Meu querido sonâmbulo escrita por Cellis


Capítulo 23
Minha querida decisão




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Sendo sincera, eu já tinha ido a funerais demais ao longo da minha vida e conhecia todo o cerimonial de cor e salteado, por mais que algumas coisas variassem de uma família para a outra. Desde muito cedo e sabe-se lá por qual motivo, quase todas as famílias que tinham adotado a mim e a Jungkook sempre tinham que marcar presença em, pelo menos, uma das duas cerimônias tipicamente familiares: casamentos ou velórios. Obviamente que tanto eu quanto meu o irmão preferíamos a primeira opção, mas quase nunca conseguíamos escapar da última. Era um tio distante que nós sequer tínhamos chegado a conhecer — ou que, de fato, era realmente nosso tio — que falecera de velhice, um primo irresponsável que batera o carro ou uma avó que, infelizmente, falecera sozinha em casa. De um jeito ou de outro, se tratava sempre de um lugar cheio de desconhecidos velando quem, para mim, também era um desconhecido. 

No fim das contas, velórios no geral acabaram se tornando algo banal diante dos meus olhos. 

Contudo, não parecia funcionar do mesmo modo para Jimin. Ele já parecia bem ansioso quando saímos rumo a Daegu e, conforme dirigia, eu o via apertar o volante uma vez ou outra enquanto respirava fundo, como se quisesse acalmar a si mesmo. Eu fazia o que podia para distraí-lo com conversas aleatórias e tentando cantarolar as músicas que tocavam na rádio, mas sentia que nada funcionava com cem por centro de eficácia. Ao mesmo tempo, eu não sabia ao certo o que estava se passando na cabeça do Park naquele momento, então também não queria forçá-lo a nada ou acabar sendo invasiva. Vê-lo aflito daquele jeito partia o meu coração em diversos e minúsculos pedaços, mas eu também não conseguiria suportar a ideia de piorar a sua situação. 

Quando finalmente chegamos ao principal memorial de Daegu, sequer foi preciso sair do carro para nos depararmos com um pequeno aglomerado de pessoas vestindo preto e que estavam reunidas do lado de fora de uma simplória capela, todos no mais absoluto silêncio. De dentro do carro, nós ainda não conseguíamos ouvir o choro e as lamúrias que provavelmente emanavam daquele lugar, mas, por experiência própria, eu já sabia o que nos esperava. Respirei fundo e fitei Jimin no banco do motorista, que olhava fixamente para o tímido e silencioso grupo de pessoas de luto. 

— Eu odeio velórios. — comentou, parecendo perdido em meio aos próprios pensamentos. De repente, deixou escapar uma risada fraca e levemente amarga. — Só fui em um em toda a minha vida e, de longe, foi a pior experiência que eu tive.  

Por fim, eu finalmente pude perceber sobre o que toda aquela atitude dele realmente se tratava: além de se sentir culpado pela morte de Bo Gum, velórios como aquele e mais tantos outros que aconteciam diariamente mundo afora faziam com que Jimin se lembrasse do enterro dos seus pais. Estava nítido como água que ele tinha a pior das lembranças no que se tratava de velar um ente querido e, de repente, eu me senti uma completa negligente por não ter percebido aquilo antes.  

Esticando-me para mais perto dele, eu tomei suas mãos e as envolvi carinhosamente com as minhas, o que fez com que ele transferisse o seu olhar do grupo de pessoas à nossa frente para mim.  

— Nós podemos ir embora, se você quiser. — disse, pois a única coisa que me importava era fazer aquilo que o faria se sentir melhor.  

Jimin pareceu pensar durante um par de segundos, mas acabou balançando a cabeça negativamente. 

— Eu preciso fazer isso. — afirmou.  

De um certo modo, eu o entendia e, sendo sincera, provavelmente faria o mesmo em seu lugar. Ele estava nitidamente numa busca desesperada por um pouco de paz de espírito e, por isso, sentia que precisava usar todas as cartas e outros utensílios que estivessem ao seu alcance. 

Nós saltamos do carro ao mesmo tempo e, quando eu dei a volta no veículo, não demorou muito para a mão dele vir de encontro à minha. Diferente da grande maioria das situações pelas quais já tínhamos passado juntos, aquele momento não era engraçado, romântico e estava muito longe de ser uma das nossas típicas guerrinhas de ego com as quais eu estava começando a me acostumar e gostar — Jimin apenas precisava que eu silenciosamente o apoiasse naquele momento e, por isso, era exatamente o que faria. 

Alcançamos o grupo de pessoas do lado de fora da capela e Jimin, mesmo hesitante, abordou uma jovem de longos e lisos cabelos tão negros quanto o vestido que ela usava. Ela não tinha o rosto inchado ou olhos muito vermelhos, mas parecia ter derramado algumas lágrimas em algum momento. 

— Com licença. — ele se aproximou e disse, atraindo a sua atenção. — É aqui que está sendo velado Do Bo Gum?  

De repente, provavelmente ansioso por conta da resposta e do péssimo clima que pairava sobre o loca, eu senti a mão de Jimin apertar ainda mais a minha.  

— Sim, é aqui. — a jovem respondeu, apática. — Quase que vocês pegam o cortejo saindo, mas ainda dá tempo de se despedir.  

Despedir. Não era como se nós estivéssemos ali porque realmente conhecíamos o falecido nem nada do tipo, mas também soava como uma falta de respeito naquele momento dizer que eu mesma só estava ali porque queria ajudar Jimin a se sentir melhor. Por isso, apenas fiquei em silêncio e observei o Park agradecer à mulher pela informação. Em seguida, ele me fitou de relance e não demorou a começar a caminhar na direção do interior da capela. 

O lugar era simples por dentro exatamente como era por fora. Pouco maior do que um quarto normal, tinha paredes pintadas de azul da metade para baixo e, para cima, decoradas com pinturas de diversos arcanjos, anjos no geral e também santos; mesmo que a pintura já estivesse bem gasta, ainda era bonita e significativa. Havia alguns bancos de madeira e, no meio, um tapete vinho abria um corredor até um altar também de madeira, onde estava posicionado um caixão preto aberto. Atrás do objeto havia uma pequena mesinha com utensílios dourados em cima e, na parede ao fundo, estava pendurada uma grande cruz da mesma cor, algo que podia ser vestido ainda do lado de fora do lugar. Havia cerca de uma dúzia de pessoas na capela, em sua grande maioria sentadas nos bancos mais a frente e próximos do caixão.   

De pé mesmo, havia uma única pessoa.  

Uma senhora com altura o suficiente apenas para ficar com o rosto bem próximo do caixão suspenso vestia uma roupa completamente negra, tinha os cabelos grisalhos amarrados em um coque mediano e chorava baixinho ao lado do caixão. As pessoas a olhavam com pena transbordando pelos olhos, o que indicava que ela já estava ali há algum tempo e, por isso, me levava a crer que era alguma parente de Bo Gum. Uma avó, tinha ou mãe, talvez... 

Depois de observar o lugar durante alguns segundos, provavelmente reunindo a coragem que precisava para seguir em frete, Jimin finalmente começou a caminhar. Sua mão não tinha soltado a minha e, por isso, eu seguia a poucos passos atrás dele. Quando finalmente percorremos todo o corredor e alcançamos o caixão, ele parou. Deparou-se com Bo Gum que, deitado daquele modo, parecia apenas estar dormindo tranquilamente. Ele não aparentava palidez e nem mesmo rigidez pelo corpo e, se não fosse por suas grandes bochechas e peito imóveis, qualquer um desconfiaria que ele estava vivo. 

Pelo menos a imagem era muito menos dramática do que todas as outras possíveis para aquele momento. 

De repente, a senhora ao lado do caixão pareceu notar a nossa presença e, enquanto Jimin encarava o corpo de Bo Gum fixamente, ela deu alguns passos curtos e arrastados para se aproximar da gente. 

— Vocês conheciam o meu filho? — indagou com a voz triste e cansada, parecendo que tinha perdido um pedaço de si mesma em algum lugar o qual ela jamais encontraria. 

De fato, não era a ordem natural das coisas que uma mãe, ainda mais de idade avançada como ela aparentava ser, tivesse que enterrar o seu filho. Eu não me surpreenderia se ela perdesse todo o seu ser junto daquele caixão. 

Jimin pigarreou, provavelmente formulando a melhor resposta dada a ocasião. 

— De uma certa forma, sim. — ele respondeu. — Eu sinto muito pela sua perda, de verdade. 

A idosa respirou fundo como se já tivesse aceitado que não havia remédio para aquela ferida recém-aberta em seu peito, mas, mesmo assim, ainda não tinha conseguido vencer a dor da mesma. 

— Eu também sinto, meu filho. — disse baixo e arrastado, fitando o corpo do filho por cima do ombro. Em seguida, voltou-se para Jimin e deu mais um passo para frente. — Eu conheço o rosto de todos os poucos amigos do meu filho, mas não me recordo do seu. Qual é o seu nome? 

Poucos amigos. Pelo visto, Bo Gum realmente era uma pessoa mais reservada; isolada, mais precisamente. 

— Park Jimin. — ele respondeu, com calma. — Nós não éramos exatamente amigos, então deve ser por isso... 

— Park Jimin? — a mulher repetiu com a voz falha e assustada e, só então, eu notei sua expressão facial se transformar. Suas feições endureceram, ainda que em seus olhos fatigados houvesse uma pontada de medo. — Sobrinho de Park Yeonan?  

Foi a vez de Jimin de se assustar. A mais velha parecia conhecê-lo, ainda que ele aparentasse surpresa por justamente nunca ter a visto em toda a sua vida. 

— Sim, sou eu. — ele respondeu, mesmo hesitando. — Como a senhora sabe? Conhece o meu tio? 

Era como se, ao ouvir aquela confirmação, a mulher se transformasse em uma pessoa completamente diferente, endireitando até mesmo a postura já curvada pelos longos anos vividos. Fitou Jimin e, no lugar de seus olhos, eu pude ver duas pedras frias e duras. 

— Saía daqui. — ordenou entre os dentes. — Agora

— Como assim? — Jimin perguntou confuso e, de repente, sua mão se soltou da minha. — Por que a senhora... 

— Saía daqui agora, seu assassino! — a mulher exclamou alto e descontrolada, atraindo a atenção de todos os presentes. — Como você teve a coragem de aparecer aqui?! Veio tripudiar em cima do corpo do meu filho?! 

Jimin parecia tão confuso quanto em choque, mas, mesmo assim, tentou argumentar. Tudo estava acontecendo tão rápido e repentinamente que eu sequer soube o que fazer ou falar, apenas quis entender porque aquela mulher dizia coisas tão horríveis para Jimin e, ao mesmo tempo, quis repreendê-la da pior forma possível por fazê-lo. 

— Eu não entendo... — Jimin sussurrou perdido, tanto para si mesmo quanto para a idosa. 

— Você matou o meu filho. — ela parecia cuspir as palavras e, no meio de tudo isso, ainda deu mais alguns passos rancorosos na direção de Jimin. — Anos atrás foi o seu tio quem destruiu a vida dele e, agora, foi por sua causa que eu o perdi. — tanto em sua voz quanto em seu rosto havia uma tempestade de sentimentos, misturando principalmente raiva e dor. Pelos seus olhos escorriam lágrimas descontroladas, o que tornava a cena ainda mais assustadora. — Como vocês podem ser tão gananciosos? Arrancaram ele de mim! Vamos, saía daqui! Saía agora! 

A mulher gritava ofensas e ordens e, de repente, as pessoas que antes velavam o corpo do falecido em silêncio nos bancos e até mesmo do lado de fora da capela, agora avançavam na nossa direção nitidamente determinadas a nos expulsarem dali. Parecia uma verdadeira cena de filme de terror e, por isso, Jimin havia petrificado em seu lugar. Se eu não fizesse alguma coisa e rápido, algo horrível estava prestes acontecer físico e mentalmente a ele. 

E eu jamais permitiria que isso acontecesse. 

— Já chega! — exclamei a plenos pulmões e, com poucos movimentos, me coloquei na frente de um Park aterrorizado. As pessoas pararam de avançar, assim como a mãe de Bo Gum de gritrar. — Eu não sei quem a senhora é e entendo que esteja de luto, mas nada disso lhe dá o direito de acusar alguém de algo que ele não cometeu. A dor que está sentindo agora é insuportável, mas as suas palavras também são. 

Dito isso, aquelas pessoas recuaram, o que me permitiu agarrar Jimin pela mão e tirá-lo de dentro daquele lugar o mais depressa possível. Eu estava agindo sob o efeito da adrenalina e só fui me dar conta do que estava realmente fazendo quando nós já estávamos no carro, eu no banco do motorista e Jimin no do carona. O Park tinha os olhos assustadoramente arregalados, assim como um olhar perdido e, de repente, parecia estar tendo muita dificuldade em respirar. 

— Jimin? — eu o chamei quando notei seu rosto começar a avermelhar. Ele parecia estar se afogando a seco e, como eu nunca tinha o visto daquele jeito antes, sentir o pavor começar a me tomar. — Jimin? Por favor, fala comigo! 

Mas ele não conseguia. Se agarrava desesperado a qualquer coisa que encontrasse pela frente e emitia sons incompreensíveis, como se realmente não houvesse ar para ele respirar dentro do carro.  

De repente, sem pensar duas vezes — ou uma única sequer — eu liguei o carro e pisei fundo no acelerador. Só tinha um pensamento em mente e, por conta dele, eu seria capaz de fazer qualquer coisa. 

Qualquer coisa para que nada de ruim acontecesse a Jimin. 

 

*** 

 

Observando Park Jimin dormir tranquilo daquele jeito, com os cabelos loiros espalhados despreocupadamente sobre o travesseiro desconfortável do hospital, ninguém jamais poderia ditar o quanto aquele homem tinha sofrido há tão pouco tempo. Finalmente, ele se parecia mais com o Jimin sonâmbulo que eu um dia havia encontrado dormindo sem maiores dores de cabeça ao meu lado e menos com o Park perdido, instável e aterrorizado que eu tinha acabado de conhecer.  

Eu estava aliviada em poder vê-lo daquele modo novamente, mesmo que soubesse que toda aquela calmaria estava com as suas horas contadas. 

Sentada em uma poltrona bege e confortável, eu já estava assistindo Jimin dormindo há quase um par de horas e, mesmo que ele repousasse tão imóvel quanto uma pintura, eu ainda sentia uma pontinha de medo de que algo pudesse acontecer a ele caso eu me descuidasse e voltasse a minha atenção para qualquer outra coisa. Por isso, eu mantinha os meus olhos fixos em cada detalhe de um Park tecnicamente inconsciente, ainda que soubesse que ele não iria a lugar algum nas próximas horas. 

Quando chegamos ao hospital, ele passava tão mal e eu estava tão desesperada em vê-lo daquele modo pela primeira vez que, sendo sincera, agora nesse momento de pós-adrenalina eu sequer me lembro de como viemos parar nesse quarto hospitalar decorado majoritariamente por objetos e paredes brancas. Tenho lembranças, na verdade alguns borrões, de Jimin sendo atendido na emergência e sedado logo em seguida. Depois de alguns exames, um médico de meia idade me informou de que ele sofrera um ataque de pânico, mas que depois de dormir e descansar por algumas horas tudo voltaria ao normal. O doutor havia me dado certeza de que Jimin ficaria bem, contudo, também tinha me alertado de que ele não deveria passar por fortes emoções ou decepções nos próximos dias — o que era tudo o que vinha lhe acontecendo ultimamente

Instintivamente, aquilo havia me deixado preocupada. Eu não sabia como Jimin acordaria e, depois, passaria um dobrado tentando mantê-lo longe de notícias ruins. Mas tudo bem, eu estava disposta a fazer tudo o que estava dentro e até mesmo fora do meu alcance para que ele tivesse uma boa recuperação e, assim, jamais voltasse a sofrer como eu havia presenciado há poucas horas. 

E era justamente naquilo que eu estava pensando quando senti meu telefone vibrar no bolso traseiro da minha calça jeans. Quando pesquei o aparelho do mesmo e vi o nome na tela, resolvi sair do quarto — mesmo que contra a minha vontade, pois era melhor me afastar por um minuto do que acabar acordando Jimin — e, já no corredor, finalmente o atendi.  

— Noona. — a voz de Taehyung passava a sensação de que gostaria de estar animada, contudo, as prováveis notícias que estavam por vir não permitiam nada além de um tom mais sério. 

Após uma breve conversa amigável, Taehyung voltou a assumir um tom mais preocupado. 

— Eu entreguei para a perícia o documento do Jimin junto a uma notificação de urgência e, por isso, o resultado saiu hoje de manhã. — pausou, respirando fundo. — Os peritos constataram que a data da tinta de impressão no papel não bate com a data de registro em cartório. A tinta, na verdade, é de nove anos depois da data de assinatura. 

Por um breve momento, eu precisei apenas processar aquela informação em silêncio, como se o meu cérebro já tivesse atingido a sua cota diária de computação de notícias. 

— Como assim? — sussurrei, mesmo que já estivesse fora do quarto. 

— O documento realmente foi reconhecido pelo Bo Gum, é a assinatura dele que está no papel, mas as datas não batem. — respondeu. — A data é de nove anos antes dele realmente assinar o papel ou do documento ter sido até mesmo redigido. É um documento falso, noona, e como isso agora está provado, não tem validade nenhuma. 

Então era isso. No fim das contas, o documento que Jimin tinha em mãos era falso e muito provavelmente impossível de ter sido escrito pelo seu pai. As contas eram simples: a data no papel era de quando o Park tinha apenas dois anos, contudo, o mesmo tinha sido escrito nove anos depois — quando ele tinha onze e, coincidentemente, no mesmo ano da morte dos seus pais. Se o pai de Jimin realmente tivesse escrito o tal documento, ele não teria se dado a todo um trabalho de recorrer a alguém que aceitasse falsificar a data do mesmo; na verdade, ele sequer teria motivos para isso. 

Aquela informação só levava a um único e aterrorizante caminho: Park Yeonan tinha, de fato, falsificado aquele documento. 

E feito sabe-se lá mais o que. 

— Eu enviei uma cópia do relatório da perícia direto para a sua casa, noona, mas mesmo assim eu quis ligar para dar a notícia. — Taehyung disse, por fim. — Eu não sei como o Jimin vai reagir, então preferi avisar a você com antecedência. 

Na mais pura verdade, Jimin não poderia reagir àquilo. Automaticamente, eu me lembrei dele hoje mais cedo e de como ele estava agora, sedado em uma cama de hospital por conta de um ataque de pânico. Se o objetivo era mantê-lo longe de notícias ruins, eu jamais poderia deixar aquilo chegar aos ouvidos dele — pelo menos não por enquanto.  

De repente, algo se passou em minha mente e foi impossível de ignorar. Num impulso, eu senti a necessidade de ir mais afundo naquela história, averiguar melhor antes de realmente contar tudo para Jimin. Para isso, primeiro eu precisava fazer algo há quilômetros de distância de desagradável, mas que era a única saída que me restava naquele momento.  

Respirei fundo. Precisava fazer aquilo. Agradeci a Taehyung e me despedi dele, voltando para o quarto apenas para buscar a minha bolsa e dar uma última olhada em Jimin. Ele estava tão calmo, dormindo com uma tranquilidade que deveria ser constante em sua vida. 

Eu precisava ajudá-lo, como quer que fosse. 

Antes de deixar o hospital, pedi à enfermeira responsável por aquele andar que me avisasse caso ele acordasse e, gentilmente, ela anotou o número do meu celular. O médico tinha me garantido que ele provavelmente dormiria por mais um par de horas, mas não me custava nada prevenir. Em seguida, marchei para fora do hospital de forma decidida — talvez mais na tentativa de me acalmar para fazer o que estava prestes a fazer do que como uma expressão de coragem.  

Como eu havia tomada a liberdade de pegar o carro de Jimin emprestado, não demorou muito para que eu chegasse ao meu destino. Agora, diante do sobrado cinza desbotado, eu entendia mais ou menos a ansiedade que Jimin nitidamente sentia diante da capela onde velavam Bo Gum — a diferença era que, nesse exato momento, eu estava diante da casa do falecido. Taehyung havia me passado o endereço do homem por mensagem quando descobrira sobre a sua morte e, naquela época, eu cheguei a me perguntar para que eu precisaria daquilo. 

Bem, agora só me restava agradecê-lo. 

Respirei fundo e apertei o volante, exatamente como Jimin tinha feito mais cedo — e foi pensando nele que eu criei coragem para saltar do veículo e atravessar a rua, logo em seguida apertando a campainha do sobrado. Eu estava nervosa e sentia minhas mãos suarem, mas a adrenalina que corria pelas minhas veias não me permitia sentir aquilo afundo. Era provável que eu sentisse uma avalanche de emoções quando tudo aquilo passasse, mas desde que eu conseguisse sobreviver aos próximos momentos, conseguiria aguentar o que quer que viesse depois. 

Depois de um par de minutos, uma senhora de cabelos grisalhos surgiu pela porta da frente. Seus olhos estavam fundos e cansados, piores do que aparentavam no velório do filho. Ao contrário do que eu esperava, quando me viu, a mulher manteve sua expressão inalterada e desceu com passos arrastados a pequena escada que ligava a varada ao quintal gramado. Em seguida, caminhou até o portão com os olhos sempre precisando monitorar cada ponto onde ela pisava.  

Quando alcançou a baixo portão de ferro, pôs os olhos doloridos em mim. No lugar do ódio que pairava em suas orbes mais cedo, agora eu pude encontrar ali um cansaço imensurável.  

De repente, eu não soube o que falar. Encarei a mais velha atônita, vacilando por um momento e me perguntando se deveria mesmo fazer aquilo.  

— Você veio por causa das coisas que eu disse mais cedo, não é? — ela perguntou com a voz arrastada pelo nítido cansaço, como se pudesse adivinhar o que se passava na minha cabeça. — Eu pensei que ele fosse voltar também. 

— Ele foi parar no hospital por causa das coisas horríveis que a senhora disse. — eu acabei rebatendo num impulso e, por mais que aquela fosse a mais pura verdade, me arrependi logo em seguida.  

De um jeito ou de outro, eu precisava da colaboração daquela mulher e sabia que não seria assim que eu iria conseguir. A mesma, por outro lado, apenas respirou fundo e balançou a cabeça. 

— Você já teve a pessoa mais importante de toda a sua vida arrancada de você? — perguntou, parecendo divagar em seus próprios pensamentos. Quando eu não respondi, ela resolveu continuar. — Eu sei que isso não me dá o direito de dizer o que disse e da forma que eu disse, mas eu... Céus, eu estou tão cansada. Eu sabia que isso iria acontecer um dia e acreditei que estava preparada, mas nenhuma mãe se prepara para vivenciar a perda de um filho assim.  

— A senhora sabia? — indaguei confusa. — Sabia que o Bo Gum morreria? 

Mais uma vez, a mais velha respirou fundo, parecendo ter atingido o ponto máximo da exaustão. Fitou-me com seus olhos fundos e segurou o portão com as mãos trêmulas, fazendo menção de abri-lo para mim. 

— Por que você não entra, querida? — perguntou e, ao contrário do que eu esperava, soou um tanto doce. — Parece que nós temos muito o que conversar. 


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Notas finais do capítulo

E então, o que acharam? Peguei muito pesado? Kkkkk
Obrigada por esperarem tão pacientemente pelo capítulo! Nos vemos em breve ♥