Su.fo.car escrita por Zatanna


Capítulo 1
Única Noite — Queima




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No silêncio da noite, quando os olhos se cerram, um arrepio cresce. Mas não se sabe de onde vem ou por qual razão existe. Ele está lá. Afobado. Apressado. Esperando o bote. Os olhos continuam fechados, porque é mais fácil se deixar levar por suas aspirações do que pelo que ocorre a volta. Você fecha. Fecha com mais força e vê se alivia a tensão, se sua imaginação te leva para outro lugar.

Você quer voar,

mas não consegue alçar.

Então, você retorna para o mesmo lugar. Seus olhos continuam fixos na escuridão que você autoproclama para si, sabendo o que está por vir. Sabendo que é melhor ser cego em uma terra que quem tem olhos é amaldiçoado. Você espera. Vem o silêncio. Você pensa em abrir o olho, mas de novo não consegue. O medo é sufocante de tantas formas que o próprio medo já se tornou múltiplo.

O silêncio é pior do que o barulho.

O barulho mostra vida,

o silêncio não mostra nada.

Você sente a vontade de chorar. Sua garganta resseca pela tentativa de não o fazer. Se não mostrar nada, está tudo bem, porque ninguém sabe. Não é apoio quando há silêncio. Mas seu silêncio desespera outros tão cegos quanto você. Você volta a esperar, temendo e tremendo.

Você escuta um sussurro. Dois. Três. De uma mesma pessoa. É um pedido de ajuda e de raiva. Você estanca até mesmo no seu movimento parado. Estar parado é como se movimentar, mas não há nada. Parado ainda se escuta, ainda se respira: ainda se sabe, mesmo que seja cego.

O sussurro se torna voz de choro e você ainda escuta. Você quer só escutar, mas ouve. Com atenção. Mais uma vez, seus olhos se enchem de lágrimas. É possível reconhecer a voz una que se tornou duas, três, quatro. Você respira, tentando fingir que não é com você. Você se safa, você passa, só se manter em silêncio, fingir que nada viu e nada aconteceu.

Mas algo te toca.

Você tem medo do que te toca,

mas quer ainda ficar parado. Tentar alcançar os sonhos é a medida mais prática para fugir dos pesadelos da realidade.

Duas mãos cercam o seu pescoço. Apertam. Com. Força. Os gritos e sussurros lamuriosos se tornam mais altos. Mais audíveis. Mais sufocantes.

Você percebe que pode fugir,

mas não pode se esconder de si mesmo.

Sufoca, sufoca. Seu corpo inteiro se arrepia com a quentura das mãos enquanto você está cada vez mais fria. As lágrimas vêm aos montes e os gritos – que não seus – conseguem te superar.

Por mais que você tente respirar, é impossível.

Por mais que você tente não ouvir, é impossível.

Por mais que você tente imaginar, é impossível.

Por mais que você tente não ver, com seus olhos cerrados,

Você se torna o cego homérico: aquele que quanto mais se cega, mais é capaz de ver. E sufoca. Simplesmente sufoca,

Enquanto o que você foi se queima.

Você se queima até não querer existir mais.


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