Meu querido sonâmbulo escrita por Cellis


Capítulo 24
Minha querida Do Aera


Notas iniciais do capítulo

Não vou enrolar aqui, o textinho está nas notas finais.



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O interior da casa não possuía muitos aspectos diferentes do seu exterior. As paredes também eram cinzentas, claramente já não recebendo uma pintura digna há um bom tempo, e o lugar exalava um ar triste e frio, assim como a grama úmida e por cortar do jardim. Os móveis eram, em sua grande maioria, feitos de uma madeira escura e acumulavam uma quantidade considerável de poeira pela casa, muito similares ao do piso também amadeirado que rangia cada vez que um passo era dado dentro dos cômodos. Na sala, além dos móveis típicos como sofá e mesinha de centro, havia um aparador que chamara a minha atenção no mesmo instante o qual fui deixada sozinha no ambiente. Apesar de baixo, o móvel também de madeira era comprido, mas praticamente não estava decorado. Além de um cinzeiro vazio e uma lembrança de Busan, havia apenas um porta–retratado: um jovem formando erguendo um diploma com ambas as mãos, porém sem nenhum resquício de um sorriso no rosto. 

Naquele momento, eu estava me perguntando se aquele seria Do Bo Gum. 

— Desculpe pela demora. — a mãe do falecido disse retornando para a sala com duas canecas em mãos. A passos vagarosos e arrastados, ela caminhou até a antiga poltrona na qual eu estava sentada e me entregou uma, em seguida se acomodando no sofá com a outra. Suspirou pesadamente, provavelmente sentindo o vapor quente que exalava da caneca aquecer seu rosto. — A minha chaleira anda me deixando na mão há um bom tempo. Eu tinha pedido para o Bo Gum dar uma olhada nela para mim, mas... — pausou, exibindo um sorriso fraco ao correr o indicador pela borda do objeto em suas mãos. — Ele nunca me ouvia. 

— Eu não conheço a senhora e também não conhecia o seu filho, mas eu sinto muito pela sua perda. — afirmei com a voz baixa, em seguida tomando o meu primeiro gole do chá. 

Chá de hortelã, um dos meus preferidos. 

— Não precisa me chamar de senhora. — a mais velha me fitou. — Apesar da minha idade, eu prefiro que me chamem de Do Ae Ra. Aera basta. 

Com um balançar de cabeça positivo, eu assentiu. Estava determinada a sair daquela casa em posse de algo que pudesse ajudar Jimin, contudo, também entendia a dor da mulher à minha frente, o que me fazia desejar ser cuidadosa e delicada com minhas palavras. Talvez devesse deixar minhas dúvidas mais terríveis e diretas para mais tarde, começando com algo um pouco mais sutil.  

Não que a situação permitisse muita sutileza também, claro. 

— A senhora... — iniciei, logo emendando uma pausa para me corrigir. — Aera, você poderia me contar um pouco mais sobre o seu filho? 

— Do Bo Gum. — a mais velha pronunciou o nome do filho num sussurro, como se estivesse tentando não se esquecer dele. — O pai dele foi embora antes mesmo que ele nascesse e, por isso, o Bo Gum não chegou a conhecê-lo... Mas isso não o impediu de crescer idêntico a ele. Eles tinham o mesmo gene e viam a vida pela mesma perspectiva: a do dinheiro. — pausou, bebericando um pouco do seu chá. Os olhos tristes e cansados não me fitavam mais, mas sim alguma poeira sem importância no piso. — Ele começou vendendo os lanches que eu preparava para ele para os colegas do primário, depois aplicando golpes de jogos de azar nos amigos do ensino médio e, por fim, investigado por corrupção no cartório no qual trabalhava. 

— O que aconteceu naquela época, exatamente? — aproveitei a deixa para perguntar.  

A mulher tomou um longo gole do seu chá antes de me responder. 

— Eu estava tão orgulhosa dele por ter conseguido o cargo de chefe em Busan, sabe? Não foi fácil convencer aquele menino a estudar. — de repente, assumiu um tom ainda mais sério. — Há alguns anos, ele me ligou um dia dizendo que finalmente pagaria pelos seus pecados. Na semana seguinte, ele estava aqui no portão me pedindo para voltar para casa. 

— Por acaso, ele veio fugido de algo ou... de alguém

— Sim. — ela respondeu, simples. — Naquela época, houve uma campanha nacional contra a corrupção nos cartórios e, em uma dessas inspeções, o meu filho foi pego. Ele me contou sobre todas as fraudes dele, tudo por dinheiro... No fim das contas, eu não conseguia entender como ele tinha acabado aqui em casa e não na cadeia. 

— Um amigo me contou que forçaram a aposentadoria dele para abafar o caso, certo? — perguntei para confirmar aquilo que Taehyung havia me contado. 

— Oficialmente, sim. — a mais velha respondeu, me surpreendendo. — Mas, na verdade, um homem o procurou naquela época. Aparentemente, ele era poderoso o suficiente para salvar o meu filho da prisão, mas não sem receber algo em troca: silêncio

Naquele momento, eu necessitei de um par de segundos para absorver aquela informação que ia muito além da versão da história que eu conhecia. 

— Então esse homem tinha usado os serviços do Bo Gum no passado e, quando se deparou com a possibilidade de que a polícia acabasse descobrindo sobre isso, ofereceu ajuda ao seu filho com a condição de que ele não abrisse a boca sobre o que tinha feito para ele? — conclui num misto de voz alta e sussurro, finalizando, ainda, num tom de interrogação. Aera me fitou e baçançou a cabeça positivamente, confirmando a minha teoria. — Por acaso... esse homem era Park Yeonan? 

— Exatamente. — Aera não hesitou em responder. — Eu não cheguei a conhecê-lo, mas o Bo Gum me contou tudo. Esse homem lhe pagou uma quantia alta para falsificar algum documento e, quando o escândalo de corrupção estourou, ele voltou a procurá-lo para garantir que o meu filho ficasse em silêncio. Antes ele não tivesse aceitado... 

— Por que? — eu indaguei, intrigada. 

Aera pareceu hesitante, mas não por medo; havia dor em seus olhos, como se relembrar tudo aquilo estivesse matando-a junto do seu filho. 

— Mesmo depois disso tudo, do Bo Gum ter aceitado a proposta do Park Yeonan e vindo se refugiar em casa, um homem veio procurá-lo. — respondeu, por fim. — Meu filho se recusou a me dizer o nome dele, mas eu ainda o vi e me lembro perfeitamente dele. Ele aparentava ter pouco mais de vinte anos naquela época, era alto, tinha os ombros largos e olhos escuros. Olhos que me davam muito medo, na verdade. 

Kim Seokjin 

Não poderia ser outra pessoa, de fato. Aquilo significava que o Kim já trabalhava para o tio de Jimin há mais tempo do que eu imaginava, o que automaticamente fazia com que eu me perguntasse que tipo de barbaridades ele vinha fazendo desde tão novo.  

E, de algum modo, eu sentia que estava muito perto de descobri-las. 

— E o que ele veio fazer aqui? — àquela altura do campeonato, eu já tinha terminado o meu chá, mas ainda segurava firme a caneca em minhas mãos até o sangue começar a circular com dificuldade pelas pontas dos meus dedos. 

De repente, a senhora se levantou e, com um pouco de dificuldade, se direcionou até o aparador que antes tinha capturado a minha atenção. Apanhou a lembrança de Busan ao lado da foto do filho, uma miniatura da ponte mais famosa da cidade — a mesma na qual eu e Jimin tínhamos ficado presos na última vez que estivemos na cidade — e logo caminhou para mais perto da mim. Aera pressionou um dos pilares da pequena ponte de Gwangan e a base do mesmo se soltou, revelando um pilar oco e me fazendo arfar em surpresa. A idosa sacudiu levemente aquilo que aparentava ser apenas uma lembrança e, de dentro do pilar aberto, uma caneta caiu diretamente na sua mão desocupada.  

— Ele veio por isso. — disse estendendo a caneta de cor metálica na minha direção. — Para ameaçar o meu filho. 

Diante da confusão estampada no meu rosto, Aera pressionou o botão do objeto — contudo, no lugar da ponta da mesma, aquilo fez com que uma voz masculina surgisse. 

— Não relaxe e pense que as coisas acabaram só porque estão calmas agora, Do Bo Gum. Você deve manter a sua promessa e ficar de boca calada quanto ao que fez para Park Yeonan, caso contrário, eu serei obrigado a vir visitá-lo novamente. E eu lhe garanto que, se isso vier a acontecer, o meu rosto será o último rosto que você verá nessa vida. 

Eu já tinha escutado aquela voz por vezes suficientes para reconhecê-la imediatamente em meio aos ruídos da gravação antiga, em especial por se tratar de uma ameaça. A voz de Seokjin não era tão grave quanto nos dias de hoje, contudo, somente de ouvi-la eu já sentia um calafrio percorrer toda a extensão da minha espinha. O Kim era um homem terrível, fosse atualmente ou há alguns anos, pessoalmente ou por meio de uma gravação de áudio. 

— Isso... — sussurrei, descrente diante do que tinha acabado de ouvir. — É muito sério.  

— E, infelizmente, não acaba aí. — Aera emendou e, calmamente, sentou-se no sofá ao meu lado. — Mesmo ameaçando o meu filho, esse homem nunca mais voltou a aparecer. Nós vivemos anos e mais anos relativamente tranquilos, até cerca de duas semanas atrás...  

— Ele voltou? — eu indaguei com certa pressa indelicada, ansiosa pelo desfecho daquela história ainda que não tivesse um pressentimento bom sobre a mesma. 

— Quando ele apareceu na minha porta novamente, eu gelei. Mesmo depois de tantos anos, ainda pude reconhecê-lo. Nunca esqueci os seus olhos. — pausou, aparentemente revivendo o momento em sua memória abalada. — Ele disse ao meu filho que alguém poderia aparecer procurando por ele nos próximos dias, fazendo perguntas sobre o passado. Fez outra ameaça, dizendo para o Bo Gum não responder a nada e, em nenhuma circunstância, contar a verdade para essa pessoa. 

JiminDe algum modo, Seokjin estava monitorando cada passo do Park e, àquela altura, já deveria saber em que pé estava a investigação do mesmo. Sabia que Jimin acabaria vindo atrás de Bo Gum e, por isso, apressou-se em vir primeiro e preparar o terreno. 

Para ele, aquilo não passava de um jogo de sobrevivência. 

— E como isso acabou... — iniciei, mas não consegui encontrar um jeito mais sutil de terminar a frase. 

— Na morte do meu filho? — Aera indagou retoricamente, pois sabia que era exatamente aquilo que eu tinha vindo para lhe perguntar. Respirou fundo, passando os olhos vagamente pela sala de estar e, em seguida, os pousando sobre mim novamente. — O Bo Gum sempre foi muito inteligente, mas igualmente cabeça dura e pavio curto. Os dois acabaram discutindo e, no calor do momento, o meu filho contou sobre essa gravação. Ele ameaçou aquele homem dizendo que, caso ele não nos deixasse em paz, entregaria tudo para a polícia, nem que tivesse que pagar pelos próprios crimes também.  

A partir daquele momento, eu já podia ter uma clara ideia do que tinha acontecido depois daquilo. Senti o meu estômago revirar e um suor frio começar a tomar minha testa, um misto de nojo daquele homem e pavor. 

— Ele foi embora. Simplesmente deu as costas para o Bo Gum e saiu. — a senhora continuou, agora com a voz embargada. O cansaço parecia estar dando lugar para mais sofrimento, o que marejava seus olhos. — No dia seguinte, quando eu cheguei em casa, encontrei tudo revirado. Subi as escadas correndo e, quando cheguei no quarto do meu filho, ele estava deitado imóvel sobre a cama. Morto... 

Narrar a estrada do próprio filho até a sua morte obviamente não era algo fácil, contudo, Aera tentava o seu máximo para segurar as lágrimas e terminar de me contar toda aquela história. 

— Mas... — iniciei, pensativa. — Pelo o que eu soube, o Bo Gum morreu de causas naturais. 

De repente, a idosa esboçou um rápido sorriso amargurado.  

— A coisa da qual o meu filho mais tinha medo nessa vida, era de morrer. — rebateu. — Ia sempre ao médico, fazia exercícios todos os dias, se alimentava bem... Ele era uma das pessoas mais saudáveis que eu já conheci, todos os seus exames eram ótimos. Como um homem desses poderia morrer de um mal súbito? — indagou erguendo um pouco o tom de voz, como se ainda não tivesse aceito o laudo do atestado de óbito. — Eu não sei o que aquele homem fez com o meu filho, mas certamente foi ele. Ele matou o meu filho, estava escrito nos olhos dele que ele o faria quando saiu aqui de casa no dia anterior. 

Esperei um momento para que ela pudesse digerir toda aquela raiva e, quando Aera respirou fundo e pareceu voltar a ser tomada pelo luto, eu resolvi lhe perguntar mais uma coisa. 

— Foi por isso que você disse aquelas coisas para o Jimin, não foi? — indaguei. — Você achou que ele tinha alguma coisa a ver com a morte do seu filho. 

— Todo mundo naquela família, diretamente ou não, tem o sangue do Bo Gum em mãos. E, sendo sincera, eu desconfio que não seja só o dele. — respondeu, firme. — Contudo, eu não deveria ter dito o que disse daquele jeito. Ele claramente não sabia de nada e eu posso imaginar o choque que deve ter sido. Só que me doía tanto que eu...  

Ainda doía, nitidamente, e o suficiente para que as lágrimas a impedissem de finalizar sua fala. Abaixou a cabeça e eu pacientemente lhe ofereci o silêncio do qual ela precisava para extravasar toda aquela emoção e tristeza, esperando até que sobrassem apenas soluços. Alcancei a sua mão, o que fez com que ela se virasse para mim com os seus olhos vermelhos e inchados.  

— Esse homem vai pagar por tudo o que ele fez, eu prometo. Os dois vão. — afirmei, tomando ambas as mãos dela e as envolvendo com as minhas. — O que você me contou hoje é de grande ajuda, inclusive essa gravação.  

— Você vai fazer a coisa certa com ela, não vai, minha filha? — a mais velha me perguntou, quase implorando por uma resposta positiva. 

Eu não precisava pensar nem meia vez para responder à sua súplica. 

— Sim, eu vou.  

No fim das contas, agora eu tinha entrado de vez naquela batalha. Bo Gum não era sequer meu conhecido e estava longe de ser um exemplo de pessoa, contudo, ele ainda era um ser humano e tinha tido a vida interrompida por dois homens com mentes macabras e gananciosas — além disso, tinha Jimin e todo o sofrimento que ele já tinha enfrentado e que ainda estava prestes a enfrentar. Por isso, fazer com que Park Yeonan e Kim Seokjin pagassem pelas barbaridades que tinham feito era, agora, meu principal objetivo. 

E eu tinha certeza de que conseguiria alcançá-lo. 

 

*** 

 

Era engraçado como, em algum ponto daquela sensível conversa que eu acabei por ter com Aera, me despedir da mais velha tinha se tornado uma tarefa um tanto complicada. No fim das contas, vendo-a solitária naquela casa vazia e empoeirada acabava provocando em mim uma espécie de pena de deixá-la sozinha — afinal, eu também conhecia o sentimento unitário de ser deixada para trás, de um jeito ou de outro.  

— A senhora tem certeza de que não precisa de nada? — eu perguntei novamente assim que chegamos ao portão. 

Depois de uma longa conversa, Aera me parecia um tanto exausta e, por isso, eu achei melhor deixá-la descansar um pouco. Estava prestes a ir embora, mas não sem antes me certificar de que ela ficaria ao menos confortável em casa. 

— Sim, eu tenho certeza, minha querida. Obrigada pela consideração, de verdade. — ela me respondeu com um sorriso cansado, porém igualmente doce. — Você é muito doce comigo, mesmo depois do que eu fiz para o seu esposo.  

Esposo. Ri ao ouvir a palavra, lembrando-me de como eu e Jimin costumávamos nos bicar fingindo que éramos um casal; agora, sinceramente, eu nem cheguei a sentir necessidade de corrigir a mais velha. Virei-me para ela, ambas já do lado de fora da casa, e estava prestes a lhe dizer que estava tudo bem, que eu entendia o motivo de suas palavras duras para Jimin mesmo que as mesmas tivessem o afetado daquele modo, quando percebi que Aera fitava fixamente algum ponto do outro lado da rua. Segui o seu olhar e, de repente, percebi que ela encarava um veículo preto sedã, algum modelo bem antigo que estava estacionado porcamente na calçada oposto à nossa. Franzi o cenho e a fitei novamente, ficando ainda mais confusa quando me deparei com um sorriso tristonho em seu rosto. 

— Meu filho vivia aos gritos com o nosso vizinho de frente por conta daquele carro. — explicou-me sem que eu precisasse lhe perguntar, parecendo nostálgica. — A rua é estreita e, como ele sempre estacionava tão distante da própria calçada, o Bo Gum não conseguia manobrar e guardar o carro dele na nossa garagem. — desviou o olhar para o chão. — A última coisa da qual me lembro de ver o meu filho fazer antes de morrer foi discutir com aquele homem... 

Aquele era um cenário triste de se imaginar, tanto para Aera quanto para o seu falecido filho. Bo Gum parecia não ter levado uma vida tão boa quanto as pessoas poderiam esperar ou especular e, além disso, tinha deixado para trás uma mãe que aparentava se culpar por isso. Ele tinha feito tudo o que fizera e, no final, acabara sua vida daquele modo. Aquela era, no mínimo, uma situação deplorável. 

Alcancei as mãos calejadas de Aera tentando confortá-la e ela exibiu um sorriso sem jeito diante do meu toque. De repente, eu fitei o veículo do outro lado da rua e me pus a imaginar Bo Gum gastando suas energias todos os dias para discutir com o seu vizinho, o qual coincidentemente saía de sua residência naquele exato momento. O homem aparentava ter em torno de quarenta anos e exibia uma expressão facial amargurada, mesmo que os cabelos negros e bagunçados cobrissem parcialmente seus olhos. Com sua pele alva e um conjunto de moletom surrado, ele abriu a porta do motorista do veículo e retirou algo do painel, como uma fita. Foi só então que, mesmo de longe, eu pude reparar que ele tinha instalada em seu espelho interno uma câmera de vigilância, algo que vinha se tornando muito comum na Coreia. O pequeno objeto preto filmava a rua e, naquele momento, ele parecia estar recolhendo o HD para provavelmente limpá-lo e poder reiniciar as filmagens.  

— Você disse que aquele carro estava sempre ali, certo? — eu indaguei para Aera sem fitá-la, pois meus olhos estavam presos ao homem e a um sopro de esperança que surgia em minha mente naquele momento.  

— Sim, todos os dias. — ela respondeu mesmo sem entender a minha pergunta. — Ele só costuma sair nos finais de semana e muito mal isso. 

De repente, eu me virei para a mulher e firmei meu aperto em suas mãos. 

— O que eu estou prestes a fazer também é pelo o seu filho, então, a senhora me ajude como puder. — disse, fazendo-a franzir o cenho.  

Não lhe dei tempo para perguntas e, assim que soltei suas mãos, atravessei a rua na direção do homem. Ele não pareceu me notar e, antes mesmo de alcançar a calçada, eu me pronunciei para pegá-lo de surpresa. 

— Com licença, senhor. — eu o chamei com a voz um pouco mais alta do que o necessário, atraindo a sua atenção. Eu conhecia aquele tipo de homem só de vê-lo e, por isso, sabia como teria que agir para conseguir o que queria. — O seu carro está estacionado irregularmente.  

Primeiro, ele me fitou confuso e, em seguida, soltou uma risada sarcástica. 

— E o que você tem a ver com isso? — indagou, endireitando-se na minha direção. 

— Todo cidadão tem a ver com isso. — respondi naturalmente. — O seu carro ocupa quase metade da rua e é impossível das outras pessoas estacionarem. Na era da tecnologia onde tudo pode facilmente ser registrado, o senhor deveria tomar mais cuidado.  

O homem, ainda pego de surpresa, precisou de um segundo para absorver a minha fala. 

— O que você quer dizer com isso? — perguntou, cético. — Está me espionando, por acaso?  

— Exatamente. — afirmei no mesmo instante, sem hesitar, o que lhe fez arregalar os olhos. — Há mais de uma semana eu estou hospedada na casa da minha tia, sua vizinha de frente, e venho registrando esse absurdo que já acontece há tanto tempo nessa rua. Tenho filmagens e fotos e, também, tenho a certeza de que qualquer delegacia adoraria lhe aplicar uma boa quantidade de multas caso visse isso. Eu ando um pouco desatualizada, mas, da última vez que chequei as leis de trânsitos, o limite de multas para a perda da habilitação e apreensão do carro não era tão alto assim... 

 — Você enlouqueceu?! — o homem aumentou o tom de voz e deu um passo na minha direção. — Acha mesmo que eu vou acreditar nessa baboseira? 

— É verdade. — ouvi a voz de Aera e, de repente, a vi atravessando a rua a passos lentos para nos alcançar. Ela não sabia porque eu estava fazendo aquilo, contudo, parecia disposta a me apoiar. — Eu pedi ajuda à minha sobrinha, já que conversar com você não adiantava mais, Seonjoo.  

O homem, o tal de Seonjoo, finalmente pareceu entender a gravidade da situação. Estava tão desesperado que sequer notou o meu aceno positivo de cabeça na direção de Aera, um agradecimento silencioso que ela também retribuiu de forma muda, apenas com o olhar. 

— O que você quer? — ele virou-se para mim num misto falho de desespero e firmeza. Seu tom de voz agora era mais baixo e ele falava entre os dentes. — Você não pode ter vindo fazer esse inferno todo na minha vida por nada. 

Na verdade, eu não estava nem um pouco feliz por estar fazendo aquilo. Agir daquele modo, quase como uma chantagista, não fazia parte da minha personalidade e, internamente, me deixava extremamente desconfortável e enjoada — contudo, estava escrito na testa de Seonjoo que pedir com jeitinho não teria adiantado de nada no seu caso. Um homem nitidamente amargo, solitário e que não tinha respeito sequer pela lei ou pelos seus próprios vizinhos, quem dirá por uma desconhecida que aleatoriamente lhe pedia o que eu estava prestes a pedir.  

Para uma pessoa que tinha sido criada e educada por si própria, aquela não era a primeira vez que eu precisava fazer aquilo. Fazia parte da vida e, mesmo que eu tentasse ao máximo evitar mostrar aquele meu lado mais nebuloso, vez ou outra ainda era necessário que o mesmo se fizesse presente.  

Acho que era aquilo que as pessoas chamavam de ser uma mulher do século XXI

— Essa fita que está nas suas mãos contém as filmagens da câmera do seu carro, certo? — indaguei, fitando o objeto e depois voltando o meu olhar para cima para sustentar o dele.  

— Por que você quer saber? — rebateu, me fazendo erguer uma sobrancelha. De repente, o homem pigarreou e, mesmo à contra gosto, me respondeu. — Sim. 

— Quanto tempo de filmagem tem aí?  

— Uma semana. — afirmou. — Mas por que diabos você quer saber disso, sua maluca? 

Era até mesmo mais tempo do que eu precisava.  

 — Porque eu vou precisar levar isso comigo.  

— Nem pensar! — exclamou em negação no mesmo instante. — Eu não sei o que você quer fazer com isso e no que pode me envolver, então não vou lhe dar nada. 

— Eu estou disposta a guardar muito bem guardada toda a mídia que eu tenho contra você e o seu carro se você me entregar essa fita. — retruquei, o que atraiu a sua atenção. — Isso se você tomar vergonha na cara e passar a estacioná-lo corretamente, claro. 

Seonjoo pensou em erguer a voz novamente, porém, quando se deparou com o meu sorriso nitidamente dissimulado, ele pareceu pensar duas vezes. 

Se já estava relutante em me entregar a fita naquelas condições, imagina se eu apenas gastasse a minha educação consigo para lhe pedir aquilo. 

— Que garantia eu tenho de que você não vai até à delegacia mesmo se eu te der a fita? — questionou-me. 

— Nenhuma. — dei de ombros. Felizmente, em casos como aquele, eu costumava formular respostas afiadas com rapidez, o que sempre me ajudava. — Contudo, se você não me entregar, terá a garantia de que eu irei com certeza na delegacia mais próxima. 

Dito isso, Seonjoo parecia cuspir fogo pelos olhos, contudo, se conteve ao ponto de não fazer ou dizer mais nada que lhe comprometesse. Em silêncio, ele estendeu a tal fita na minha direção, e eu a peguei com o mesmo sorriso anterior nos lábios. Também não disse mais nada, apenas lhe dei as costas e segui na direção de Aera, parando ao seu lado. 

— Obrigada pela ajuda. — sussurrei no seu ouvido. — Você terá notícias minhas em breve, eu prometo.  

A velha Aera apenas concordou com a cabeça e, a partir dali, eu pude deixá-la para trás confiante de que voltaria com a única coisa da qual ela precisava: justiça pela morte de seu filho. 

E por todos os outros crimes de Park Yeonan e Kim Seokjin. 


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Notas finais do capítulo

Sim, cá estou eu de volta (apenas um dia atrasada do que tinha prometido, ein) com um capítulo quentinho para vocês e no qual eu amei trabalhar! Agradeço de coração a todos que esperaram por mim, de verdade, e espero que o meu "comeback" esteja à altura da expectativa de vocês.
Esse tempo afastada me fez MUITO bem, vocês não imaginam o quanto aconteceu na minha vida nesse período kkkkk. Eu tenho mais duas outras histórias nesse site e, se você caro leitor acompanha alguma delas, eu venho informar que não estarei retornando com as mesmas agora. Pretendo terminar "Meu querido sonâmbulo" primeiro (aliás, já estamos na reta final, sabiam?) para depois poder me dedicar com calma às duas. Então, é isso.
Enfim, muito obrigada pelo apoio, de verdade. Nos vemos semana que vem, sem falta, provavelmente no final de semana.

Até ♥



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