Memento Mori escrita por EsterNW


Capítulo 4
3.0 - Smoke and mirrors


Notas iniciais do capítulo

Hallo hallo, meu povo! E chegamos mais uma vez com mais uma aventura em Memento Mori! Hoje vamos fazer uma visitinha à turma clássica da Unit :D
*A música que toca durante o capítulo é a mesma da epígrafe. Vou deixar a tradução junto com o link do YouTube nas notas finais.
Boa leitura ;)



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/770018/chapter/4

“Então a porta se abriu e o vento apareceu
As velas foram assopradas e então desapareceram
As cortinas voaram e então ele apareceu (dizendo 'não tenha medo')
Venha, querida (e ela não temia)
E ela correu para ele (então eles começaram a voar)”

— Don’t Fear (the Reaper), Blue Öyster Cult

 

QG da UNIT, Inglaterra, 1973.

O barulho de teclas dentro daquela sala era quase infernal. Clara já estava cansada de tanto ouvir o “tec tec” das máquinas de escrever, que apostava que quando fosse embora para casa, aquele barulho ainda estaria ecoando em seus ouvidos. E também tinha certeza que os seus dedos estariam doloridos de tanto afundá-los naquelas teclas duras. E pensar que ela ainda teria ao menos mais uma meia dúzia de relatórios para digitar... Fora as pausas que ela fazia vez ou outra para atender uma ligação.

Em um breve segundo de distração, olhando para sua colega de trabalho que colocava tachas em um mapa fixado na parede — aliás, o que Sharon estava marcando naquilo mesmo? Aquele dia estava tão movimentado, que Clara até chegava a confundir os chamados —, acabou errando uma linha no texto que digitava. Praguejando, arrancou a folha da máquina e jogou-a no lixo, junto de mais algumas bolas de papel largadas no cesto. Com um bufar, pegou outra folha limpa e começou a encaixá-la na máquina, rodando o mecanismo para deixá-la na linha desejada.

Estralando os dedos, olhou ao redor, vendo que todos naquela sala estavam mais ocupados em seus trabalhos, fosse digitando relatórios iguais a ela, falando ao telefone — que nunca paravam de tocar — ou pregando tachinhas em mapas na parede. Com um suspiro profundo, sentindo uma dor no pulso e em toda a extensão da mão, decidiu que precisava de um café. Cinco minutos, apenas isso.

Levantou-se e atravessou a sala, sendo ignorada por todos, que estavam mais preocupados em seus próprios trabalhos. Pegou um dos pequenos copos e encheu de café. Levou-o até a boca e fez uma careta, sentindo o sabor amargo causar-lhe um arrepio. Quem preparou aquilo?!

— Senhorita Oswin — Sargento Benton a cumprimentou, parando ao lado da morena e pegando um copinho descartável.

— Sargento Benton — ela devolveu o cumprimento tentando esboçar um sorriso, mas o máximo que deve ter conseguido foi fazer uma careta, ainda sentindo o amargo do café impregnado na boca. — Que dia movimentado hoje — continuou puxando conversa com o sargento. Distraída, acabou tomando outra golada de café, fazendo mais uma careta. Ela devia atirar aquilo no lixo...

— Nem me fale — o homem soltou como em uma risada soprada. — O Brigadeiro está quase soltando fogo pelas ventas com o Mestre atacando novamente. — Benton encheu o copinho de café e tomou, fazendo uma careta logo em seguida. — Nunca acertam no ponto desse café — reclamou e Clara assentiu em concordância, jogando seu copo plástico na lixeira. O sargento ao seu lado fez o mesmo.

Decidido a beber algo, encheu dois copos plásticos com água, dando um à secretária. Ela agradeceu e bebeu, aliviada por tirar um pouco daquele gosto da boca.

— Ele de novo? — retorquiu a informação. Devia ser pelo menos... A segunda ou terceira vez que aquele tal de Mestre atacava a Terra. Só naquela semana.

O sargento assentiu, terminando de beber a água em um gole só e descartando o copo.

— O Doutor está trancado no laboratório dele, tentando inventar algo para reverter a máquina que o Mestre criou — ele explicou a situação por cima, talvez um pouco com pressa.

Clara abriu a boca para continuar a conversa, quando a voz do Brigadeiro Lethbridge-Stewart trovejou na sala, alarmando a todos:

— Benton! — Na mesma hora, o sargento se virou, de prontidão ao chamado. — Chame Yates e reúna alguns homens, o Mestre está no prédio. Rápido, homem! — ordenou e, de prontidão, Benton saiu o mais rápido para cumprir o que lhe fora designado.

Clara apertou o copo, esmagando o plástico vazio. Diferente de alguns naquela sala, ela não sentiu medo ao saber que um inimigo tão perigoso estava à solta no mesmo prédio que ela. Clara sentiu... Ela não sabia o que era aquilo que sentia em suas entranhas.

— Não saiam dessa sala e não deixem que nenhum que não seja conhecido entre — o Brigadeiro orientou e todos assentiram, respeitosos com sua autoridade. — Não há motivos para pânico — ele tentou suavizar, contudo, não foi suficiente para acalmar alguns dos funcionários.

Com mais algumas orientações, saiu da sala apressado e, como Benton bem havia dito, quase soltando fogo pelas ventas. Que audácia daquele senhor do tempo de invadir a sua UNIT!

Clara apenas observou a figura do Brigadeiro atravessar a porta e jogou o copo no lixo, dirigindo-se de volta para sua mesa e com os olhos fixos na porta pela qual o homem havia acabado de passar. Ao seu redor, alguns tentavam retornar ao trabalho, enquanto outros conversavam entre si sobre o momento que passavam. A tensão se instalou no ambiente e ela sentia isso em seus ossos.

Os minutos a seguir pareciam transcorrer lentamente, enquanto aquela fumaça tensa começava a dissipar-se lentamente, sem notícias ou qualquer outra coisa do que estava acontecendo. Clara sequer conseguiu completar uma linha do relatório que devia digitar, com a mente ocupada entre avaliar o tempo que passava no relógio e manter os sentidos alertas para qualquer coisa. Qualquer ínfima coisa...

Aquela nuvem de tensão realmente virou fumaça quando uma explosão ocorreu em um dos corredores, chacoalhando o prédio. Os funcionários se alarmaram, erguendo-se de suas cadeiras e preenchendo o silêncio que se seguiu com as suas vozes. Em seus ouvidos, Clara apenas ouvia um leve zumbido, causado pela altura da explosão. Enquanto alguns se preparavam para sair da sala e ver o que estava acontecendo, ela apressou-se e correu em disparada pelo corredor, deixando todos aqueles para trás e um ou dois outros funcionários que vinham atrás dela.

Clara sentia como se seu instinto empurrasse-a na direção em que a explosão ocorrera. Ela poderia muito bem ter ficado na sala e esperado junto com os outros para saber o que havia acontecido. Mas não. Algo a chamava, como se alguém precisasse dela e a jovem Oswin, sem pensar duas vezes, resolveu seguir o chamado de seu instinto.

No meio do caminho, começou a ouvir uma música em um volume alto — quem era o maluco que estava com o som ligado em uma situação como essas? — , que ia aumentando conforme mais perto chegava de onde sua intuição a levava. E ela estava certa, afinal, começava a sentir um cheiro horrível quanto mais se aproximava, fazendo sua garganta e o nariz arderem.

"Come on baby, don’t fear the reaper

Baby take my hand, don’t fear the reaper

We’ll be able to fly, don’t fear the reaper

Baby I’m your man"

Virando o corredor, ela trombou com tudo com um homem que vinha com a maior pressa possível na direção oposta. Clara caiu de bunda no chão com a força do impacto e o homem de cavanhaque e cabelos negros mal pareceu se abalar, recuperando-se rapidamente e voltando a correr, como se sua vida dependesse disso. Espera, aquele não era...

Clara ignorou que aquele era o Mestre, afinal, os soldados que corriam pelos corredores dariam um jeito nele. Daquele prédio o senhor do tempo não sairia.

Sentindo seus instintos apitarem, junto do som estridente do solo de guitarra da música que continuava tocando a todo volume, levantou-se e voltou a correr, com a sua garganta ardendo ainda mais e uma fumaça começando a fazer seus olhos arderem. O ar parecia sufocante, literalmente. Era compreensível porque não vira ninguém por ali.

"Love of two is one

Here but now they’re gone

Came the last night of sadness

And it was clear she couldn’t go on"

Com sua garganta e os olhos ardendo com a fumaça cada vez mais densa, que chegava a ser um ser constante nos corredores largos, a música ia ficando mais alta e a voz do vocalista mais clara e ela finalmente enxergou a fonte de toda aquela nuvem tóxica: uma sala. Que, não sabia ela, mas era usada como laboratório de outro senhor do tempo, este, consultor científico da UNIT, o Doutor.

"Then the door was open and the wind appeared

The candles blew then disappeared

The curtains flew then he appeared, saying don’t be afraid"

Já tossindo e sentindo como se sua respiração fosse trancar, e com a cabeça doendo pela música extremamente alta e por tudo o que ocorria naqueles instantes, ela atingiu o umbral da porta, vendo a maior parte daquele cômodo destruído: vidro pelo chão, instrumentos químicos despedaçados, coisas caídas pelo chão, um rádio tombado — de onde saia a música —, papéis em chamas, e uma caixa azul imponente no canto da sala, sequer afetada pelo que quer que fosse que explodira ali dentro. Próximo ao objeto intrigante, viu um homem alto, com os cabelos brancos e casaco de veludo, caído no chão. Mesmo que ela estivesse quase colocando os próprios pulmões para fora, mal conseguindo inspirar direito com o ar enfumaçado que parecia queimar-lhe por dentro a cada respiração, resolveu tirar o senhor do tempo dali.

Chutando algumas peças metálicas enquanto passava, abriu caminho até o Doutor — ela reconhecera de tê-lo visto algumas vezes pelos corredores da UNIT. Mesmo que nunca houvessem conversado antes —. Não tendo tempo para abaixar e checar seus sinais vitais, afinal, a jovem sentia que mal ia conseguir se manter por muito mais em pé, com suas entranhas em queimação e o ar faltando-lhe, ela começou a arrastar aquele homem, que não passava de um mero colega de trabalho, para fora da sala.

Clara começou a sentir o canto de sua visão escurecer, talvez de tanto inalar aquela fumaça de origem desconhecida. Com as últimas forças que ainda mantinham suas pernas curtas firmes, usou-as para continuar arrastando o senhor do tempo em direção ao corredor.

"Come on baby, and she had no fear

And she ran to him, then they started to fly

They looked backward and said goodbye, she had become like they are

Come on baby, don’t fear the reaper"

A poucos passos da porta, sentiu sua visão ficar ainda mais negra, enxergando o que sobrava da sala como um mero borrão, como se tudo tivesse sido enevoado pela fumaça. Com a última força que mantinha seus pés no chão, ergueu o braço, que parecia pesado como chumbo, e apertou o botão de alarme de incêndio na parede. Logo, um alarme começou a soar estridente, sobrepujando até mesmo a música e a guitarra fina, com a canção que ia de encontro ao fim, como uma trilha sonora estranha para aquele momento.

Seu braço que estivera erguido voltou molenga para perto do corpo e ela sentiu o aperto que segurava o casaco do Doutor, com sua outra mão, escorregar, fazendo com que o corpo enorme do homem caísse e ela tombasse junto, sem força nenhuma e sufocando com aquela fumaça tóxica.

Enquanto sua visão se tornava completamente escura e ela não enxergava mais nada, caindo completamente para a inconsciência, passos de homens apressados corriam em direção ao laboratório.

Logo, o Brigadeiro, capitão Yates e outros soldados chegaram até a cena. Por mais que eles ordenassem que os dois fossem removidos imediatamente e levados para atendimento médico, de nada adiantou para a jovem secretária.

Com um sistema respiratório diferente do dela e dos humanos, o Doutor conseguiu sobreviver. Tudo graças a uma jovem colega de trabalho, corajosa o suficiente para seguir seus próprios instintos e ajudar um homem que mal conhecia.

Se não fosse por Clara ter soado aquele alarme e atraído a atenção para aquela direção, talvez ele não estaria vivo para um embate com o Mestre mais uma vez.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Don't Fear (the Reaper), Blue Öyster Cult: https://youtu.be/PVn6b9QQZeM
Tradução: https://m.letras.mus.br/blue-oyster-cult/4681/traducao.html

*No último arco com o Segundo Doutor, the War Games, ele foi condenado ao exílio na Terra. Já regenerado no Terceiro Doutor, ele trabalhava como consultor científico para a Unit.

O capítulo de hoje foi um pouco diferente dos dois anteriores, espero que tenham gostado, porque vou tentar diversificar um pouco a cada cap :D Qualquer dúvida, sugestão, crítica ou se quiser papear comigo, fique à vontade nos comentários :D Falando neles, muito obrigada aos que comentaram nos capítulos anteriores ♥
Alguns podem estar se perguntando: por que é que tinha um rádio ligado no laboratório do Doutor? Ai eu venho com três opções: o próprio Doutor resolveu ligar; a Jo Grant, companion dele, comprou um rádio para mostrar a ele a música da "moda" na época; ou o Mestre ligou a música nas alturas só pra infernizar o Doutor. Sou a favor da última opção -q
Até semana que vem, povo o/