por nós, quer-nos, oprime-nos escrita por houdini


Capítulo 3
III: por nós, separa-nos.


Notas iniciais do capítulo

Terceiro fragmento, boa leitura!



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p o r n ó s, q u e r n o s, o p r i m e n o s — III

Entre dias chuvosos, de neblina e apreensão, Emídio percebe que há pressa nos movimentos de Calisto. Não a pressa convencional que o rapaz tem ao se distanciar de execuções em praça pública, por exemplo; mas, sim, a pressa que um possui quando está a querer evitar ou fugir de alguma coisa.

Seja no momento em que ele sai de casa para trabalhar como ajudante na feirinha de dona Laurinda, seja quando ele volta em horários irregulares para casa, com olhos fatigados e mãos calejadas em excesso, tudo parece anormal — e é como se o presságio de uma calamidade estivesse caindo em seu colo.

A rotina deles, pouco a pouco, se despedaça em frangalhos; frangalhos estes que Emídio não tem certeza se conseguirá desvendá-los.

Assim, com a cabeça cheia de dúvidas, o jovem põe-se a dormir, repousando na cama que (ao menos naquele instante) parece ser feita de pedra. Não tem certeza do momento exato em que apaga, mas nota, tempos depois, que acorda no meio da madrugada — e, desde então, os olhos se recusam a fechar.

Emídio só decide se levantar quando escuta um barulho vindo da cozinha. A passos mortalmente lentos devido ao medo, aproxima-se com cuidado para não chamar atenção do que quer que estivesse lá.

E, dessa forma, ao espiar com o canto do olho o cômodo, encontra Calisto, acordado, a organizar várias coisas espalhadas acima da mesa de madeira dentro de uma espécie de bolsa.

Emídio comprime um grito assustado ao vê-lo segurar um frasco com um líquido de cor misteriosa dentro dele; segura o coração com uma mão; se apoia na parede com a outra; solta o ar que segura e, por fim, decide adentrar a cozinha.

Quase tropeçando, murmura, com a boca seca, “Calisto...?”

Calisto dá um pequeno salto pela surpresa; entretanto, logo passa a encará-lo com um rosto impassível ao finalmente fechar a mala. “Emídio.”

“O que...” Emídio hesita, sentindo as pernas pesadas demais — tal como se estivessem amarradas ao chão. “O que... você acabou de guardar aí?”

Calisto estuda o seu receio da cabeça aos pés. A boca dele só abre para, de maneira frustrante, fechar-se uma vez mais.

Preso naquele infinito segundo, Emídio sente seu interior se contorcer como se estivesse sendo castigado. Ao primeiro movimento do seu amigo — de pendurar a bolsa por detrás das costas — lembra-se de que, independentemente do rumo daquela situação, Deus está ali com ele.

Por isso, ao respirar fundo, ele comenta assertivo, “Por favor, me diga.”

Diante de tal sinceridade — de que parece, de algum jeito, querer entendê-lo — Calisto sente uma gota de suor frio escorrer pelo pescoço. É como se estivesse preso em um beco sem fim; como se estivesse despido. “O que pretende fazer caso saiba?”

“Eu não sei,” Emídio confessa, sentindo-se vencido. “Mas, acima de tudo, quero poder acreditar em você, Calisto.”

Encaram-se, procurando encontrar pontos fracos no argumento do outro. No fim, num fio de voz que denuncia pesar, Calisto sussurra, “Desculpa, Emídio. Mas não; você não entenderia.”

Com essas palavras, Emídio o observa se distanciar, se distanciar, se distanciar, até chegar à entrada da moradia. Por ela, sai; por ela, antes do dia acordar, Calisto vai embora sem lhe dizer adeus.

E a Emídio, atordoadíssimo, perdido em pensamentos, resta ficar.


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Notas finais do capítulo

Obrigada por ler!



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