Meu querido sonâmbulo escrita por Cellis


Capítulo 16
Minha querida eu




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/770869/chapter/16

— Então... há quanto tempo isso aconteceu? — Taehyung indagou, fitando a cópia do tal documento supostamente deixado pelo pai de Jimin.  

Ele a tinha em suas mãos e parecia bastante concentrado em analisar aquilo linha por linha, como o verdadeiro oficial público que tinha se tornado.  

Céus, ele já era um homem. 

Enquanto pensava em responder à sua pergunta, meu pequeno e molenga coração de noona se encheu de orgulho daquele sorrisinho quadrado cativante. Eu me lembrava dele com os seus oito anos gritando aos quatro ventos que queria seguir a carreira da mãe, que naquela época já era funcionária de um cartório em Seul há alguns bons anos. A sra. Kim realmente era uma mulher excepcional, um dos motivos pelos quais Taehyung sempre a admirara tanto. 

Ela teria sido uma ótima mãe também, caso pudesse ter ficado conosco. 

— Há mais de vinte anos. Esse documento tem mais ou menos a idade do Jimin e... 

— Aigoo, não é desse pedaço de papel que estou falando! — me interrompeu, rindo. De repente, ergueu a cabeça e apontou na minha direção e do Park. — Eu estou falando disso

Eu juro que, naquele momento, eu teria cuspido um copo inteiro de água na cara de Taehyung se estivesse bebendo um. Jimin estava sentado ao meu lado e eu pude ouvir sua risada sarcástica dentro do meu crânio mesmo sem ele ter emitido um único som sequer.  

O Park maldito, vulgo meu marido de mentirinha sabe-se lá os céus o porquê, chegou-se um pouco mais para o meu lado, me fitando. 

— Há pouquíssimo tempo. — respondeu com um sorrisinho de canto e, em seguida, fitou Taehyung que estava do outro lado da mesa do seu escritório. — Na verdade, nós não imaginávamos que em tão pouco tempo já estaríamos morando juntos... 

Ah, mas não imaginávamos mesmo. Se eu soubesse na época em que comprei a casa que Park Jimin viria de bônus, eu teria saído correndo da corretora no mesmo instante e possível de Seul se fosse necessário. 

— O amor é assim mesmo. — Taehyung afirmou, suspirando. — Para essa noona que jurava de pés juntos que morreria solteira, esse foi um baita de um milagre. Eu não preciso de homem nenhum, ela vivia dizendo. 

— E continuo não precisando. — eu emendei no mesmo instante, firmei. — Jimin foi um... acaso da natureza, digamos assim. 

De escanteio, eu vi Jimin bufar e fazer uma careta.  

Eu estava estragando a diversão dele? Bem, isso é realmente uma pena. 

Uma pena que eu não me importo nem um pouquinho. 

— Acaso... — o Kim riu novamente. — Dá para ver o acaso no jeito como ele te olha, noona.  

Veja bem, eu sempre soube que Taehyung nunca tivera sequer um pingo de vergonha naquela cara particularmente esculpida pelos deuses dele, mas não me lembrava daquele garoto ser tão direto assim. Enquanto ele passava uma mão pelos cabelos sedosos e castanhos, eu senti as minhas bochechas esquentarem diante daquela observação nada sutil. É claro que aquilo só podia ser coisa da mente mais do que fértil do Kim, contudo, algo no meu cérebro desregulado não entendeu direito aquilo como uma verdade. 

Recomponha-se, Jeon Soojin! Você e Park Jimin estão anos-luz de distância de serem marido e mulher, então não há nada demais no modo como Taehyung vê as coisas. 

— E o documento? — ouvi Jimin perguntar e, sinceramente, sua voz tinha me parecido um tanto falhada durante um momento.  

Ah pronto, ele quem tinha começado aquela mentira e agora estava se arrependendo? Muito bonito, Park Jimin. Lindíssimo, eu diria no ápice da minha ironia. 

— Bem, ele não aparenta ser falso. O carimbo é o mesmo usado nesse cartório há umas duas décadas, assim como o tipo de papel e todas essas coisas. — Taehyung respondeu, encarando Jimin. De repente, pendeu a cabeça para o lado e puxou o ar entre os dentes, algo que ele sempre fazia quando estava com uma pulga atrás da orelha. — Contudo... tem algo aqui que não está batendo.  

— O que? — eu indaguei, chegando para frente num sinal notório de que não conseguia conter a minha curiosidade.  

— O tabelião. — respondeu. — O documento foi reconhecido e autenticado por Do Bo Gum, mas ele não era exatamente um funcionário exemplaro que me deixou um pouco desconfiado. 

Processando aquela informação, eu fitei Jimin e notei que ele não tinha uma expressão muito diferente da minha — confusa, eu quero dizer. 

— E isso quer dizer que...? — eu disse, tentando fazer com que Taehyung nos ajudasse a entender o que aquilo significava. 

— Minha mãe uma vez me contou que no ano que ela veio trabalhar aqui, foram feitas inspeções por todos os cartórios do país devido a diversas denúncias de corrupção. Naquela época, o responsável por esse cartório e chefe dela era o Bo Gum. — ele iniciou, explicando. — Acharam muita coisa errada aqui sob a direção dele, desde fraudes de documentos até de assinaturas de pessoas já mortas... Por isso, para abafar o caso, eles afastaram o Bo Gum forçando a sua aposentadoria. A minha mãe ficou no seu lugar e, depois disso, ninguém nunca mais ouviu falar dele. 

— Então o que você está dizendo é que esse documento pode ser falso? — Jimin indagou, sério.  

— Como já se passaram muitos anos e os nossos arquivos foram todos revirados por causa dessa investigação, eu não posso afirmar isso com certeza logo de cara, mas há sim essa possibilidade. Nem tudo que o Bo Gum assinava era falso, mas, se ele fez outras vezes... 

— Pode ter feito dessa também. — eu completei. — Mas não tem como nós descobrirmos se ele é falso?  

— Na verdade, tem um jeito. — Taehyung respondeu. — Eu poderia solicitar uma perícia detalhada no documento, mas o resultado costuma levar um mês ou até dois para sair. E não serve a cópia, eu iria precisar do documento original.  

— Eu trago o original. — Jimin emendou no mesmo instante, quase não deixando Taehyung terminar de falar. — Você pode mesmo fazer isso? 

— Mas é claro que posso. Eu e esse cartório temos uma longa história. — o Kim respondeu, rindo. — Além disso, eu jamais negaria algo para o meu cunhadinho.  

— Yah! — eu exclamei, chamando a atenção de Taehyung. Quando ele me fitou confuso, eu me lembrei de que tudo o levava a acreditar que meu casamento com Jimin era real e que, àquela altura do campeonato, desmentir aquela história estava fora de cogitação. Pigarrei, tentando contornar a situação. — Como você pode ser tão cara de pau? 

— Eu nasci assim. — respondeu com uma voz fofa, dando de ombros. 

— Kim Taehyung, eu cresci lhe avisando o que aconteceria se você fizesse aegyo para mim. — eu disse, falsamente ameaçadora.  

Levantei-me da cadeira e dei a volta na mesa, o alcançando. Taehyung ria como se ainda tivesse sete anos e tentava escapar empurrando a cadeira de rodinhas para longe, mas eu logo consegui puxá-lo de volta. Sim, eu tinha quase trinta anos de idade nas costas e o Kim já tinha passado dos seus vinte há alguns anos, mas nós ainda éramos dois adultos extremamente maduros fazendo o que qualquer adulto faz em seus momentos de ócio: guerra de cócegas

Depois de não muito tempo, Taehyung estava completamente vermelho e sem ar, contando a vez que quase despencara de sua cadeira sem querer. Eu não estava num estado muito diferente, o que me fez erguer uma bandeira branca desistindo da batalha para tentar me recompor. Sem nenhum resquício de fôlego, eu me apoiei no seu ombro para tentar reaver minhas forças. 

Céus, eu já não tinha mais idade para aquelas coisas. 

— Noona. — ele sussurrou, fazendo com que eu me aproximasse um pouco mais do seu rosto para ouvi-lo. — Seu marido não está com uma expressão muito boa. Será que nós passamos dos limites? 

Ainda ofegante, eu fiz um pequeno esforço para conseguir fitar Jimin, o que acabou valendo completamente a pena no segundo seguinte: provavelmente detestando ter que presenciar aquela criancice, ele parecia prestes a lançar em alguém a cadeira em que estava sentado, eu só não conseguia distinguir se seria em mim ou em Taehyung. 

Sorri de canto, feliz por ter conseguido irritá-lo sem aquela sequer ter sido a minha intenção. 

— Imagina. — sussurrei de volta, empurrando Taehyung pelo ombro. — O Jimin é uma pessoa muito compreensiva, aquela só é a cara natural dele mesmo. — de repente, voltei a fitar Jimin e, dessa vez, elevei meu tom de voz para que ele pudesse ouvir. — Não é mesmo, maridinho?  

Naquele momento, na testa do Park, eu pude ler aquilo que tanto ansiava de sua parte: arrependimento

Ótimo, Park Jimin, agora você irá pensar vinte vezes antes de vir com vingancinhas e coisas do tipo para o lado de Jeon Soojin. 

— Quando eu posso trazer o documento? — ele indagou, desconversando.  

— Amanhã mesmo, se quiser. — Taehyung respondeu, endireitando o sobretudo agora todo amarrotado pelas minhas belas mãozinhas. — Se preferir, pode mandar entregar aqui no cartório. Digo, você deve ser um homem ocupado e... 

— Melhor ainda. — Jimin o interrompeu, já se levantando. Abotoou um botão do blazer e nos fitou. — Bem, agora nós precisamos voltar ao trabalho.  

— Agora? — eu perguntei, contrariada.  

Apesar de termos sido muito próximos na infância, Taehyung e eu infelizmente tínhamos tomado rumos diferentes e um tanto distantes um do outro em nossas vidas — digo, não era sempre que eu tinha tempo para visitá-lo em Busan e ele raramente largava aquele cartório, que mais parecia sua primeira casa do que seu ambiente de trabalho, então eram raras as vezes nas quais nos encontrávamos. Nós não nos víamos há quase uma década e, por isso, a única coisa que eu queria naquele momento era passar um pouquinho mais de tempo com ele.  

Contudo, pela expressão no rosto de Jimin, eu iria continuar só querendo mesmo. 

— Eu tenho uma reunião importante depois do almoço. — o dito cujo me respondeu. — Por falar nisso, preciso que você prepare uns documentos para mim. 

— E por acaso eu sou a sua secretária?  

Infelizmente, antes do ser humano atingir a fase adulta, ele não recebe nenhum tipo de curso ou instrução sobre o que deve ser dito e quando. Esse filtro costuma vir de fábrica, mas, no meu caso, ele veio com um grave defeito: inexistência

Tradução: quando Jimin ergueu uma sobrancelha na minha direção e me fitou com a cara de quem tinha plenos poderes para me demitir, eu soube que tinha falado besteira. 

— Brincadeirinha. — eu tentei recolher o leite derramado, forçando uma risada. — Aigoo, onde está o seu senso de humor, Park Jimin? Vamos, estamos atrasados. 

Com a pressa de quem precisava salvar o emprego, eu me despedi de Taehyung prometendo que logo entraria em contato. Ele resmungou e disse que provavelmente demoraria mais dez anos para que eu o fizesse, mas logo em seguida, quando puxei sua orelha, o Kim concordou e me deixou ir embora sem reclamar. Era verdade que eu tinha o negligenciado durante alguns anos, mas antes de partir eu fiz questão de reafirmar que passaria a encher o seu saco com maior frequência daquele dia em diante. 

Por fim, quando me dei conta, Jimin já me esperava no estacionamento, mais precisamente já atrás do volante prestes a dar partida no carro.  

É isso, Jeon Soojin: corra pelo seu emprego

 

*** 

 

— Eu não acredito isso. — resmunguei, bufando e me deixando escorregar pelo banco do passageiro mais uma vez. 

Para os leigos, vai aqui uma breve explicação sobre o trajeto Seul-Busan para aqueles que escolhem fazê-lo de carro: duas horas e alguns poucos minutos de carro, uma ponte, estrada contínua e trânsito tranquilo. Para você que acabou de presenciar a minha impaciência e não entendeu o porquê disso, aqui vai mais outra explicação: um acidente no meio da tal ponte. 

Um trajeto que ao todo levaria um par de horas, já estava na sua terceira; e nós só estávamos na metade do caminho. 

Sem contar que, claro, eu já estava verde de fome e mais algumas outras cores do arco-íris também.  

— Parece que foi feio. — Jimin comentou, fitando a tela do seu celular. Se ele não tivesse pesquisado sobre o motivo daquele engarrafamento catastrófico, nós dois ficaríamos presos dentro daquele carro sem nenhuma notícia sequer. Bem, nós ainda estávamos presos, mas pelo menos sabíamos o porquê. — A ponte está fechada nos dois sentidos.  

— Sem previsão para abrirem? — indaguei e ele balançou a cabeça negativamente. — Aish, você vai perder a reunião.  

— Que reunião? — perguntou, me fitando com o cenho franzido.  

Durante alguns segundos, eu apenas o encarei tentando descobrir se ele estava falando sério. Quando sua expressão não mudou, eu finalmente percebi o que estava acontecendo. 

— Eu não acredito! — exclamei, revoltada. — Jimin, você mentiu que tinha uma reunião só para nós virmos embora?  

Mais alguns segundos de uma interrogação estampada em sua testa, seguidos por um par de olhos arregalados.  

Aquela era a verdadeira personificação da expressão pego no flagra

— Mas é claro que não! — ele negou, mas, em seguida, não conseguiu pensar em nenhuma desculpa boa o suficiente para disfarçar a culpa. 

— Yah, você é realmente incrível. — e não era no bom sentido da palavra. — Não podia mesmo dar um pouco de tempo para dois amigos de infância que não se viam há séculos? 

Ele bufou, virando-se completamente para o mar de carros à nossa frente.  

— Amigos de infância? Parecia que vocês se conheciam até mesmo de outras encarnações... 

Espera aí, ele realmente estava tentando se defender? Porque céus, se esse for o caso, alguém precisa avisá-lo de que ele está falhando miseravelmente.  

— E se esse for o caso, o que diabos tem de errado nisso? — rebati, me virando ainda mais na sua direção.  

— Eu fui pego de surpresa! — exclamou, voltando a me fitar. — Você disse que eram amigos, mas ele lhe tratava como irmã, então eu lembrei que você uma vez contou que tem um irmão e... E a verdade é que eu não sei absolutamente nada sobre você, Jeon Soojin. — pausou e respirou fundo, ainda me encarando. — Você sabe tudo sobre a minha vida, desde o meu problema com o sonambulismo até as raízes disso no meu passado, mas eu só sei o seu nome, endereço e que o seu café favorito é o cappuccino da cafeteria da esquina. Eu sei o quão idiota isso soa, mas eu me senti exposto

Sem ter para onde correr — literalmente — Jimin abaixou o olhar e, inquieto, ajeitou-se reto no banco do motorista novamente. Provavelmente pela primeira vez em toda a minha vida, eu o fitei com apenas um pensamento em mente: ele estava certo. Eu tinha ido atrás do passado de Jimin com o discurso de que merecia saber com quem estava dividindo o meu teto e, no fim das contas, ele acabou me contando toda a sua história com riqueza de detalhes, sem contar nos documentos que havia me mostrado; e eu, em troca, tinha o mantido no escuro. Jimin não fazia ideia de quem eu era, por onde tira passado e o que tinha feito durante a minha vida e, se eu estivesse no seu lugar, provavelmente não me sentiria confortável com aquilo também. 

Claro que eu não precisava contar sobre os meus dias, carnavais e aniversários, mas o mínimo que eu poderia fazer naquele momento era me apresentar

Eu até podia não bater muito bem da cabeça, mas me esforçava para conseguir reconhecer quando era necessário dar o meu braço a torcer também.  

E, sinceramente, eu não via problema nenhum naquilo. 

— O Taehyung um dia foi meu irmão. — eu iniciei calmamente. — Apesar de só ter um único irmão de sangue, eu já vivi com muitas famílias e, por isso, posso dizer que tive vários pais, mães, irmãos... O Tae foi um deles.  

Jimin me encarou, sério. 

— Desculpe, eu não deveria ter perguntado. Não tenho nada a ver com a sua vida, então você não precisa... 

— Agora que eu já comecei, me deixe terminar, oras. Além disso, eu não tenho nada contra falar sobre essa parte da minha vida. — eu o interrompi. Em seguida, ele concordou com a cabeça e assumiu uma expressão de quem estava disposta a me ouvir. — Pelo o que eu sei, o meu pai nunca quis ter filhos. Ele e a minha mãe brigaram muito quando eu nasci, mas, como foi uma gravidez inesperada, ele não pode fazer muito a não ser aceitar. Porém, quando a minha mãe engravidou de novo, cinco anos depois, ele descobriu que ela estava mentindo. Ela sempre quis ter muitos filhos e a única saída que encontrou foi parar de tomar a pílula sem contar nada para ele.  

Enquanto eu contava aquela história, a mesma que me custou anos para conseguir contar para o meu irmão, eu me lembrava da expressão dele enquanto a ouvia. Ele nunca a compreendera por completo, já que desde sempre fora obrigado a ser acostumado a não ter nossos pais por perto, mas eu não via a mesma coisa no rosto de Jimin naquele momento. 

Ele parecia compreensivo

— Quando o meu irmão nasceu, meu pai simplesmente foi embora de casa. — continuei. — A minha mãe, que o amava feito louca, entrou em depressão e não quis mais cuidar da gente. Meu irmão ainda era um recém-nascido quando ela nos deixou na casa da nossa avó materna e também sumiu no mundo. Depois disso, eu nunca mais a vi ou tive notícias dela. 

Era impossível que um pequeno filme não se passasse na minha cabeça conforme eu ia narrando aquela história, a minha história. Fiz uma breve pausa eu me lembrar de tudo que tinha passado naquela época, o modo como a minha avó sempre teve que se desdobrar em várias para conseguir sustentar os dois netos. Ela era do tipo de pessoa que sempre nos colocava acima de tudo e, enquanto estava viva, nunca nos faltou nada. 

Mas, infelizmente, ninguém fica para sempre nessa Terra. 

— Minha avó faleceu quando eu tinha onze anos. — prossegui. — Nós não conhecíamos nenhum outro parente nosso e, assim, acabamos indo parar num abrigo e, de lá, fomos para um lar adotivo. Eles diziam que eu e meu irmão tínhamos sorte de não termos sido separados logo de cara. — pausei, não conseguindo evitar um riso fraco e nasalado. — Antes da minha avó morrer, eu prometi a ela que tomaria conta do Jungkook para o resto da vida, pois agora nós éramos a única família um do outro. Por isso, eu estava disposta a fazer de tudo para ficarmos juntos. 

Jeon Jungkook. Não importa quantos anos ele tenha hoje, que more sozinho no alojamento da faculdade e seja um homem adulto, aos meus olhos ele sempre será o garotinho de franja negra comprida cobrindo seus olhos tristes e língua embolada. Jungkook, na verdade, tinha dito sua primeira palavra apenas com seis anos de idade. 

Noona

— Nós combinamos que faríamos de tudo para não sermos adotados e, caso fossemos, não mediríamos esforços para que nos devolvessem. Assim, as famílias iam cedendo, uma após a outra, e nós sempre acabávamos de volta ao orfanato. — ri, percebendo como aquilo deveria ser triste, mas, na verdade, minha única lembrança era das mães desesperadas correndo de volta comigo para o lar adotivo. Eu realmente conseguia não ser uma criança fácil de se lidar quando queria, isso eu tenho que admitir. — Até que, certo dia, a mãe do Taehyung apareceu.  

— Ela adotou você? — Jimin indagou, se pronunciando pela primeira vez em um bom tempo.  

— Não exatamente. — respondi. — Quando disseram a ela que nós éramos os irmãos problemáticos, ela respondeu que se o problema era nos separar, então ela adotaria os dois. Aquela foi a primeira e única vez que alguém fez isso pela gente. 

— Então vocês ficaram com ela?  

— Por dois meses. — os dois melhores das minhas lembranças, eu devo dizer. — Naquela época, ela era uma funcionária importante e renomada num cartório em Seul. Quando as investigações de corrupção nos cartórios começaram, ela foi transferida para Busan sem aviso prévio e para um cargo muito abaixo do seu, pois o governo alegou que precisava de alguém com um bom histórico por lá. Ela já tinha um filho da idade do meu irmão e, com o novo salário mais toda a despesa da mudança para Busan, ela não conseguiria sustentar sozinha três crianças. A decisão do governo não era revogável, então...  

— Ela não conseguiu comprovar renda suficiente para manter vocês, não foi? — Jimin perguntou, tentando ao máximo ser cuidado no seu tom de voz e com a sua escolha de palavras. 

Como se aquilo, depois de tantos anos, ainda me doesse. 

— Exato. — respondi. — Todo mundo sofreu muito naquela época, em especial o Taehyung que já tinha se apegado a mim e ao meu irmão logo nos primeiros dias, mas não havia outro jeito. Nós voltamos para o orfanato e lá ficamos até eu me formar no colégio. Depois disso, eu consegui com muito custo uma bolsa numa faculdade e um trabalho de meio período que não me pagava muito bem, mas o suficiente para nós dois alugarmos um quarto fora daquele lugar e comermos uma refeição por dia. As coisas só se estabilizaram mesmo quando eu consegui o emprego na Maximum e pude mandar o Jungkook para uma boa universidade.  

— E quanto ao Taehyung e a mãe dele?  

— Bem, a gente manteve o contato como pôde. Ela vinha nos visitar algumas vezes por ano e eles até foram à minha formatura, mas a vida tem os seus próprios caminhos. Hoje em dia a gente só se vê quando dá, o que não aconteceu muito nos últimos anos porque eu estava sempre ocupada trabalhando feito uma louca. — de repente, quando senti o olhar envergonhado de Jimin, percebi a impressão que minha fala tinha passado e acabei rindo. — Não pelo motivo que você está pensando. Apesar de eu ser um pouco dramática, eu admito que a Maximum não é o tipo de corporação que explora os funcionários. É que no meu caso em específico eu fazia todas as horas extras do mundo para conseguir juntar dinheiro para a casa. 

— Você... juntou tudo isso sozinha?  

— O suficiente para dar entrada na casa, sim. — respondi com uma pontinha de orgulho no peito. — Eu nunca quis que o Jungkook trabalhasse, apenas que focasse nos estudos, então tudo que envolve dinheiro é por minha conta. 

Durante alguns segundos, tudo o que Jimin fez foi me encarar em silêncio. Então, os segundos viraram minutos que pareciam levar uma eternidade para passarem, mas ele permanecia imóvel me fitando. Como o trânsito não tinha andado um milímetro sequer durante todo aquele tempo, eu acabei ficando sem saída a não ser encará-lo. 

— O que foi? — eu perguntei, por fim. — Decepcionado? Desculpe, Jimin, mas essa é a única Jeon Soojin que eu tenho a oferecer. 

Acabei rindo da minha própria piada, mas o Park pareceu não a aproveitar devidamente. Permaneceu sério e me fitando com aqueles pequenos olhos que pareciam capazes de ler a minha alma. 

Aquilo deveria ser extremamente desconfortável para mim, mas, por algum motivo, não era. 

— O seu irmão tem muita sorte de ter você. — ele finalmente disse. Pela primeira vez, eu simplesmente não conseguia ler sua expressão. — Qualquer um teria. 

Bem, não era como se Jimin estivesse errado ou que eu não concordasse com ele, mas algo em sua voz e em especial nos seus olhos me parecia absurdamente diferente. Era como se ele quisesse me dizer mais alguma coisa, mas tinha dito o suficiente com aquelas palavras. 

Encarando o Park, eu só conseguia me perguntar uma única coisa: o que estava se passando naquela cabeça de fios descoloridos e bagunçados? 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

E então, o que acharam? Muitas emoções? Podem me contar, eu juro que não mordo!

Até ♥