p o r n ó s, q u e r n o s, o p r i m e n o s — II

São feitas rondas, à procura de indivíduos que se desvirtuaram dos caminhos propostos pelo catolicismo, pelo menos uma vez na semana pelas ruas das cidades portuguesas. Coimbra não é exceção à regra e, por isso, é frequente para seus habitantes se depararem com notícias sobre novos achados nos jornais locais.

Emídio é todo sobre se informar sobre esse tipo de assunto; pois, para se tornar um futuro padre, é preciso ficar de olho em todas as ações que a igreja constantemente toma. Já para Calisto, fica o trabalho de ler as matérias das quais acaba não tendo um interesse tão profundo assim.

“Parece que encontraram uma família suspeita de praticar bruxaria bem próximo daqui,” ele murmura, passando uma mecha do cabelo castanho para trás. “Mas ainda estão investigando. Que nervoso. Espero que averiguem isso logo.”

Calisto não o olha, continuando a ler impassivelmente o jornal emprestado do outro. Após uma linha em particular, ele bufa com indignação. “Por que continuam insistindo em nos noticiar sobre a vida fútil da família real? Isso é ridículo.”

A linha de raciocínio entre eles se difere em várias partes e, por conta disso, os dois não sabem exatamente o que responder um para o outro; contudo, conviver daquela forma se mostra suficiente para os dois.

Antes órfãos, depois cuidados por Dália — uma freira que trabalhava como costureira nas horas vagas — juntos a mais outras crianças, Emídio se viu crescer ao lado de Calisto até o dia em que ambos decidiram alugar uma residência com dinheiro ganhado em trabalhos pequenos.

A ideia de morarem juntos veio do próprio Calisto que, sonhando com o ensino superior, achou que seria mais viável que partilhassem as despesas geradas pelos impostos de se morar na cidade — assim poderia guardar dinheiro para pagar uma futura faculdade. Emídio amplamente aceitou aquilo, e não poderia ter tido melhor decisão.

Pois ainda que possuíssem suas diferenças — suas divergências, suas discordâncias, suas discrepâncias — a companhia de Calisto fez, faz e fará parte do seu edifício inteiro pelo resto de seus mortais dias.

Resta-lhe saber se é para bem ou para mal.