Até o Amanhecer escrita por hina dono


Capítulo 1
Capítulo Único


Notas iniciais do capítulo

Dia 3 - heróis



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Hinata ainda estava em choque pela luta que tinha assistido há algumas horas, transmitida em tempo real pela internet.

O herói número 1, All Might, tinha finalmente sido vencido. Mas não por um inimigo, e sim pela sua própria fraqueza.

Um arrepio incrédulo perpassou pelo seu corpo ao lembrar-se do momento em que o Simbolo da Paz "murchou". Literalmente.

Como aquilo era possível? Há quanto tempo ele estava naquela condição? Como conseguiu escondê-la por tanto tempo? Dezenas de perguntas iam e vinham em sua mente, nunca trazendo uma resposta, no entanto. Infelizmente, ela não poderia passar mais tempo pensando nisso. Seu pai não permitiria.

Enquanto para o resto do mundo aquele era um dia de luto, devido a perda do Simbolo da Paz, para sua família, aquele acontecimento nada mais era que a oportunidade que sempre esperaram: a de elevar um Hyuuga ao status de número 1.

E ela tinha sido a escolhida.

Durante aquela reunião emergencial, foi decidido que Hinata seria o novo rosto a representar os Hyuuga - a família de Heróis mais proeminente dos EUA.

Por mais que tentasse, não conseguia ver tal notícia com bons olhos. Como se orgulhar de ser a representante de uma família que, apesar de levar a alcunha de heróis, em nada se pareciam com um?

Hinata suspirou internamente. Se ao menos tivessem permanecido no Japão...

Os Hyuuga vinham de uma  longa e respeitada linhagem de heróis, tendo as últimas três gerações servido fielmente ao Estado. Isso até o atual líder da família e seu pai, Hiashi Hyuuga, se indispor além do recomendado com o governo, tendo a sua Licença Pro-Hero revogada pelo mesmo em forma de retaliação.

Segundo o governo japonês, o Hyuuga seguia uma doutrina extremista, totalmente contrária ao conceito de "herói" que havia moldado a sociedade moderna. Embora nenhuma acusação formal tenha sido feita, um rumor sobre Hiashi ensinar seus associados a matar os vilões ao invés de prendê-los correu como chama em palha seca durante algumas semanas.

Hinata tinha 10 anos na época, mas lembrava-se muito bem dos olhares tortos que os membros da família recebiam quando ousavam sair de casa, e de como, por muito tempo, não lhe foi permitido ligar a televisão. Agora que pensava nisso, a mídia deve ter tido um papel fundamental na decisão tomada pelo pai.

Não suportando a humilhação, Hiashi saiu do país, sendo seguido por toda a família Hyuuga.

Por mais que Hinata não concordasse com muitas das novas regras do Clã, não podia negar que a lealdade dos membros ao Chefe era admirável. E agora essa lealdade lhe seria direcionada - não totalmente, contudo, já que ainda não havia assumido a liderança de fato. Mas ainda assim...

— Entendeu, Hinata?

A voz de seu pai a despertou de suas ponderações, trazendo-na de volta para a enorme sala de reuniões da mansão Hyuuga.

— Hai! - respondeu firmemente, como se não tivesse desviado sua atenção nem por um segundo.

— A família está contando com você, Hinata - ele alertou. - Tenha o bom senso de não estragar tudo.

— Farei o que tiver de ser feito - disse. - Todavia, espero que os senhores estejam cientes de que poderá haver divergências entre o que deve ser feito e o que a família quer que eu faça, e que eu não hesitarei em seguir um caminho não planejado previamente pelos senhores.

Hiashi estalou a língua em desagrado, murmurando um "criança insolente" em seguida. Porém, Hinata não recuou. Não era mais uma criança assustada. Agora era uma mulher feita; a época em que podia ser facilmente manipulada pelo pai tinha ficado para trás, junto com sua inocência.

Sabia que eles precisavam dela e usaria isso a seu favor para obter mais liberdade na hora de agir.

Como o esperado, Hiashi não disse nada além daquilo. Ele, mais do que ninguém, sabia o quão necessária a filha era para seus planos.

Ele não queria somente elevar ainda mais o status da família. Queria limpar a mancha que recaiu injustamente sobre o seu  nome. Almejava que um dos seus recebesse o título de Herói Número 1 porque isso enviaria um recado aos seus inimigos no  Japão: nós vencemos!

Embora nunca fosse admitir em voz alta, ainda sofria por ter sido traído, humilhado e socialmente condenado. Seu único crime foi apontar as falhas óbvias no sistema que regia os heróis e oferecer uma solução. Uma não muito ortodoxa, admitia, mas ainda assim... Sua família havia servido aquele país por anos! E na primeira oportunidade, eles os enxotaram, obrigando-os a se retirarem de seu país de origem e venderem-se para os americanos.

Ah, como ele odiava aquele lugar!

Agora os Hyuuga, outrora uma família tão tradicional e patriótica, faziam parte de uma iniciativa privada, oferecendo seus serviços a quem pagasse mais. Uma decadência, sabia bem disso. E era justamente por estar ciente de como eram vistos pela população que havia escolhido Hinata, e não seu sobrinho prodígio, Neji, para cumprir aquela missão. Eles precisavam de alguém que, além de forte, soubesse se conectar com as pessoas. E Hinata possuía tal característica. Com a ajuda dela, o bom nome da família seria recuperado aos poucos.

O homem permitiu-se um pequeno sorriso. Quão irônico era que a característica que ele mais odiava na filha e tentou apagar durante anos acabaria por tornar-se extremamente útil ao Clã...

— Faça como quiser - falou, recuperando sua pose firme. - Só lembre-se de não passar dos limites. Você não é insubstituível - concluiu.

E daquela forma, com uma ameaça explícita, como era costume na família Hyuuga, a reunião foi dada por encerrada.

***

Ela andava pelos becos escuros de um dos bairros mais perigosos da Cidade do Fogo com a confiança de quem já tinha feito aquilo dezenas de vezes.

E de fato o tinha. Embora seu trabalho como heroína não exigisse que patrulhasse lugares como aquele, seu desejo inato de ajudar os que precisam e não apenas os que pagam para serem protegidos, sempre falou mais alto, levando-na a desobedecer ordens diretas do pai e sair de fininho durante a noite para cumprir com essa tarefa auto-imposta. Fez isso durante dois anos inteiros até ser pega e sofrer duras represálias por parte do pai. Depois dos acontecimentos daquela noite, 12 anos antes, Hinata nunca mais ousou voltar para aquelas ruas.

Até agora.

O momento era crítico demais para que ela ficasse novamente parada sem fazer nada. Precisava encontrá-lo.

Estava ciente de que havia a possibilidade de ele não aparecer, mas preferia confiar na sensação em seu peito que lhe dizia não ser a única precisando desabafar. Não depois da terrível notícia que havia abalado as estruturas de todo o mundo. Não depois de saber que o herói de ambos, aquele que os uniu, ainda que indiretamente, estava morto.

Bem, All Might não tinha realmente morrido, mas... Apesar dele ter esforçado-se para manter a pose até o final, qualquer um podia dizer: aquele tinha sido o último ato do Simbolo da Paz. Depois daquela luta, as cortinas foram fechadas. Para sempre.

E Hinata sabia, no fundo de seu coração, que este acontecimento, protagonizado pela mesma pessoa que os uniu certa vez, seria o responsável por separá-los definitivamente. A relação de ambos, que por algum tempo esteve estagnada, voltaria a mover-se... em caminhos ainda mais opostos.

Por isso estava ali, naquele lugar que por dois anos serviu como ponto de encontro para eles até que seu pai descobrisse e arruinasse tudo. E quando sentiu a presença dele, teve certeza que os seus sentimentos - ainda que apenas os referentes àquele assunto - eram recíprocos. 

No fim da rua, um homem sem camisa, vestindo apenas uma calça e uma máscara de raposa, estava parado com as mãos nos bolsos.

— Há quanto tempo, Hyuuga... - disse ele, calmamente. - Três anos? Quatro?

Ao ouvir aquela voz depois de tanto tempo, Hinata agradeceu imensamente ao pai por tê-la treinado exaustivamente na arte de ocultar seus sentimentos. Se não fosse isso, provavelmente teria chorado de tristeza por tudo o que poderia ter sido e não foi.

Entretanto, como havia sido treinada, nada deixou transparecer. E quando respondeu ao cumprimento dele, sua voz soou alta e firme; segura:

— Menma... Como tem passado desde que tentou me matar?

Ele sorriu, ela tinha certeza disso. Ainda que seu rosto estivesse protegido por uma máscara, e houvesse anos de distância entre os dois, ela sabia que ele sorria. Podia sentir o divertimento que emanava daquela pessoa. E tal divertimento ficou ainda mais evidente pela seguinte frase:

— Vejo que ainda guarda rancor.

— Pois se engana. Não guardo rancor. Eu teria te matado primeiro caso tivesse tido a chance.

Dessa vez a risada veio alta, apesar de um pouco abafada pela máscara.

— Você pintou o cabelo... - deixou escapar. O som da risada dele tinha perturbado-lhe mais do que pensou.

— Não tenho tempo para conversa fiada, Hyuuga - comentou, perdendo todo e qualquer traço de divertimento.

Recuperando o controle sobre si mesma, Hinata passou a andar em direção a ele, mas não parou quando o alcançou. Ao invés disso, continuou seguindo em frente, seus passos calmos levando-a para um lugar já bem conhecido por ambos.

No caminho, viu algumas pessoas amontoadas em pequenos grupos - uns aquecendo-se no calor de papelão queimando dentro de tambores, outros  fumando e bebendo. Partiu seu coração ver tantas crianças naquele meio. Mas não deixou que isso transparecesse em seu rosto. Não tinha permissão para sentir pena delas. Não depois de tê-las abandonado por anos.

Assim, seguiu em frente, ignorando todos os olhares que recebia. Nenhum deles se atreveria a mexer com ela, e mesmo que fizessem, podia muito bem defender a si mesma. Quinze minutos depois, chegou ao seu destino: um container escondido na floresta ao norte de onde haviam se encontrado. Foi impossível não parar para observá-lo. Tanto tempo se passou, mas aquele pequeno esconderijo continuava o mesmo. Na verdade, parecia até mais apresentável, como se tivesse sido pintado...

Hinata reprimiu um ofego de surpresa. Será que ele...?

Ao perceber que ela tinha estagnado, Menma a ultrapassou, abriu a porta do container e entrou nele sem nenhuma hesitação, deixando-a para trás.

Hinata não o seguiu de imediato. Pela primeira vez desde que saiu de casa aquela noite, a insegurança a atingiu em cheio. O que diabos estava fazendo? Aquele homem não era mais o garoto que tinha conhecido logo que chegou aos Estados Unidos. De aspirante à herói, ele tinha passado a ser o vilão mais procurado do país! Inclusive, no último encontro dos dois, ele tinha tentado matá-la - depois, é claro, de ter matado a sangue frio o seu empregador.

O que estava fazendo ali?!

Menma não a apressou, o que serviu apenas para contrariá-la. O silêncio dele era um desafio. Mais do que isso, era um aviso de que o que quer que acontecesse ali, seria tão culpa dela quanto dele.

— Tsc.

Decidida a não pensar mais a respeito, deu os cinco passos finais que a distanciavam do container e adentrou o local, sendo recebida pela escuridão e pelo pressionar violento de um corpo contra o seu.

Todos os seus sentidos alarmaram-se pelo ataque repentino, mas ela não reagiu. Seu corpo podia duvidar, mas seu coração sabia: ele não lhe faria mal. Pelo menos não naquela noite.

Apesar da diferença de altura, os lábios de ambos roçavam-se em uma provocação luxuriosa, a qual Hinata tratou de dar fim,  rompendo todas as barreiras entre eles e o beijando fervorosamente.

Não foi um beijo gentil. Foi agressivo. Tão doloroso quanto a história entre eles.

Enquanto o beijo prosseguia, evoluindo para algo mais quente, as memórias jorravam. A cada encontro de línguas, mordidas e chupadas, Hinata lembrava-se de como foi conhecê-lo em uma de suas escapadas de casa. Lembrava-se da surpresa que sentiu ao ouvi-lo dizer que desejava ser um herói mesmo que não possuísse uma Individualidade, e de como, ao vê-lo em ação, pensou que seria bem capaz que ele conseguisse realizar tal sonho.

Enquanto roupas eram rasgadas e marcas começavam a surgir em ambos os corpos, Menma lembrava-se da época em que ainda não era Menma - o vilão, e sim Naruto - o garoto órfão que sobreviveu às ruas e que sonhava em conseguir  entrar em um colégio para heróis mesmo sem ter uma Individualidade. Quer dizer, sem que soubesse ter uma Individualidade, já que depois daquele dia o poder adormecido dentro de si finalmente despertou.

Ao lembrar-se do ocorrido naquela fatídica noite e nos acontecimentos que a sucederam, ele encheu-se de raiva. Sentiu as unhas de seus dedos alongarem-se, transformando-se em garras, e o monstro dentro de si remexer-se, inquieto.

Ela deve ter sentido o perigo iminente, pois o ar tornou-se mais denso, como se correntes invisíveis de pura energia natural estivessem prendendo-o, tirando-lhe o ar.

— Menma...

Em resposta ao aviso dela, ele voltou a beijá-la, ignorando a queimação em seus pulmões. Percebendo que ele tinha se acalmado, ela desativou sua Individualidade, libertando-o daquela sensação claustrofóbica.

Livres de indecisões, entregaram-se novamente ao desejo absurdo de ter um ao outro. Pela primeira e última vez.

***


Seis da manhã. O sol não demoraria a nascer, trazendo com ele a luz que mostraria o quão odiosa ela era por ter feito aquilo. E, principalmente, por não se arrepender nem um pouco...

Afastada dele, que permanecia deitado no pequeno colchonete no chão, Hinata vestia suas roupas. Ou melhor, o que sobrou delas.

Ainda sem se virar, criou coragem para perguntar:

— O que fará agora?

Sabia que não deveria ser tão curiosa - a resposta com certeza não seria boa -, mas, depois de tudo o que fizeram, não conseguia simplesmente não se importar.

— Vou pro Japão - respondeu depois de alguma hesitação. - As coisas por lá ficarão bem interessantes agora. E você?

É. Ela realmente não deveria ter perguntado.

Virando-se para trás, o encarou com firmeza e disse:

— Eu irei trilhar meu caminho até o topo.

— Entendo... - murmurou. Depois, levantou-se e caminhou até ela, ainda nu e com um sorriso convencido no rosto, e afirmou: - Nos encontraremos lá então.

Dito isso, ele a beijou novamente. E Hinata retribuiu, afinal, ainda restavam alguns minutos até o amanhecer. Quando o sol alcançasse sua plenitude, culparia a escuridão pelos seus erros.


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Notas finais do capítulo

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