Memento Mori escrita por EsterNW


Capítulo 10
8.5 - Choices


Notas iniciais do capítulo

Hallo hallo, meu povo! Olha só quem está de volta! Eu sei que hoje não é domingo, ainda, maaas, como esse cap é um pouco mais curto do que o habitual das últimas semanas, decidi liberar outro lá por quarta feira, que tal?
Antes de tudo, já repararam no número do título desse capítulo? Pois é, como alguns leitores chegaram a supor, teremos sim um capítulo com o War Doctor, porque ele também é um Doutor e não merece ficar de fora!
Porém, lembremos que a Clara nunca o tinha visto até o momento em que o Doutor a resgatou de dentro da linha do tempo dele, certo? Entoon, esse cap NÃO É com um eco da Clara, mas com a Clara "original", durante o especial de 50 anos da série, The Day of the Doctor. Inclusive, os diálogos desse cap vêm diretamente do episódio :B
Agora deixemos de falatório e vamos ao que interessa xD Boa leitura ;)



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“E a vergonha caiu ao seu lado,

Oh, nós podemos vencê-la,

Em todos os momentos.

Então somos heróis

Por todo aquele dia.”

— Helden, Apocalyptica feat. Till Lindemann

  

O Guerreiro* encarou o chá escuro na tampa daquela garrafa térmica. Soprou, observando a fumaça se espalhar e sumir logo em seguida. Levou a xícara de metal até os lábios, sentindo-se esquentado pelo conteúdo, enquanto o Momento o encarava do outro lado da sala. Seu olhar expressava dúvida, mas também pesar.

Quem diria que uma arma, uma arma destruidora de mundos, seria capaz de desenvolver uma consciência própria e ainda tentar fazê-lo desistir de usá-la? Ele não se sentia tão surpreendido assim, após tudo o que viu e viveu nos últimos anos de terror.

Ao menos era reconfortante sentir que tinha uma companhia em um momento como esse. O momento em que se sentia sozinho como nunca antes, o momento em que se sentia o ser mais sozinho do Universo, sabendo que em poucos minutos tudo o que restava do seu planeta seria apenas uma memória que lhe assombraria pelo resto de seus dias. Disso ele tinha certeza, pois os olhos daquelas suas duas versões mais velhas não mentiam. Ele se arrependeria disso para sempre e, um dia, tentaria esquecer, faria de tudo para esquecer. Mas a culpa sempre estaria lá, como um companheiro silencioso.

Contudo, esse não era o momento de hesitar ou voltar atrás. Ele não era mais o Doutor e, tendo feito e visto tantas coisas que negavam sua própria essência durante a Guerra do Tempo, o que seria mais uma para seu fardo?

— Olá. — O Guerreiro desviou os olhos do Momento ao ouvir uma voz baixa e incerta lhe cumprimentar. — Sou a Clara. Nós não nos conhecemos ainda.

Clara sentou-se na cadeira à sua frente, dirigindo-lhe o sorriso gentil que tinha nos lábios. Fazia tempo que ele não via alguém dirigir-lhe esse tipo de cumprimento. Gentileza era algo que não tinha vez nos campos de batalha.

— Eu ansiava por isso — ele confessou-lhe. Sempre tinha essa sensação quando conhecia um de seus futuros companheiros. Ele sempre ficava ansioso pelos novos amigos que iria fazer.  

O Guerreiro tentou dar um sorriso, em retribuição do que recebeu, porém, apenas conseguiu esboçar a sombra de um sorriso triste por baixo da barba. Talvez ele tivesse perdido o hábito, já que há tanto tempo não sorria.

Clara continuava encarando-o, como se hesitasse. O Doutor voltou os olhos escuros para o rosto dela, curioso.

— Algum problema?

— O Doutor, o meu Doutor, ele sempre falava sobre o dia em que fez isso. O dia em que ele exterminou os senhores do tempo para parar a guerra.

O Guerreiro abaixou os olhos ao sentir a compaixão que vinha das íris castanhas. Ele tinha certeza do quanto se arrependeria disso no futuro. Mas ele não tinha escolha, não naquele momento, em pleno auge do desespero. Ele era a última esperança para inúmeros mundos que ainda poderiam ser destruídos caso aquela guerra continuasse, o seu próprio planeta incluso. Ele era a esperança quando ele mesmo não tinha mais nenhuma.

— Alguém faria — o Guerreiro soltou quase em um sussurro, envergonhado, finalmente erguendo o olhar e encarando aqueles olhos castanhos cheios de compaixão e empatia, mesmo que ele não se sentisse digno desse sentimento.

— Você não. Porque você ainda não fez. Ainda está no seu futuro.

— Você está bem confiante disso. — Foi uma tentativa de evadir-se da resposta. Mas, no fundo, ele achava-a perceptiva. Apesar de que não fosse muito difícil adivinhar, com o peso de quem parecia carregar o mundo nas costas, visível em seu semblante.

— Ele se arrepende disso. Eu vejo nos olhos dele todos os dias. Ele faria qualquer coisa para mudar isso.

Realmente, ela era perceptiva. Mas ele não tinha escolha. E, no fundo, talvez todo o arrependimento que ele carregaria serviria de pólvora para suas ações futuras, seria a ignição para que ele continuasse sendo o Doutor, salvando vidas, salvando pessoas, para que cumprisse a promessa que ele abandonou junto de seu nome quando regenerou em Karn.

— Incluindo salvar todas aquelas pessoas. Quantos mundos o arrependimento dele salvou? — Com a fala do Guerreiro, Clara pareceu considerar sua afirmação nos breves instantes em que desviou os olhos dos seus. Ela parecia segurar as lágrimas. Endurecido após tanta barbárie, era difícil acreditar que alguém ainda choraria por ele, o Guerreiro.

Clara comentou como seus olhos pareciam jovens, surpreendendo-o e causando um involuntário levantar de sobrancelhas. Ele realmente estava curioso por quando conheceria aquela mulher. Mas, agora, ele tinha que enfrentar o seu próprio medo e a sua própria vergonha. Ele tinha que dar o primeiro passo para que um dia se tornasse aqueles dois homens que tentavam negociar um acordo de paz entre humanos e zygons na sala ao lado.

— É hora de eu crescer — ele afirmou mais para si mesmo, porém, não passou despercebido pelo Momento, que assistia em silêncio àquela conversa. — O momento chegou. Eu estou pronto!

O Momento assentiu ao seu chamado, tirando-o dali, da companhia de Clara e seus olhos compassivos.

O Guerreiro se viu de volta a Gallifrey, no mesmo celeiro de antes. Sozinho. Sem olhares repletos de compaixão e sem sorrisos gentis. Apenas ele e aquela arma, que piscava como a solução para tudo na forma de um botão vermelho. Sempre um grande botão vermelho!

E também havia a consciência do Momento, na forma da Garota Lobo Mau. Contudo, ela não era de grande companhia naquele instante. Pelo contrário, ele preferia fazer aquilo sozinho, sem sentir o olhar de quem quer fosse. Sem sentir a pena que saia do olhar da Garota Lobo Mau. Não queria uma testemunha que fosse para o maior ato de terror que estava prestes a realizar. Sua consciência já bastaria como testemunha, acusando-o pelo resto de seus dias.

Mas, se fosse isso que ele precisava para se tornar aqueles homens, suas futuras encarnações, que acabara de deixar para trás para resolverem seus próprios problemas, então ele teria a honra de acender a chama para que um novo Doutor nascesse naquele instante. Um novo Doutor, forjado pelo fogo, portador de uma culpa mais pesada do que toneladas, e com um arrependimento que faria que ele salvasse mundos inteiros. Mundos e pessoas que ele não pôde salvar. Ele, o Guerreiro, traria o Doutor de volta à vida.

Sua mão pesava sobre o botão, enquanto em sua mente corriam lembranças dos risos infantis, daquelas mesmas crianças que ele estava prestes a destruir. Ele hesitou, com medo. Com o medo que estava sempre escondido durante a Guerra. Mas não havia lugar para o medo no campo de batalha.

Ele também achava que não havia lugar para esperança, porém, parecia que estava enganado. A Tardis chiava, anunciando sua chegada e sempre trazendo esperança. Mesmo que ele achasse impossível tê-la naquele momento.

— Eu disse. Ele não fez ainda.

Clara apareceu junto de seus dois eu’s futuros. O Guerreiro virou as costas, não querendo ver nenhum olhar de compaixão ou o que quer fosse. Mesmo que fosse raiva, ele não queria ver. A condenação de sua consciência já era o suficiente.

— Vão embora agora, todos vocês. Isso é para mim.

O Guerreiro permanecia de costas, querendo ficar sozinho com seu destino. Aqueles dois não deveriam estar ali, mesmo que fosse possível, afinal, eles eram o Doutor, eles salvavam pessoas. E ali não havia ninguém para ser salvo, não era o lugar deles, a guerra.

Sua mão se firmou sobre o grande botão vermelho, enquanto suas duas encarnações discursavam sobre como ele, o Guerreiro, era o Doutor quando era impossível fazer o certo.

Ele negaria a existência daquela encarnação por anos e anos, tinha certeza, contudo, ouvir aquilo o fez hesitar por dentro, mesmo que seus gestos ainda fossem firmes. O fez acender a pequena chama de esperança, uma pequena memória do que era ser o Doutor, que estava apagada, bem lá no fundo de seu ser. Aqueles dois traziam o fogo para acender seus sentimentos dormentes. Porque era isso que o Doutor fazia.

— Dessa vez, você não precisa fazer isso sozinho.

Suas duas futuras encarnações colocaram as mãos sobre a dele no grande botão vermelho. Era uma memória e uma culpa que eles carregariam juntos, todos eles. Todos os Doutores, daquele dia em diante.

— O que fazemos hoje não é no nome do medo ou do ódio. É feito porque não há outro jeito.

— É feito pelo nome de muitas vidas que estamos para poupar.

O Guerreiro escondeu um suspiro, hesitante, assim como suas duas futuras encarnações. Sozinho ou acompanhado, não era fácil a decisão que estavam prestes a tomar. Aquela decisão que não era feita em seu nome.

Às suas costas, Clara não conseguia acreditar. Ela negava para si, negava para eles e para qualquer um que fosse, porque ela não conseguia acreditar que o Doutor, que o seu Doutor, seria capaz disso. E muito menos que ela presenciaria o aperto da destruição sobre tantas vidas.

— Você me contou que eliminou seu próprio povo. Eu só... Eu nunca imaginei você fazendo isso.

E nem um de seus antigos eu’s imaginaria, nem mesmos em seus pesadelos ele imaginaria que um dia fosse capaz de tomar essa escolha. Mas, graças ao Momento e sua projeção, ele viu o porquê de sua decisão: dor, destruição, morte. Arcadia queimava e vidas sofriam. Ao mesmo tempo em que reassegurava a decisão que estava prestes a tomar, ver o rosto das pessoas que estava prestes a queimar era mais doloroso do que qualquer dor.

— Essas são as pessoas que você está prestes a queimar? — Clara derramou as lágrimas que segurava até aquele instante. Ela, ao contrário dele, não estava preparada para ver o que a guerra poderia causar. Ela, diferente dele, não tivera seus sentimentos reduzidos a cinzas.

Os dois Doutores mais velhos afirmavam mais uma vez que não havia escolha. Porém, Clara não queria aceitar. Ela não poderia simplesmente aceitar aquelas pessoas queimarem. Ninguém queimaria naquele dia, não se ela pudesse... Mas o que fazer quando não se tinha mais escolha? Quando tudo parecia caminhar para apenas uma solução?

— Olhe para você. Os três de você. O guerreiro, o herói e você.

Mesmo com os três parados lado a lado, sérios, impassíveis, Clara não se intimidava. Porque ela sabia o que se escondia por trás daqueles semblantes pesados. Ela via o que se passava através de seus olhos.

— Nós temos o suficiente de guerreiros. E qualquer idiota pode ser um herói.

— Então o que eu faço? — Sua décima primeira regeneração tomava a frente, apresentando a pergunta que estava presa em sua garganta durante toda a Guerra do Tempo: o que fazer? O que fazer quando parece não haver mais nada a ser feito, a não ser lutar e matar e morrer?

— O que você sempre fez. Seja o Doutor. Você me disse que seu nome era uma promessa. Qual promessa? — Ela tentava lembrá-lo, como uma última tentativa no meio do desespero.

No fundo, ele nunca havia esquecido-se do que havia prometido há tantos séculos: nunca ser cruel, nunca ser covarde, nunca desistir e nunca se entregar. Era isso que ele seguiria até o fim dos seus dias. Era isso que o Doutor faria até sua última regeneração. Mas ele não era o Doutor, ele era o Guerreiro. Suas promessas ainda se aplicavam a ele, que rejeitava o próprio nome?

Com toda aquela destruição, tudo o que aquelas pessoas, tudo o que aquelas crianças precisavam, era de um Doutor que as salvassem.

E tudo o que ele precisava naquele instante era de esperança. Era de alguém que acendesse aquela chama, que lhe fizesse ver que ele não tinha apenas uma escolha.

Naquele dia, ele escolheria o certo. Naquele dia, o Guerreiro voltaria a ser o Doutor. Ele sempre seria o Doutor.





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Notas finais do capítulo

Helden, Apocalyptica feat. Till Lindemann: https://youtu.be/OWtSygdtj7s

* O War Doctor era comumente chamado de o Guerreiro, o Doutor da Guerra, ou o Renegado. Ele não se considerava o Doutor durante a época da Guerra do Tempo e preferia não ser chamado assim, chegando até a ter rompantes de raiva quando o chamavam pelo outro nome.

Então, o que acharam desse cap mais reflexivo? Já que estamos no começo do ano, nada melhor do que parar pra respirar um pouco e refletir -q
"Mas, Ester, a Clara salvou o Doutor nesse capítulo?" Às vezes, apenas uma palavra, um gesto que seja, é capaz de salvar alguém em um momento de desespero, salvar alguém do escuro que a pessoa se encontra. Foi isso que eu quis mostrar aqui, mesmo que de forma sutil ;)
Gostaram desse cap mais voltado "para dentro"? Digamos que teremos mais alguns momentos assim, só pra avisar xD
Maaass, no próximo voltamos a programação normal, dando início de vez a essa nova fase na fic, com os Doutores da série moderna.
Até mais, povo o/