Meu querido sonâmbulo escrita por Cellis


Capítulo 21
Meu querido impulso




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— Olha, sem querer ser negativa e nem nada, mas... — pausei, alternando meu olhar entre um Jimin cheio de expectativas e o gesso na minha perna que logo mais iria despedaçá-las sem dó. — Isso com certeza vai dar errado

Do lado de fora do carro, o loiro de farmácia bufou e rolou os olhos. Só lhe faltava uma mão na cintura para completar o quadro de madame rica, revoltada e impaciente. 

Ou, talvez, uma bolsinha de marca com um chihuahua nervoso dentro. 

— Imagina se você quisesse ser negativa... — resmungou.  

Nós tínhamos saído de casa no carro dele, já que pular até o café no final da rua numa perna só não era exatamente uma opção, e agora eu estava hesitante — vulgo empacada — no banco do carona. Jimin já tinha aberto a porta e, com uma mão apoiada no topo da mesma e a outra no teto do veículo, ele tinha os braços abertos na minha direção como se fosse a pomba da paz. Realmente parecia impaciente, mas, oras, eu tinha todo o direito de não confiar na pessoa que primeiramente tinha tido uma enorme contribuição no quesito perna engessada

— Você tem certeza de que não vai me deixar cair de novo? — indaguei, desconfiada. 

— Primeiramente, você mesma já confessou que a culpa não foi só minha de você ter caído da escada. — apontou, usando as minhas próprias palavras contra mim. Droga. — Segundo, eu já carreguei você escada acima e também fui eu quem te ajudou a entrar no carro. Pelos céus, Soojin, mesmo depois disso tudo você ainda está com medo de se apoiar em mim? 

Eu o encarei, espreitando meus olhos; o pior de tudo é que ele tinha razão. Depois de um par de segundos ainda hesitante, eu apenas fiz um sinal positivo com a cabeça, já que me recusava a dar o braço a torcer em voz alta.  

Feito isso, Jimin inclinou o tronco para dentro do veículo e eu devo admitir que aquela proximidade repentina me pegou desprevenida. Conforme ele passava um braço por trás das minhas costas e me segurava pela altura do estômago para que eu pudesse me apoiar nele, a sua mão livre alcançava o meu braço direito e o puxava para se posicionar sobre os seus ombros; resumindo, era como se estivéssemos nos abraçando de lado. Gelei. Meus olhos se arregalaram sem a minha permissão e, para piorar, eu sentia sintomas de uma severa arritmia cardíaca. 

— Eu vou contar até três e, no três, tudo o que você precisa fazer é um pouco de força com a perna boa para se levantar. — disse, parecendo focado demais naquela operação para notar como nós estávamos. — Não precisa ter medo, eu não vou soltar você. 

De repente, por mais estranho que isso pudesse parecer, eu me senti absurdamente mais segura — talvez fosse pelo seu tom de voz seguro e até mesmo atencioso, eu não sabia dizer ao certo. Minha mão direita apertou firme o ombro de Jimin e, ao fim da contagem dele, eu realmente só precisei fazer o que ele havia me pedido. O Park pareceu me puxar para fora do carro sem nenhum esforço sequer e, antes que eu pudesse pensar em reclamar, já estava de pé na calçada sã e salva. Ainda abraçada a ele, eu o fitei de escanteio e pude vê-lo sorrindo orgulhoso de si próprio descaradamente.  

Naquele momento, ele parecia... fofo.  

— Eu disse que ia dar certo. — vangloriou-se, ainda sorrindo. — Vamos, agora você só precisa pular um pouquinho até lá dentro, mas eu vou continuar lhe segurando assim.  

Eu deveria ter ficado com vergonha e tudo mais... Digo, eu era uma louca com uma perna engessada, apoiada num tampinha loiro e pulando numa perna só para dentro de um café numa manhã aleatória de domingo. Céus, não eram nem nove da manhã ainda. Assim que entramos, eu senti que todos os olhares daquele lugar inevitavelmente acabaram se voltando na minha direção, contudo, nem um fio do meu cabelo hidratado chegou a se preocupar. Tudo bem, eu admito que normalmente já não costumo ligar se as pessoas estão me olhando ou julgando, mas o sentimento daquela vez em específico era um pouco diferente.  

Enquanto todos os olhos estavam em mim, os meus focavam em um único ponto. 

Em umúnica pessoa, mais especificamente.  

Jimin também parecia não dar a mínima para o que acontecia ao nosso redor e, de pulo em pulo, ele escolheu uma mesa com quatro lugares para que nós ficássemos. Ajudou em todo o processo que era para que eu me sentasse e, com sutileza, ergueu a minha perna engessada até que eu pudesse colocá-la sobre a cadeira de frente para a minha. Tomou um segundo para checar se estava tudo em ordem e, em seguida, deu a volta na mesa para se sentar ao meu lado. 

Eis aqui, caros leitores, a continuação da saga geleia nevasca parte 2

— Você não quer se sentar ali? — perguntei e apontei para a cadeira onde estava a minha perna. — Eu posso colocar a perna em outro...  

— Não precisa. — ele me interrompeu, porém num tom gentil demais para me irritar. — E você ouviu o médico, Jeon. Nada de ficar com essa perna para baixo, caso contrário ela pode inchar e voltar a doer. 

Abri a boca para rebater, mas, na verdade, não havia nada a ser rebatido. Digo, por que diabos eu iria tentar contra-argumentar todo aquele... zelo? Está bem, já ficou mais do que escrito na minha testa que eu não estava acostumada a ser cuidada daquele modo, contudo, não era por isso que eu seria louca de desperdiçar aquela oportunidade, certo? 

Certíssimo. 

— Um cappuccino e um americano gelado, por favor. — Jimin pediu educadamente para a garçonete que em algum momento surgiu ao lado da nossa mesa com um sorriso simpático e longos cabelos vermelhos presos num rabo de cavalo.  

De onde essa mulher veio que eu nem vi?  

A jovem anotou os pedidos e, sem que eu precisasse mover um dedo sequer, meu cappuccino já estava sendo preparado no balcão. O lugar era aconchegante e imitava os antigos e elegantes cafés europeus, onde tudo parecia ser suave e os pedidos eram preparados às vistas dos clientes por pessoas que nitidamente sabiam o que estavam fazendo. Além disso, o cheiro do grão estava em todos os cantos, o que tornava o ambiente ainda mais agradável — ideal para relaxar, eu diria se não estivesse prestes a tocar num assunto que nem de longe era motivo de tranquilidade. 

— Jimin. — eu o chamei e, quando me virei para o lado para fitá-lo, ele já o fazia. — Você já procurou o seu advogado para pegar o documento? 

Apesar da queda da escada e dos outros acontecimentos dos últimos dias, eu não tinha esquecido daquele tópico. 

— Sim. — balançou a cabeça positivamente. — Na verdade, eu já até o enviei para o Taehyung. 

Franzi o cenho, confusa. 

— Enviou? Eu achei que nós voltaríamos lá para entregar.  

Jimin se remexeu na cadeira, desviando o olhar para algum ponto aleatório que certamente não era o meu rosto. 

— Assim foi mais prático. — respondeu, dando de ombros. — Nós economizamos tempo e tudo mais. 

Suspeito. Tratando-se de Jimin, eu não duvidava nada de que ele tinha feito aquilo, ainda por cima pelas minhas costas, só para que eu não insistisse que fossemos para Busan novamente e, assim, ele tivesse que dar de cara com Taehyung. Se tem uma coisa que eu aprendi ao longo do nosso tempo de convivência, ainda que curto, essa coisa foi nunca duvide de Park Jimin

Mas tudo bem, hoje era o dia de sorte dele; eu só estava preparando o terreno para poder chegar onde realmente queria. 

— Você já pensou sobre o que vai fazer se o documento for mesmo falso? — indaguei tentando não soar muito direta, mas claramente falhando na minha missão. 

Ele suspirou pesadamente.  

— Bem, eu vou tentar encontrar o tal funcionário do cartório que validou o documento, Do Bo Gum. — respondeu, parecendo meio desolado. — Descobrir se esse documento é falso ou não será extremamente esclarecedor para mim, algo que eu quis saber durante praticamente a última década inteira, contudo... Não tem muita coisa que eu possa fazer com essa informação.  

— Mas é claro que tem! — exclamei, indignada com aquele desânimo todo. — Jimin, isso pode finalmente fazer com que você receba toda a herança que por direito já é sua.  

De repente, o Park abaixou levemente a cabeça, passando a fitar o próprio colo. Mesmo que não estivesse olhando para mim, eu pude ver um sorriso triste se formar nos seus lábios. 

— Nada disso é pela herança, Soojin. Nunca foi. — pausou, parecendo brincar com os próprios dedos de uma forma melancólica. — O que me atormenta é ter que viver dia após dia sem poder ter certeza se o meu próprio tio mandou assassinar os meus pais ou se tudo não passou de um trágico acidente. Tudo o que eu fiz nos últimos anos, toda as informações que eu consegui juntar... Era tudo uma tentativa de colocar um ponto final justo nesse caso. —  de repente, voltou a me fitar. Seus olhos estavam cansados, como se aquela busca nunca lhe permitisse ter sossego em sua vida. — Eu sinto que enquanto eu não fizer isso, meus pais não poderão descansar em paz. 

Pela primeira vez desde o momento no qual tínhamos nos conhecido, eu estava finalmente entendendo Jimin. Diferente de mim, que tinha crescido sem os meus pais por escolha deles, o Park tinha tido os seus bruscamente arrancados de si. Ele nunca pudera culpar ninguém por isso, pelo menos não diretamente, e isso provavelmente o atormentava dia e noite. Além disso, a possibilidade de alguém que deveria ser confiável como um porto seguro em meio a uma tempestade, um familiar, ter praticamente destruído a sua infância por causa de dinheiro deveria ser absurda e terrível demais para que ele a carregasse sozinho durante tantos anos. 

A eterna dúvida se seu tio tinha mandado assassinar o próprio irmão, pai de Jimin. 

Viver com aquilo deveria ser como estar caído no fundo de um poço escuro e sufocante sem possibilidade de saída, por isso, eu o entendia perfeitamente quanto a não dar a mínima para a sua herança. Nenhum dinheiro do mundo seria capaz de trazer os seus pais de volta. 

Céus, quantas vezes eu tinha desejado que os meus magicamente ressurgissem? Que se arrependessem, sentissem a minha falta e a de Jungkook e voltassem? Apesar de hoje saber que aquilo não era possível, eu não tinha crescido com aquela certeza desumana — diferente de Jimin. 

De repente, eu o fitei e tudo o que quis fazer foi tentar consolá-lo com um abraço, quase como um instinto maternal incontrolável — e, me conhecendo como conheço, eu provavelmente o teria feito se a garçonete não tivesse retornado no exato momento com os nossos pedidos. 

Tanto eu quanto Jimin agradecemos e, enquanto usava o canudo para remexer o gelo dentro do copo, ele voltou a me fitar. 

— Por isso, eu acho melhor não confrontar o meu tio por enquanto, mesmo que fique provado que o documento é falso. — continuou, finalmente tomando o primeiro gole de seu café. — Agora que eu finalmente tenho uma luz para iluminar a minha investigação, não posso arriscar colocar tudo a perder. Algo me diz que é mais seguro assim. 

Concordei com um balançar de cabeça pois, ainda que do seu jeito, Jimin tinha razão. Estava prestes a dizer alguma coisa, quando fui interrompida pelo toque do meu celular. Pesquei o aparelho do meu bolso e, quando vi o nome na tela do mesmo, sequer tentei conter um sorriso infantil nos meus lábios. 

— Alguém não morre nem tão cedo. — sussurrei para Jimin, que franziu o cenho, e logo em seguida atendi à chamada animadamente. 

Contudo, do outro lado da linha, a voz de Taehyung não parecia tão alegre assim. 

— Noona, eu tenho uma notícia não muito boa para lhe dar. — ele iniciou, soando hesitante. Aquilo certamente não era um bom sinal, pois Taehyung costumava ser direto com suas palavras. — Você me pediu para procurar discretamente por Do Bo Gum da última vez que esteve aqui e, bem, deu certo... Eu o encontrei. 

— Sério? — indaguei e arregalei os olhos. Contudo, eu ainda estava desconfiada. — E por que isso não seria uma notícia boa? 

Do outro lado da linha, o Kim pigarreou. 

— Ele está morto. — disse de uma vez e eu precisei cobrir a boca com a mão tamanha foi a minha surpresa. — Bo Gum morava com a mãe em Daegu e foi ela quem encontrou o corpo ontem à noite. Tudo indica que foi um mal súbito, estão dizendo que ele morreu dormindo, mas o resultado da autópsia ainda não saiu de fato. Eu sinto muito, noona, ele provavelmente seria de ajuda no caso do Jimin 

Chocada com aquela informação repentina, eu emudeci. Jimin parecia ansioso e me fitava inquieto e, quando os meus olhos atônitos encontraram os seus curiosos, eu tive pena de sustentar o seu olhar. Aquela era a esperança dele...  

A luz que iluminaria a sua investigação. 

Sem saber exatamente o que dizer, eu agradeci a Taehyung pela ajuda — afinal, ele tinha se esforçado na procura por Bo Gum porque eu havia lhe pedido — e disse que em uma outra hora ligaria de volta para conversarmos melhor. Quando percebeu que eu tinha encerrado a ligação, Jimin se apressou em me perguntar.  

— Aconteceu alguma coisa? — ele me fitava com tanta preocupação, que eu permaneci muda por um momento a mais. — Você não parece bem.  

Por fim, eu o encarei. Detestava ser a pessoa a dar aquela notícia, mas, sendo sincera, preferia que fosse eu.  

Pelo menos ele não estaria sozinho.  

— Jimin. — eu iniciei, tentando encontrar palavras sutis para lhe transmitir a notícia. Contudo, obviamente não havia outro jeito. — O Bo Gum está morto.  

Espantado, o Park parecia copiar os meus olhos arregalados. Eu pude ver a cor fugir de sua pele aos poucos e, de repente, parecia que o mundo tinha desabado sob os seus pés. Mesmo assim, ele parecia mais confuso do que frustrado.  

— Como assim? Quem lhe contou isso? — indagou, nervoso. — Ele não foi assassinado, não é? Por favor, me diga que não.  

Sua última frase havia soado como uma súplica e, sinceramente, eu entendia o porquê: ele estava se agarrando ao último fio de esperança que existia dentro de si que ainda acreditava que seu tio era inocente em toda aquela história, que tudo não passava de uma paranoia sua. Com Bo Gum assassinado, aquele fio seria brutalmente partido. 

— Ainda não há uma causa oficial, mas tudo indica que ele sofreu um mal súbito enquanto dormia na noite passada. — respondi, tentando soar o mais calma possível. — Foi Taehyung quem me ligou e deu a notícia. Eu sinto muito, Jimin.  

Não era como se Jimin tivesse conhecido o homem, contudo, ele estava sentindo a sua perna de um modo que ia muito além do afetivo: ela representava a sua desesperança

— Eu não posso acreditar nisso... — sussurrou para si mesmo, abaixando a cabeça. 

Por algum motivo, meu coração se encolheu dolorido ao vê-lo naquele estado. 

— Olha, eu sei que vai ser difícil, mas nós vamos encontrar outro jeito de continuar a investigação caso o documento seja mesmo falso. — eu iniciei, tentando reconfortá-lo. — Você não está sozinho, Jimin. Nós podemos... 

Eu não pretendia interromper a minha própria fala por conta do sino da porta do café, um barulho notável que indicava que alguém estava adentrando no estabelecimento, mas algo me roubou a atenção o suficiente para que as palavras parassem de sair da minha boca. Nossa mesa não era muito distante da porta e, por isso, eu pude ver com nitidez a figura alta, distinta e imponente adentrar no estabelecimento com a sua áurea tão negra quanto o conjunto do seu terno. O porte firme e ereto vinha acompanhado de uma expressão fria, contudo, quando os seus olhos vagos encontraram os meus parecendo que já tinha entrado ali os procurando, um sorriso de canto que ao meu ver não era nada amigável surgiu em seu rosto. Ele parecia orgulho e, aproveitando que Jimin mantinha a cabeça abaixada sem tê-lo notado ainda, caminhou com tranquilidade na nossa direção. 

Quando o homem alcançou a nossa mesa, eu senti o meu estômago se revirar num misto de medo e repúdio.  

— Que coincidência. — foi a primeira coisa que Kim Seokjin disse com a sua voz grave e sem nenhuma imperfeição. Jimin ergueu a cabeça quase que instantaneamente e, quando se deparou com o Kim, seu semblante antes desolado assumiu uma forma odiosa. — Eu não esperava encontrá-los aqui. — de repente, seus olhos me varreram por completo, até pararem durante um par de segundos na minha perna engessada. — Você está bem, Soojin-ssi?  

Ao meu lado, eu vi de escanteio Jimin cerrar os punhos sob a mesa. De todos os momentos, aquele era o certamente o pior para que Seokjin resolvesse aparecer. 

Antes que Jimin fizesse alguma besteira, eu resolvi tomar as rédeas da conversa e responder o Kim. 

— Eu estou ótima, isso foi apenas uma consequência de uma travessura em casa.  — respondi com o mais ordinário dos meus sorrisos. — Eu agradeço a preocupação. 

— Mas você não irá trabalhar nesse estado, certo? — insistiu e, sinceramente, ele parecia se esforçar para que eu notasse a falsidade em sua gentileza. — Acho que teremos que adiar o trabalho que faríamos em conjunto.  

Ao meu lado, Jimin se remexeu, mas manteve-se em silêncio.  

— Será por pouquíssimo tempo, eu garanto. — afirmei. — Sou muito mais forte do que pareço.  

Com um aceno sutil de cabeça, ele concordou. 

— Bem, as perdas de uns são sempre em benefício de outros. — sussurrou alto o suficiente para que nós escutássemos.  

Vi Jimin franzir o cenho, como se estivesse ligando pontos preciosos em sua cabeça. 

— O que você quis dizer com isso? — se pronunciou pela primeira vez, obviamente não soando nada amigável.  

Seokjin aumentou o sorriso sonso em seus lábios, como se finalmente tivesse conseguido o que tinha saído de casa buscando. 

— Nada. — respondeu, indiferente. — É apenas uma frase que eu ouvi ontem e achei que poderia ser aplicada à nossa situação.  

— Hoje eu não estou com paciência para os seus joguinhos de mistério, Kim Seokjin. — Jimin rebateu no mesmo instante e o seu tom de voz hostil chegou a me assustar.  

De um jeito nasalado e cético, Seokjin riu.  

— Ah, eu sempre me esqueço de que você não gosta de jogos, Jimin. Acho que é porque não é o que parece. — dito isso, deu um par de passos na nossa direção, agora ficando a no máximo dois centímetros de distância da nossa mesa, o que lhe permitia abaixar o seu tom de voz e ainda assim se fazer entendido. — O que parece é que você pensa que isso é um jogo. O que é uma pena, porque muito estrago poderia ter sido evitado se você realmente já tivesse desistido de jogar. 

Seokjin era um homem que gostava de falar pelas entrelinhas e, unindo todas aquelas presentes em suas últimas frases, era difícil que não se chegasse a uma única conclusão: ele tinha alguma coisa a ver com a morte de Do Bo Gum. Aquilo soava absurdo e eu sabia disso, mas, de algum modo, o Kim sabia que nós estávamos investigando o tio de Jimin e que já tínhamos conhecimento do falecimento do ex-funcionário do cartório de Busan — estava escrito na sua testa de forma nítida e gélida. Parecia algo surreal, mas tudo em Seokjin fazia daquela hipótese algo não tão longe da realidade. 

Eu não tive sequer tempo de ter medo da sua figura alta e macabra diante daquela conclusão, pois quando o meu corpo pensou em reagir o de Jimin se colocava bruscamente de pé ao meu lado. Por sorte o meu reflexo tinha sido rápido o suficiente para agarrar o seu pulso, ao menos evitando que ele ficasse cego de vez pela raiva estampada em seu rosto e acabasse fazendo alguma besteira em público.  

— Foi você, não foi? — Jimin indagou entre os dentes. Estava pensando o mesmo que eu. — Foi você que matou Do Bo Gum. 

Os dois se encaravam não muito distantes um do outro e Seokjin esbanjava a serenidade que Jimin estavam longe de alcançar naquele momento. Eu sentia uma agonia extrema por estar presa no meio daquela tensão palpável sem poder sequer me levantar para fazer algo e, novamente — dessa vez para o meu alívio — a garçonete ruiva entrou em cena para interromper a situação. 

— Com licença, senhor. — disse educadamente na direção de Seokjin. — Foi o senhor que ligou há pouco ordenando um latte macchiato para viagem?  

O Kim continuou sustentando o olhar irado de Jimin durante mais alguns segundos, em nenhum momento se dirigindo à garçonete. 

— Sim, fui eu. — respondeu ainda com os olhos no Park, como se quisesse responder às duas perguntas ao mesmo tempo ou fazer com que nós dois duvidássemos de qual pergunta ele tinha realmente respondido. Só depois ele finalmente se virou para a jovem ruiva, agora com um sorriso mais natural exposto em seus lábios.  — Meu pedido já está pronto?  

Seu cinismo era assustador. 

— Sim. Queira me acompanhar, por favor. 

Dito isso, o Kim concordou com um balançar de cabeça e começou a seguir a mulher, mas não sem antes olhar de relance para trás. 

— Nos vemos no trabalho, Soojin-ssi. — disse calmamente. — Espero que se recupere logo. 

Senti Jimin se movimentar ao meu lado e, se eu não estivesse segurando firme em seu pulso, ele provavelmente teria partido na direção de Seokjin para fazer sabe-se lá o que; algo de bom que não seria, com certeza. Sua respiração estava acelerada, fazendo seu peito subir e descer pesadamente, e o rosto que há pouco não tinha cor agora ganhava uma tonalidade vermelha pintada pela raiva. Seokjin pegou seu café, pagou pela bebida e logo em seguida deixou o lugar sem pressa e sem olhar para trás, como se não desse a mínima para a presença de Jimin ou para a sua ira. 

Ao meu lado, Jimin permaneceu imóvel durante alguns segundos, mesmo após a partida do Kim. Até que, de repente, ele se soltou da minha mão e sem sequer me fitar começou a se mexer. 

— Vamos embora. — disse com uma expressão séria que eu nunca tinha visto no seu rosto. 

Ele estava inquieto e, num piscar de olhos, já vinha na minha direção para me levantar. 

— Jimin, se acalme. — eu tentei pedir, mas ele logo estava me erguendo sem que eu tivesse como relutar. — Você precisa... 

— Vamos embora. — repetiu com a mesma expressão. 

Não era como se ele estivesse sendo bruto — mesmo parecendo cego pelo o que tinha acontecido, ainda tinha a preocupação de me carregar com o cuidado necessário para que eu não me machucasse — mas também não me dava sequer a oportunidade de me mexer. Quando percebi, já tinha pulado num pé só até a faixada da cafeteria. 

— Já chega! — exclamei e, por fim, consegui reunir forças suficiente para empurrá-lo.  

Jimin deu um par de passos para trás e, visivelmente assustado com a possibilidade de que eu poderia cair sem o seu apoio, ele tentou me alcançar novamente. Contudo, no calor do momento, eu acabei pisando com a perna engessada no chão como se não fosse nada demais, sendo atingida por uma dor extremamente incomoda no meu tornozelo.  

Mas não era isso que realmente importava naquele momento. 

— Você não pode...  

— Você precisa se acalmar. — eu o interrompi, séria. De repente, vendo-o respirar fundo, eu assumi um tom mais calmo. — Eu sei que você ficou mexido com a história da morte do Bo Gum, ainda mais depois dessa cena com o Seokjin... Mas agir por impulso e ainda cego de raiva não vai lhe ajudar em nada, Jimin. 

Ele abaixou a cabeça por um momento, bagunçando com força e frustração os cabelos loiros.  

— Eu não posso continuar fazendo isso. — murmurou, erguendo a cabeça para me fitar. — Não importa o que você diga, eu não posso continuar arrastando você para o meu passado.  

— O que? — indaguei, pega de surpresa por ele estar voltando àquele assunto tão repentinamente. — Jimin, nós já conversamos sobre isso. 

— Você viu como ele olha para você? Viu como ele age, do que é capaz? Ele praticamente confessou que matou o Bo Gum, Soojin. — rebateu. — Eu não vou mais colocar você em perigo, de jeito nenhum. Nós vamos voltar para casa agora, eu vou arrumar as minhas coisas e vou embora. Deixarei você em paz, nunca deveria ter me mudado em primeiro lugar e... 

Jimin continuou sua fala, mas eu já não ouvia mais nada. Ele queria ir embora e estar diante daquela possibilidade imediatamente me deixou aflita. Era estranho que antes o fato de morar sob o mesmo teto que o Park era quase que uma afronta à minha independência e tudo mais, mas agora era como...  

Era como se eu não pudesse ficar naquela casa se ele não estivesse lá. 

— Você enlouqueceu? — eu sussurrei em algum momento, o interrompendo. Apesar de não ser a minha intenção, a minha voz tinha saído alta e indignada das minhas cordas vocais. 

— Sim, eu enlouqueci! — exclamou. — Eu enlouqueci no instante que entrei na sua vida e ainda mais quando passei a me preocupar mais com você do que comigo mesmo. Enlouqueci de vez quando comecei a gostar de você, Jeon Soojin! 

Jimin parecia estar dizendo àquelas palavras sem pensar, contudo, nitidamente tinha certeza do que falava. Eu arregalei os olhos diante daquela confissão, ainda mais tão repentina como fora feita, e só então ele percebeu o que tinha dito. Quebrando o calor do momento, o Park desviou o olhar para a rua quase deserta e respirou fundo, tentando se acalmar. Não parecia arrependido de ter me confessado aquilo, apenas irritado consigo mesmo pelo modo como o tinha feito.  

De repente, as coisas começaram a se esclarecer na minha cabeça. Os ciúmes que antes eu achava engraçado, todo o zelo dele para comigo, a mudança que eu vinha notando em seu comportamento... Tudo aquilo tinha fundamento: ele o fazia porque tinha sentimentos por mim. 

E quanto a mim? 

Meu comportamento já não era mais exatamente o mesmo, isso eu tinha que admitir. Talvez fosse pelo modo cuidadoso como ele vinha me tratando, mas...  

Não, não era só por causa disso. 

— Jimin. — eu o chamei quase num sussurro. — Você pode me ajudar? Eu preciso ir até você, mas a minha perna está doendo.  

De repente, ele pareceu esquecer imediatamente tudo o que tinha acabado de acontecer e veio até mim de prontidão. Segurou-me pelos braços, como se quisesse tomar todo o meu peso para si. 

— Eu disse para você não abaixar a perna... — murmurou e, de repente, seus pequenos olhos preocupados encontraram a tempestade confusa que pairava nos meus. — Era por isso que você queria ir até mim? 

Eu o encarei, séria. Agora quem estava cega pela situação era eu, mas também não estava disposta a tentar tomar de volta o controle do meu próprio corpo. Pela primeira vez em toda a minha vida, eu estava prestes a mergulhar de cabeça e olhos fechados sem sequer entender direito aquelas águas. 

— Não. — respondi, sentindo meu coração acelerar. Meus olhos se deslocaram dos seus para os seus lábios. — Era por isso

E então, sem pensar nem meia vez, eu beijei Park Jimin.


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Notas finais do capítulo

E então, o que acharam? Esse capítulo é um pouco diferente dos anteriores, então saber a opinião de vocês é muito importante para mim!

Até ♥