Boa leitura.



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Bem, essa história não está me saindo exatamente como eu planejava contá-la. Eu comecei contando sobre a minha promoção no trabalho, a casa nova e sobre como foi difícil alcançar esse sonho que, na verdade, passou a ser também meu somente por causa de uma frase dita pelo meu irmão há umas duas décadas. Depois disso, eu narraria minha nova vida ao lado do meu dongsae e no meu novo cargo; e, francamente, não há nada de excepcional nisso.  

Pois bem, há alguns dias, se alguém me pedisse autorização para fazer um filme sobre a minha vida, o seu gênero provavelmente seria... bem, como se chama? Seria um daqueles filmes mais “sobre a vida” e com alguma lição no final (útil ou não, aí a culpa já não seria minha), cujo nome do gênero eu nem sei. Na verdade, eu admito que seria até um filme meio tedioso, então eu não acredito que alguém estaria disposto a fazê-lo. 

Mas agora, aparentemente, minha vida virou uma comédia trágica. 

Um estranho invadiu a minha casa novinha em folha, dormiu do meu lado e de manhã quase me viu como eu vim ao mundo. Por causa disso, eu quase me atrasei no meu primeiro dia de trabalho e tive a brilhante ideia de pegar carona em uma viatura policial desgovernada com um oficial até bem bonitinho, mas que eu sequer conheço. Já dentro do prédio da empresa, eu acreditei que já estava segura — assim como o meu emprego — e pude respirar confortavelmente. A cena que veio a seguir vocês já conhecem, então eu me recuso a passar essa vergonha de contá-la novamente. 

Vamos pular para a parte onde as coisas pioram. 

— Você? — indagou Jimin, o invasor de casas alheias, perplexo.  

— Park Jimin? — eu o respondi com outra pergunta e, assim, nós iniciamos uma competição para ver quem estava mais chocado naquele momento. — O que você está fazendo aqui?  

— Como você sabe o meu nome? — ele me lançou outra pergunte.  

Que conversa extremamente esclarecedora e educativa. 

— Eu não sou obrigada a responder isso. — rebati nada educadamente. Oras, eu tenho meus direitos. — Você invadiu a minha casa, portanto você responde às perguntas.  

O homem engoliu em seco, aparentemente reconhecendo sua culpa e a péssima situação na qual se encontrava. Afrouxou a gravata azul marinho e respirou fundo, nitidamente nervoso. Ótimo, era ele mesmo quem deveria estar nervoso ali, não eu.  

Não eu, que estava sozinha com um maluco dentro de um cubículo de quatro metros quadrados que aparentemente nunca pararia de subir. 

— Olha, eu posso explicar o que aconteceu. Eu juro que não sou nenhum doido ou tarado. — ele iniciou, mais sério. — Mas nós podemos, por favor, conversar sobre isso mais tarde e em outro lugar? Eu posso lhe dar o meu número e... 

Interrompido pelas portas do elevador, Park Jimin calou-se no exato momento em que as mesmas se abriram. Endireitou a postura e pigarreou, o que eu devo admitir que lhe deu um ar mais de sou uma pessoa importante, não se atreva a me dirigir a palavra. Um rapaz, aparentemente um estagiário — nota: nessa empresa o cargo de alguém pode ser facilmente descoberto pela quantidade de papéis que essa pessoa carrega. No caso do pobre coitado, ele trazia pastas e mais pastas nos braços — estava prestes a adentrar no elevador quando, ao deparar-se com Jimin, se surpreendeu e rapidamente se curvou.  

— Bom dia. — o estagiário o cumprimentou com um ar de quem o respeitava com toda a sua alma. Quanto a mim, bem, ele entrou no elevador, apertou o botão do seu andar e ignorou completamente a minha presença. 

Agora sim eu estava ressentida. Tudo bem que eu não era lá essas coisas dentro da empresa, mas eu imaginava que pelo menos a palavra chefe acompanhando o meu nome no meu mais novo crachá fosse servir para alguma coisa. Eu me recordo de ter medo de ser demitida até por colocar um papel no lugar errado na minha época de estagiária, imagina se não cumprimentasse um chefe de setor no elevador ou pelos corredores. Naquela época os estagiários eram mais escravizados e, consequentemente, temiam mais os superiores. 

Pelos céus, quantos anos eu tenho? Sessenta? 

— Então me dê o seu cartão. — eu retomei a conversa em tom de ordem, fitando Jimin de escanteio.  

O estagiário me encarou com os olhos arregalados, como se eu estivesse jogando ovo podre temperado com coentro na cruz. Oras, quem diabos era Park Jimin naquela empresa? Ele nem sequer usava um crachá de identificação. 

Mantive minha postura firme. 

— Tudo bem. — ele concordou meio sem jeito e começou a vasculhar o bolso interno do seu terno.  

Dessa vez, o tal estagiário fitou o Park duas vezes mais descrente. Eu sinceramente comecei a ficar preocupada com o rapaz, porque ele parecia estar à beira de um colapso mental. Será que eu estava sendo rude mais? Mas olha, eu também mereço um pouco de respeito aqui e vou conquistá-lo nem que eu tenha que atirar Park Jimin no poço desse elevador.  

E, nesse momento, vontade é o que não me falta. 

Jimin estendeu-me o seu cartão de visita de cabeça para baixo e, como eu estava bancando a difícil naquele momento, não fiz questão de virá-lo para ler o que ele fazia na empresa; ainda que estivesse morta de curiosidade por dentro.  

— Eu ligo para você no horário de almoço. — eu disse. — Não fuja dessa vez, Park Jimin. 

Com toda a licença, eu devo admitir que sou um arraso de mulher. Ninguém me segura nos meus Louboutins similares a um original — porque falsificado é uma palavra muito forte — e, por falar neles, foram os mesmos que eu saí batendo contra o chão de porcelanato claro elevador afora. Sem olhar para trás, deixei Jimin no elevador acompanhado do estagiário sem nem saber para onde eles iam e, pela primeira vez, pisei no andar executivo onde eu passaria a trabalhar.  

Eu estava exatamente no meu horário e com o meu orgulho inflado, o que me dava confiança o suficiente para andar de cabeça erguida por aqueles corredores do andar mais importante e estimado da Maximum Group. O meu dia poderia até ter começado parecendo que tudo iria descer ladeira abaixo montado num carrinho de rolimã, mas eu agora tinha esperança de que as coisas estavam sob controle e de que eu poderia sobreviver pelo menos até o final do dia.  

De repente, lembrei-me de algo. O cartão que Jimin havia me dado ainda estava na minha mão e, curiosa como sou, tive que parar no meio do meu caminho para espiá-lo. Pensei em resistir mais um pouco e não o fazer, mas, sinceramente, ninguém mais estava me olhando então pouco me importava se eu estava dando meu braço a torcer ou o escambau a quatro. Virei o pequeno pedaço de papel preto e comecei a ler as letras prateadas. No topo estava a logo da empresa, algumas informações desnecessárias e mais embaixo o nome completo de Jimin. Seu número de telefone era o último dado, quase no rodapé do cartão, mas antes do mesmo havia uma informação aparentemente irrelevante que quase passou despercebida aos meus olhos. 

Mas não passou. 

Park Jimin 

Vice-diretor executivo 

Os pequenos dizeres prateados eram exatamente esses, sem tirar e nem por.  

— Vice-diretor? — sussurrei para minha mesma, sem controle sobre a minha mania de falar sozinha. — Mas o vice-diretor é o filho do Presidente Park, o dono da empresa... 

Presidente Park. 

Park Jimin. 

Céus, se eu tivesse demorado mais um par de minutos para nascer, com certeza teria vindo para esse mundo como uma pedra, uma porta ou um fado de capim. Park Jimin era ninguém mais e ninguém menos que o filho do dono da Maximum Group, consequentemente o herdeiro da empresa e meu chefe. Diretamente, diga-se de passagem, já que o primeiro subordinado ao vice-diretor executivo é o chefe executivo — e essa pessoa extremamente sortuda sou eu.  

Ou seja: o maluco que invadiu a minha casa é quem paga o meu salário. O homem que eu fui até a delegacia nessa manhã para denunciar é, na verdade, a pessoa mais autorizada nesse prédio a me dar ordens.  

E é também a pessoa que eu acabei de tratar com toda a má educação que eu possuo dentro do meu ser. 

Malditos Louboutins. 

 

*** 

 

— Então o vice-diretor Park invadiu a sua casa?! — Lee Naeun exclamou, chocada. 

— Você está querendo que ele lhe ouça quatro andares acima da gente? — eu rebati nervosa, cobrindo a boca pintada de vermelho da minha amiga.  

— Desculpa. — ela disse, sua voz saindo abafada pela minha mão. Naeun olhou ao nosso redor para verificar se o banheiro estava realmente vazio, o que por pura sorte estava. Quando eu finalmente descobri sua boca, ela continuou num sussurro. — Mas é que você precisa entender a gravidade do que está me contando, Soojin-ah. O que você fez depois que descobriu quem ele era? 

— Nada, oras. — respondi. — Na verdade, eu passei o dia inteiro olhando ao meu redor feito um suricato desesperado e, se o visse mesmo que a metros de distância, eu tratava de me esconder. O que mais eu poderia ter feito?  

Mesmo que nós estivéssemos sozinhas no banheiro feminino do décimo andar, para onde eu tinha me esgueirado como uma fugitiva fora da lei logo no começo do meu horário de almoço, eu ainda sussurrava. A confiança que os meus estimados Louboutins me passavam havia descido pelo ralo antes que eu pudesse chegar à minha nova sala naquela manhã. Só consegui me apresentar apropriadamente para os meus colegas de trabalho na reunião de funcionários porque, felizmente, tanto Jimin quanto seu pai estava ocupados demais com um grupo de clientes importantes para darem as caras. Na verdade, creio eu que os dois não deveriam estar dando a mínima para o fato de uma funcionária ter sido promovida.  

Ainda bem. 

Eu tinha o cartão de visita de Jimin em mãos, sabe-se lá o porquê. Apertei o pedaço de papel e me amaldiçoei mentalmente por ter prometido que ligaria para ele no meu horário de almoço, o que se tratava exatamente daquele momento no qual eu me escondia num banheiro. Claro que eu tinha todo o direito de receber pelo menos uma explicação sobre como e porque o Park havia entrado na minha casa, mas as circunstâncias naquele momento eram um pouquinho diferentes das dessa manhã. Antes, eu estava planejando colocar atrás das grades um maluco invasor de casas, mas agora o meu emprego dependia do meliante.  

Maldito capitalismo. 

— E o que você pretende fazer agora? — Naeun continuou me fazendo perguntas, porque aparentemente as pessoas tinham tirado o dia para enfiar questionamentos na minha goela abaixo.  

— Continuarei fazendo nada. — respondi feito a adulta madura que sou. — Vou me trancar na minha sala agora e só sairei no fim do dia, nem que eu precise analisar todos os documentos e balanços de todas as décadas de funcionamento dessa empresa. 

— Você já foi mais corajosa, Jeon Soojin. — ela brincou, recendo em resposta um olhar não muito agradável da minha parte. — Você sabe que uma hora ou outra terá que encontrá-lo, não é? 

Sem saída, eu preferi fazer uso do meu direito de ficar calada e não disse mais nada à Naeun. Nós nos despedimos e, enquanto ela alegremente decidiu ir almoçar no nosso restaurante preferido, eu voltei para o elevador me perguntando qual estabelecimento teria a taxa de entrega mais barata — porque, apesar de tudo, eu não estava planejando passar fome. Acabei me distraindo com esse pensamento e, dentro de poucos segundos, as portas do elevador estavam se abrindo no meu andar de destino.  

E foi quando a comédia trágica tornou a ser o gênero da minha vida. 

Jimin estava esperando pelo elevador e, estando agora exatamente de frente para ele, eu não tinha para onde correr. Digo, eu poderia ter tentado me esconder na planta artificial que decorava o elevador num canto do mesmo, mas não acho que essa seria uma boa ideia. Ele pareceu surpreso em me ver, mesmo que ambos já tivéssemos chegado à conclusão de que trabalhávamos na mesma empresa. Na verdade, olhando por esse lado, eu nunca tinha sequer visto o rosto do vice-presidente da empresa até o dia de hoje, sendo que já trabalho para a Maximum há alguns bons anos.  

Então eu não tinha o menor direito de julgá-lo, mais uma vez. 

— Eu estava esperando a sua ligação. — foi a primeira coisa que ele disse. — Você está ocupada agora?  

— Muito. — eu respondi no mesmo instante, até mesmo mais rápido do que o necessário. Precisei sair do elevador antes que o mesmo fechasse as portas na minha cara, o que me colocou ainda mais perto de Jimin. — Quero dizer, eu tenho bastante trabalho a fazer. 

Ele arqueou uma sobrancelha para si próprio.  

— As pessoas não deveriam lhe sobrecarregar no seu primeiro dia de trabalho. — comentou.  

Como ele sabia sobre isso? Droga, ele era o meu chefe. A essa altura do campeonato, Park Jimin já deveria saber tudo sobre mim, porque querendo ou não ele precisaria saber.  

Eu deveria ter pelo menos jogado o nome dele no Google. 

— Ainda assim eu lhe devo uma explicação. — ele disse, coçando a cabeça e consequentemente bagunçando o cabelo claro e bem penteado. Sério, eu ainda não consigo identificar aquela cor. — Vamos almoçar na minha sala, assim eu posso esclarecer o que aconteceu.  

Quase engasguei com a minha própria saliva. Perguntei-me como seria almoçar com Park Jimin quando eu não sabia sequer se deveria me dirigir a ele como meu chefe ou como um ladrão em potencial.  

— Na verdade, eu realmente tenho muito trabalho a fazer e... 

— Você não me disse para não fugir? — ele me interrompeu, novamente arqueando uma sobrancelha.  

Aquilo era simplesmente o cúmulo. Park Jimin poderia ser meu chefe, futuro dono de uma empresa milionária, um ladrão profissional ou um tarado de carteirinha... nada daquilo importava mais diante de sua possível tentativa de tentar ferir meu orgulho — ele provavelmente não tentou fazê-lo de fato, mas tudo na vida é uma questão de interpretação.  

Ele tinha me desafiado. E ainda ergueu uma maldita sobrancelha na minha direção. 

Eu o fitei e, novamente, senti a confiança que havia me faltado durante toda a manhã subindo pelos meus pés através do meu belo par de Louboutins pretos e bem lustrados. Engoli uma quantidade de ar completamente desnecessária para inflar meus pulmões e ergui a cabeça na direção do Park.  

— Eu estava pensando em pedir comida japonesa. — falei, jogando o resquício de juízo que me restava ralo abaixo. — Você paga.  

Correção: o jogando ralo abaixo com direito a ácido sulfúrico para dissolvê-lo e tudo. 

Ao contrário do que eu esperava, porém, Jimin sorriu. Na verdade, aquela era a primeira vez que eu o via sorrindo ao invés de estar assustado ou... bem, assustado. Se eu não estivesse com o meu ego extremamente ferido naquele momento, poderia até ter achado seu sorriso um tanto fofo. 

Ele abriu espaço para que eu passasse e, esticando o braço, indicou por qual caminho eu deveria seguir.  

— Comida japonesa será, então. 

Céus, seria possível que ele tivesse ainda menos juízo do que eu? 

Que os meus queridos Louboutins me ajudem, porque eu sinto que vou precisar.


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Notas finais do capítulo

E então, o que acharam? Deem um presente de final de ano para essa autora e me contem!

Até ♥