Meu querido sonâmbulo escrita por Cellis


Capítulo 22
Meu querido sorriso




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 — Ai, devagar! Está doendo! — eu admito que resmunguei mais alto do que o necessário. — Você está querendo me deixar manca, Park Jimin? 

Tudo bem, talvez eu estivesse sendo um pouco dramática, mas realmente estava sentindo como se a minha perna estivesse esperando o meu primeiro deslize de atenção para se desprender do meu corpo e sair correndo por contra própria para o infinito e além. A área machucada latejava sob o gesso e, àquela altura do campeonato, me restavam apenas duas opções:  

(A) Sentar e chorar. 

(B) Tomar um analgésico, sentar e chorar. 

Ou seja, não me restava muita coisa. 

Enquanto tentava posicionar a minha perna com o máximo de delicadeza possível sobre um par de almofadas no sofá, Jimin bufou alto e rolou os olhos — ele estava visivelmente bravo por conta de todas as minhas reclamações, mas, mesmo assim, não deixava de fazer o que quer que fosse necessário para que eu me sentisse mais confortável.  

Não era por nada que o meu coração ainda não tinha reaprendido a bater direito. 

— Eu disse para você... 

— Não abaixar e forçar a perna. — eu o interrompi, já sabendo como completar a frase que ele tinha repetido umas oitenta e quatro vezes. — Eu sei, você disse. Já entendi.  

— Então por que o fez? — rebateu e, quando se certificou de que minha perna já estava devidamente posicionada, esticou-se para apanhar a caixa com analgésicos sobre a mesinha de centro e um copo de água. 

Sendo sincera, eu nem tinha visto ele trazer tudo aquilo da cozinha. 

Esperei que ele se aproximasse com um comprimido em mãos e o copo e, com a minha mais falsa expressão de inocente, perguntei: 

— Você não gostou?  

Sentindo a segunda, terceira e possivelmente quarta intenção na minha fala, Jimin arregalou os olhos por um breve momento. Logo em seguida, o Park enfiou o tal comprimido na minha boca sem nenhuma cerimônia acompanhado de um longo gole de água que, caso seja do interesse de algum de vocês saber disso, quase me afogou.  

— Quem é você e o que fez com a Jeon Soojin que eu conheci querendo me bater? — indagou e se levantou, levando o copo agora vazio de volta para a cozinha.  

E é nessa hora que eu preciso voltar um pouco nessa história para vocês entenderem; mais precisamente para uma hora e cinquenta e quatro minutos atrás, quando o meu corpo aparentemente foi possuído por um espírito desgovernado que acelerou o meu coração e desviou toda a minha atenção para os lábios macios e convidativos de Jimin. Sem a menor cerimônia, eu o beijei e obviamente o peguei com as calças arreadas — não literalmente, por favor — de tão desprevenido. De primeira, eu pude sentir que Jimin congelou diante da minha ação, mas conforme eu levava as minhas mãos para a parte de trás de sua cabeça e começava e embolar meus dedos nos seus fios loiros, ele parecia acordar. Levou uma mão para a minha cintura, puxando-me para mais perto de si, e a outra segurava gentilmente a minha nuca para que, assim, ele pudesse conduzir melhor o beijo.  

E eu, sinceramente, não tinha nada contra aquilo. 

Nunca tinha me sentido daquele jeito antes, nem mesmo quando Jimin tinha me beijado pela primeira vez na frente da minha casa. Era como se eu estivesse dando o meu primeiro beijo na vida, mas, no lugar da saliva extra e do choque de dentes que a inexperiência que todo o primeiro beijo carrega, eu sentia uma sintonia inexplicável entre nós dois e todo um cuidado diferente do que o Park já vinha demonstrando para comigo. Era como se ele tivesse esperado muito por aquele momento, o suficiente para querer torná-lo perfeito para nós dois. Era nítido que, para ambos, aquilo ia muito além de um beijo. 

Era como uma confissão silenciosa e terna. 

Mas era óbvio que quem visse de fora não entenderia nada daquilo, inclusive a senhora de idade avançada e cabelos brancos que passou por nós dois pigarreando como se quisesse cuspir para fora a própria garganta. Eu e Jimin acabamos nos separando de um modo meio brusco e assustado, mas ainda a tempo de nos depararmos com o olhar de reprovação da mulher enquanto passava pela gente.  

Tudo bem, eu entendo que nós vivemos num país ainda bastante conservador, em especial ao que desrespeito às gerações mais antigas, mas... atrapalhar o meu beijo? 

— Ah, essa velha vai se ver comigo e... — eu iniciei tentando me locomover, mas já no segundo passo eu acabei depositando todo o meu peso na perna engessada e, como consequência da dor, perdi o equilíbrio.  

Mais uma vez, se Jimin não tivesse me segurado, eu definitivamente teria dado com a cara direto no chão — talvez aquilo fosse algum tipo de compensação histórica por ele ter me deixado cair da escada. Ao contrário do que eu esperava, quando Jimin me reergueu e nossos olhares se encontraram, eu pude vê-lo segurar uma risada que misturava uma pitada de orgulho, outra de felicidade e mais uma pequena que realmente queria rir da minha expressão revoltada com uma idosa. 

— Você não está em condições nem de disputar uma corrida com uma tartaruga, não acha? — perguntou, rindo. — Vamos para casa. 

E foi isso. Um dos momentos mais breves e igualmente mais cheios de significado da minha vida terminou com um silêncio odioso durante todo o caminho de volta para casa. Com o passar da adrenalina, era visível que eu e Jimin não conseguíamos sequer olhar um para o outro — eu tinha muita coisa na cabeça naquele momento, mas uma das mais presentes era o constrangimento. A primeira frase a quebrar aquele silêncio fora a minha reclamação de dor, mas essa parte da história em diante vocês já conhecem.  

De repente, Jimin retornou sabe-se lá de onde trazendo consigo um caderno de capa preta e sem arame em mãos. O objeto misterioso e elegante vinha acompanhado de um par de lápis de desenho daqueles 6B ou algo do tipo. 

Franzi o cenho sem entender absolutamente nada, como de costume. 

— O que é isso? — perguntei, curiosa.  

Jimin tinha um sorriso bobo no rosto e, sinceramente, se naquele momento ele me dissesse que aquele caderno era um death note eu acreditaria sem problemas, contanto que mantivesse aquele sorriso intacto. 

— Você ainda tem muito o que aprender sobre mim, Jeon Soojin. — afirmou, sentando-se na poltrona de frente para o sofá onde eu estava. Sem pressa, ele abriu o caderno e o folheou à procura de uma página em branco e, quando a encontrou, apanhou um dos lápis. — Não se mexa. 

Dito isso, o Park começou a rabiscar traços leves e despreocupados na folha, vez ou outra olhando diretamente na minha direção. 

— Você, por acaso, está me desenhando? — eu indaguei um tanto hesitante. 

Eu jamais imaginaria aquela cena. 

— Sabe, eu nunca quis estar à frente de uma empresa. Sendo minha ou não, herança de família ou não... — pausou, alinhando o lápis na minha direção. Em seguida, voltou a rabiscar no papel. — Eu sei que aquela empresa foi a vida do meu pai e que é meu dever cuidar dela em respeito à memória dele, mas eu nunca tive muito tato para os negócios e tudo mais.  

Por fim, eu estava entendendo onde Jimin queria chegar. Senti-me feliz pelo fato de que ele queria compartilhar um pouco mais sobre si comigo e, claro, também extremamente disposta a ouvi-lo.  

— E qual é o seu sonho, então? — perguntei, sincera. 

Jimin tirou um par de segundos para me fitar e, em seguida, sorriu um tanto ingênuo. 

— Desenhar. — respondeu. — Eu sempre gostei de desenhar, desde pequeno. É uma pena que não dê para viver disso. 

— Você ainda é pequeno, Jimin. — brinquei, recebendo um olhar mortal em troca que me fez gargalhar alto. — Mas por que o desenho? 

— Porque um desenho é como uma fotografia, mas com uma carga maior de sensibilidade. — afirmou, pensativo. — Pensa comigo: uma foto é uma foto, independente do ângulo ou da edição. Mas um desenho... depende de quem o faz. O jeito como eu enxergo o mundo não é igual ao seu, então mesmo que nós desenhemos o mesmo objeto, o resultado final nunca será igual. 

Depois disso, eu apenas pude fitar Jimin e admirá-lo. Era engraçado o modo como ele prestava toda uma atenção especial aos ângulos, luzes e também nos pequenos detalhes do meu rosto, ao passo que eu conseguia observá-lo com todas as suas particularidades sem nenhum receio. O Park não parecia perceber, já que estava focado demais nos traços que fazia no papel, mas era como se eu estivesse o desenhando também — a diferença é que a minha folha de rascunho era a minha própria mente. 

Cerca de meia hora depois, Jimin abaixou o lápis e suspirou fundo, parecendo orgulhoso do próprio trabalho. Eu não precisei pedir para ver o resultado final, já que ele prontamente se levantou e veio até mim com o caderno em mãos. 

— Veja bem, eu fiz com um pouco de pressa porque realmente queria capturar o momento com essa luz da manhã e... 

— Para de enrolar e me dá isso aqui, Jimin. — resmunguei e peguei o caderno de suas mãos. 

O resultado final era simplesmente perfeito. Todos os meus traços estavam ali, desde os meus olhos um pouco maiores do que o normal, uma pequena pinta que eu tinha no lado direito do meu maxilar e até mesmo as ondas que o meu cabelo curto fazia naquele momento. Jimin tinha conseguido capturar absolutamente tudo, sem tirar e nem pôr, e eu estava encantada com aquele seu talento que eu sequer conhecia. 

— Está... — pausei, fitando o desenho por mais um segundo. Todos os meus detalhes do colo para cima estavam ali, perfeitamente desenhados na minha mão. — lindo

Desviei meu olhar para Jimin, que em algum momento tinha se sentado na beirada do sofá ao lado das minhas pernas. Ele me fitava com uma intensidade quase que difícil de sustentar. 

— Que bom que você gostou. — disse, sorrindo. — É como eu enxergo você, Soojin. 

Eu o fitei, séria.  

— Você não vai mesmo embora, vai?  

Sim, tinha por volta de um milhão de coisas que eu poderia dizer naquele momento, incluindo um obrigada ou um adorei o presente, talvez até mesmo algo mais sensível, mas aquela preocupação simplesmente ressurgiu na minha mente e não havia nada que ocupasse mais espaço na mesma do que ela. 

Jimin respirou fundo e me fitou.  

— Se eu for, você vai deixar toda essa investigação sobre o meu passado e o meu tio de lado? — perguntou, mesmo que já soubesse a resposta.  

— Bem, você vai estar dificultando a minha vida, mas a resposta é definitivamente não. — eu disse, dando de ombros. 

Ele riu enquanto balançava a cabeça de um modo negativo. 

— Então a minha resposta também é definitivamente não. — respondeu, ainda risonho. — Se você vai aprontar, que seja debaixo do meu nariz. 

Céus, aquele sorriso acabava comigo. 

Instintivamente, eu me inclinei para frente o máximo que eu pude, ficando a poucos centímetros de distância do Park. 

— Eu não posso prometer nada... — brinquei, me aproveitando do momento. 

Entendendo o meu recado, Jimin não hesitou em se inclinar na minha direção e, logo em seguida, depositar um beijo calmo e singelo nos meus lábios; era como se quisesse prolongar aquele momento o máximo que conseguisse. 

Mesmo que eu ainda não soubesse definir com exatidão o que estava acontecendo entre a gente, nós dois definitivamente estávamos pensando igual naquele momento. 

 

*** 

 

Engraçado ou não, naquele momento eu estava vivendo um dos momentos mais irônicos de toda a minha vida: enquanto eu aguardava na sala de espera do consultório do ortopedista para finalmente retirar aquele maldito gesso, a música que tocava ao fundo, no lugar daquelas melodias clássicas típicas de consultórios médicos, era simplesmente I Want To Break Free do Queen. 

God knows I want to break free. 

Céus, Freddie Mercury certamente era o melhor poeta para narrar a minha felicidade naquele dia ensolarado de sabe-se lá qual era aquela estação do ano. 

— Isso foi combinado? — Jimin sussurrou ao meu lado, rindo ao se referir da música. 

Eu dei de ombros lhe retribuindo a risada e acabamos ficando por aquilo mesmo, ambos balançando discretamente a cabeça no mesmo ritmo da música. Nesses últimos três dias nós tínhamos nos dado extremamente bem, se é que vocês me entendem. Claro que as birras e as picuinhas ainda se faziam presente de vez em quando — quase sempre, sendo sincera — mas agora praticamente tudo acabava em beijo. 

Brigamos? Beijo de reconciliação. 

Ele me trouxe algo gostoso para comer ou algo que eu pedi? Beijo de agradecimento.  

Estamos no tédio? Beijo para passar o tempo. 

Meloso, eu sei, mas extremamente verídico. 

Sendo sincera, eu estava gostando daquela minha relação com o Park. De vez em quando as coisas ainda ficavam um pouco estranhas e constrangedoras, mas tanto ele quanto eu éramos craques em fingirmos que nada aconteceu, soltar uma piadinha muito da sem graça e, assim, seguir em frente com os nossos amassos sem um real motivo aparente. Eu tinha aprendido um pouco mais sobre Jimin e me sentia melhor em saber coisas além do passado conturbado dele, como o fato de que ele adorava gatos e vitamina de banana. No dia anterior, deu-se início o começo da obra na cozinha e, como eu não podia exatamente comandar as coisas conforme queria, tudo o que eu precisava fazer era sentar com a minha perninha engessada para o alto na sala de estar e assistir ao Park ordenando e orientando os trabalhadores sobre como cada detalhe deveria ser feito. E eu tinha adorado aquilo, não vou negar. 

Nos últimos dias, Jimin tinha passado quase que todo o tempo ao meu lado. Era óbvio que ele respeitava o meu espaço e vez ou outra me deixava sozinha no meu quarto para que eu pudesse ter um tempo só para mim, mas geralmente ele estava por lá me perguntando se eu precisava de ajuda ou queria algo. Pedia comida, me ajudava a me locomover pela casa e, depois de muita briga, também me deixava escolher a quais filmes iríamos assistir. O mais próximo que ele tinha chegado de trabalhar era atender a ligações de negócios, pelo o que eu pude perceber, o que teria me incomodado se eu já não soubesse que, na verdade, ele tinha unido o útil fato de cuidar de mim ao agradável de não querer ir trabalhar, então acabei por não dizer nada. 

E, claro, tinham também as noites. O Park insistia em dormir num colchonete no chão do meu quarto, sempre mantendo a desculpa de que seria mais fácil caso eu precisasse de algo no meio da madrugada, mas, bem, de manhã... ele sempre amanhecia na minha cama. Na segunda vez eu o questionei sobre aquilo e, desconversando, ele disse que deveria ser algum efeito do sonambulismo, pois não se lembrava de como tinha subido no meio da noite e se deitado justamente ao meu lado. 

Ele achava que me enganava, obviamente. 

Mas, sinceramente, pouco me importava se aquilo tinha a ver com o seu lado sonâmbulo ou não — eu estava começando a me acostumar. Na terceira e última vez, nessa manhã, a primeira coisa que eu pude fazer ao abrir meus olhos fora acariciar seus fios de cabelo descoloridos e bagunçados enquanto ele ainda dormia e, francamente, não há quem discorde de que aquela era uma das melhores sensações do mundo. 

Céus, eu nitidamente estava com os quatro pneus arreados por aquele homem. 

— Jeon Soojin. — a secretária do ortopedista chamou pelo o meu nome, indicando que eu poderia seguir pelo curto corredor branco, virar à primeira direita e finalmente me libertar daquele gesso. 

Jimin me ajudou a levantar e foi meu apoio durante o breve trajeto, já que ele tinha se recusado a ser trocado por um par de muletas. 

— Para que comprar muletas agora? Para usar apenas três dias? Não é você quem vive economizando? Nada disso, eu posso perfeitamente levá-la para onde você quiser. 

Ele tinha usado aquelas e mais uma dúzia de explicações e observações contra à compra de um simples par de muletas e, no fim das contas, eu acabei aceitando a sua ideia para evitar maiores estresses e futuras tentativas de homicídio. 

Cumprimentamos o médico ao entrarmos no seu consultório. O homem era alto e parecia estar na casa dos cinquenta, apesar de extremamente bem conservado e dono de um sorriso invejável. Pediu para que eu me sentasse numa espécie de maca hospitalar e, enquanto me fazia algumas perguntas de rotina, apanhou em um armário de madeira branco o que mais parecia uma mini motosserra. 

— Para que serve isso? — indaguei desconfiada, mesmo que já soubesse a resposta que me aguardava. 

— É com isso que iremos cortar o gesso, Soojin-ssi. — o médico respondeu com um sorriso satisfeito no rosto.  

Eu estava tentando não transparecer, mas, naquele momento, eu tinha virado uma verdadeira pedra de gelo por dentro. Digo, aquilo era uma serra... E se ele cortasse fora um pedaço da minha perna no meio do processo? 

Céus, onde estava o meu Louboutin da confiança quando eu mais precisava dele? 

De repente, como se conseguisse ler os meus pensamentos, Jimin se aproximou de mim e estendeu o braço esquerdo na minha direção. Eu o fitei com uma careta confusa, mas ele logo começou a se explicar. 

— Pode fazer com ele qualquer coisa que a fizer se sentir melhor. — disse, dando de ombros. — Segurar, apertar, morder... Eu vou aguentar, prometo.  

Finalmente entendo a situação, eu ri e encarei o rosto determinado e corajoso do Park.  

— Jimin, até parece que eu... 

— Podemos começar? — o médico me interrompeu e, sem me dar meio segundo para me preparar psicologicamente para aquilo, ele ligou o aparelho que fazia um barulho parecido com o dar morte eletrizada. 

Sem pensar duas vezes, eu acabei puxando o braço de Jimin pela manga comprida e rosada que cobria o mesmo, o que fez o Park precisar segurar uma risada. Aproveitei o tecido em minhas mãos para cobrir o meu rosto, porque os céus que me livrem de ter um pedaço da minha pele arrancado por aquela ferramenta e ainda ter de assistir àquilo. 

— Como você pode ser a mesma mulher que há alguns dias subiu com a cara e a coragem numa escada para lixar paredes carbonizadas? — indagou num sussurro para que somente eu ouvisse e riu. 

— Calado, Park Jimin. — eu resmunguei sem muita autoridade, já que direcionava todas as minhas energias para não mover a minha perna por sequer meio milésimo de milímetro.  

Ao final de toda aquela quase cirurgia, até mesmo o médico precisou se segurar para não rir da minha expressão de alívio. Oras, a mulher do século XXI não pode ter medo de tirar um gesso? O homem me deu algumas recomendações as quais eu sabia que Jimin estava gravando uma por uma em sua mente para, mais tarde, poder encher a minha paciência para que eu as seguisse à risca, então eu acabei não fazendo muita questão de prestar atenção nas mesmas.  

Quando pude finalmente colocar meu pé no chão, eu senti como se pudesse chorar feito uma criança a qualquer momento — apesar da estranha sensação de formigamento que subia por toda a minha perna há pouco imobilizada. Deixei o consultório ainda meio manca, mas com o orgulho intacto de não precisar mais de uma muleta humana e loira para caminhar. Assim que alcançamos o estacionamento do prédio onde se localizava o consultório ortopédico, eu me virei para Jimin antes que pudéssemos alcançar o seu carro com um sorriso que eu sabia que mal cabia no meu rosto. 

Sim, eu era uma criança livre e feliz por isso, não me julguem. 

— Park Jimin, eu vou lhe dar uma chance única nessa vida. — iniciei, o que fez com que ele me encarasse um tanto desconfiado. — Como nós já vamos faltar o trabalho hoje mesmo, eu vou deixar você escolher algum lugar para comemorarmos a minha liberdade. Tem algum lugar para onde você queira ir ou tenha pensado nesses últimos dias? 

Ao contrário da reação que eu esperava, tudo em Jimin pareceu murchar diante da minha pergunta. Ele fitou o chão frio do estacionamento e encolheu os ombros, não conseguindo disfarçar o fato de que a minha sugestão tinha o levado para algum outro lugar que certamente não era ali. 

— Por que você não escolhe? — indagou, parecendo cabisbaixo. — Seu gosto é melhor do que o meu.  

Franzi o cenho, confusa. 

— Eu agradeço a sinceridade, mas essa não é exatamente a resposta que eu estava esperando. — respondi, dando um par de passos para frente para obrigá-lo a sustentar o meu olhar. — O que está acontecendo, Jimin?  

Por um momento, o Park pareceu receoso em me responder. Definitivamente estava travando uma batalha interna entre me contar ou não o que se passava na sua cabeça, o que me deixava apreensiva. Se era algo que ele estava ponderando não me contar, então definitivamente era um assunto sério. 

— Não é nada, só que... — pausou, parecendo escolher as palavras. Por fim, me fitou, suspirando pesadamente. — Eu conversei com o Taehyung por telefone ontem e ele me disse que, por conta de uma superlotação no instituto médico legal de Daegu, o corpo do Bo Gum só seria liberado hoje para que a família pudesse enterrá-lo. Eu sei que parece estranho, mas quando você me perguntou sobre um lugar no qual eu estive pensando nos últimos dias, a minha mente automaticamente pensou no velório do Bo Gum.  

— E por que você iria querer ir lá? — perguntei tentando soar o mais compreensível possível, apesar de realmente não o entender. 

— De algum modo, eu sinto como se a morte desse homem fosse culpa minha. — admitiu quase que num sussurro, o que automaticamente apertou o meu coração. — Talvez eu tenha pensado que prestar condolências à sua família seria como me desculpar ou pagar por isso, mas... — pausou e, de repente, sacudiu a cabeça como se buscasse afastar pensamentos negativos. — Bem, isso não importa agora, eu não quero estragar a sua felicidade com esse assunto.  

Sinceramente, eu não esperava que Jimin fosse ficar tão mexido com aquele assunto, mas não era como se ele não tivesse um ponto de vista bem firme. Sempre provocava um arrepio por toda a minha espinha imaginar que Seokjin realmente pudesse ter assassinado Bo Gum a mando do tio de Jimin, então eu podia imaginar como o próprio Jimin deveria se sentir em realção a isso... 

Deveria ser, no mínimo, sufocante. 

E foi pensando justamente nisso que não me custou muito tomar aquela decisão. 

— Ir até lá, de algum modo, ajudaria você? — eu indaguei o fitando com cuidado.  

Ele respirou fundo, como se estivesse carregando uma bagagem pesada demais há tempo demais. 

— Sendo sincero, eu não faço ideia. — respondeu, frustrado. 

— Quer descobrir?  

A minha sugestão repentina fez Jimin arregalar os olhos em surpresa. Sinceramente, vê-lo daquele jeito me partia o coração e eu sentia como se fosse capaz de fazer qualquer coisa para rever aquele seu sorriso que eu tanto gostava habitando seus lábios. 

Afinal, era por aquele sorriso que eu tinha me apaixonado. 


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Notas finais do capítulo

E então, o que acharam? Agradeço pelo carinho e paciência a aqueles que me esperaram ♥

Até!